Capítulo 11 - Flora

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Naquela fria manhã, levantei-me e segui em direção à cozinha cumprimentando com um bom dia todos que eu encontrava pelo caminho. Quando cheguei ao meu destino, vi que o lugar estava completamente vazio. Com o cenho franzido, me virei e estava prestes a sair dali, quando ouvi uma voz conhecida:

— Senhorita Flora! — Bernard veio da despensa com alguns ingredientes nas mãos e me recebeu com um largo sorriso — Já de pé tão cedo? Teve algum problema para dormir?

— Nada disso, apenas decidi que já era hora de levantar — respondi, apesar de que havia sim demorado para dormir na noite anterior.

A todo momento, minha mente recordava da minha última conversa com o capitão e me enchia de pensamentos sobre o que fazer a respeito disso.

— Ah, sim, eu acredito na existência de Deus — me lembrei de como ele havia fixado seu olhar no meu ao dizer isso — Só que diferente do que os outros dizem, eu não o vejo como um Ser bondoso e cheio de amor. Não quando Ele permite as injustiças e maldades que ocorrem todos os dias.

Seu rosto na maioria das vezes tão sorridente e alegre, carregava uma mágoa e um ressentimento notórios em sua expressão séria.

— Só estou dizendo o que penso, não precisa concordar comigo — disse me dando as costas e caminhando pelo mesmo lugar por onde viera, em direção ao leme — Acredite, eu também já fui como você. Mas as experiências que tive me fizeram ver que nessa vida... — ele parou no meio do caminho e olhou para mim — Apenas os espertos sobrevivem.

Me perguntei o que o levara a pensar desse jeito e o que ele havia passado para carregar esse fardo invisível que agora eu conseguia ver sobre ele. Em meu íntimo, eu gostaria de ajudá-lo a se livrar desse fardo e eu sabia que o único que podia fazer isso era Jesus. Mas como eu poderia falar sobre Deus para uma pessoa que parecia odiá-lo?

— Senhorita? — Bernard chamou me despertando dos meus pensamentos — Algo a incomoda?

— Ah, não, nada disso! — balancei a cabeça com um sorriso.

— Veio para tomar o desjejum? Ainda vai demorar um pouco para ficar pronto.

— Na verdade... Há algo que eu possa fazer para ajudá-lo? — suas sobrancelhas levantaram em surpresa e me sentindo sem jeito, cruzei as mãos na frente do corpo — Eu não sou uma mestra na cozinha, mas sempre cozinhei para mim e meu pai. Então aprendi pelo menos o básico.

Esperei ansiosa pela sua resposta, enquanto ele processava minhas palavras.

— É claro que aceito! — Um largo sorriso se abriu em seu rosto, para meu completo alívio — Sabe, não é fácil ser o único cozinheiro entre mais de vinte homens.

Sua alegria era contagiante e era impossível não sorrir quando ele estava tão animado daquele jeito.

— Bom, então me diz o que posso fazer, chefe — falei me aproximando dele e observando o que ele tinha ali.

— Você pode sovar essa massa?

Trabalhamos juntos para preparar tudo, e enquanto misturava os ingredientes, ele fazia questão de me explicar o passo-a-passo de todas as etapas para que eu aprendesse tudo corretamente. Bernard era um professor paciente e gentil, e por isso, não demorou muito para que eu pegasse o jeito das coisas. Sempre que tinha oportunidade, também opinava sobre quais ingredientes acrescentar ou a forma de fazer alguma coisa.

Pouco tempo depois, já tínhamos tudo terminado e pronto para servir. Enquanto Bernard arrumava as mesas para pôr a comida, eu me dedicava à minha tarefa de lavar a louça usada e colocar os ingredientes no lugar.

— Nossa, eu estou morto de fome! — exclamou um marujo baixinho entrando pela cozinha, acompanhado pelos outros que chegavam pouco a pouco.

Logo todas as mesas estavam lotadas e praticamente todos os marujos estavam ali, inclusive o capitão Jack.

— Vocês chegaram bem na hora! — Bernard os recebeu com um tom bem-humorado e olhou para mim — Graças a ajuda da senhorita Flora, consegui terminar tudo mais cedo!

Os olhares dos homens ali presentes se voltaram para mim e no mesmo instante, senti minhas bochechas corando pela atenção repentina.

— Ah, não foi nada demais, Bernard — argumentei evitando levantar a cabeça e encarar qualquer um deles.

— Bem, então não vamos fazer desfeita com a moça! — sugeriu outro marujo mais velho, se acomodando em seu lugar e se servindo com o pequeno banquete ali disposto.

Os outros seguiram seu exemplo e se dispuseram a servirem seus pratos com frutas, pães e o que tivesse por perto. Também me servi com um pouco de comida e me sentei na mesma mesa em que Bernard se encontrava. Mesmo que eu não o conhecesse tão bem, sentia que ele era uma boa pessoa, mas sem deixar de me manter alerta sobre ele.

— Nossa! Essa comida me lembrou a comida da minha esposa! — exclamou o velho marujo com um olhar nostálgico e cheio de saudades — Muito obrigada, senhorita.

O olhar de pura emoção voltado para mim, me fez esquecer um pouco dos meus problemas e sorrir de verdade.

— Não há o que agradecer — falei olhando para ele com gentileza — E além do mais... Eu só ajudei um pouco, Bernard que é o grande cozinheiro aqui.

Olhei para o homem ao meu lado, que agora tinha as bochechas vermelhas de vergonha.

— Não precisa ser modesta, senhorita, você realmente me ajudou muito hoje — disse com um pequeno sorriso e abaixou a cabeça — Mas eu agradeço pelo elogio.

— Olha só para ele, todo envergonhado! — um homem sentado perto de nós provocou e os outros riram dele.

— É claro que não! — Bernard levantou a cabeça de uma vez e olhou para os amigos com uma expressão irritada, logo sendo substituída por um sorriso convencido — Vocês deveriam aprender a serem mais educados, como a senhorita aqui, e reconhecer meus esforços!

— Claro que reconhecemos! — disse Jack, que até aquele momento nada falara, e com um sorriso olhou em nossa direção — Se não fosse por você, estaríamos comendo pães duros e insossos todos os dias!

As risadas preencheram o lugar e dessa vez, também participei delas. Os marinheiros continuaram com as brincadeiras entre si e eu os observava com um sorriso.

Percebendo o olhar intenso de Jack sobre mim, ousei encará-lo de volta, mas diferente do que eu esperava ele permaneceu com os olhos firmes em mim, com um sorriso brincando em seu rosto. Curiosa, me perguntava o que se passava na mente dele, mas sem conseguir encará-lo por muito tempo, desviei o olhar no mesmo instante em que um marujo entrou correndo pela porta.

Ele estava ofegante, e afoito, varreu o lugar com os olhos até encontrar o capitão.

— O que aconteceu, James? — Jack perguntou se levantando com uma expressão séria.

— Estamos sendo atacados, capitão! — disse espantado e como se isso já não fosse aterrorizante o suficiente, completou — São piratas!

Flora Harper E O Navio Pirata - Amor Em Alto-Mar Onde histórias criam vida. Descubra agora