Capítulo 13 - Flora

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No dia seguinte, apesar de ter acordado cedo, esperei que todos os homens se alimentassem e saíssem antes de entrar na cozinha. Não estava nem um pouco com vontade de receber os olhares deles sobre mim, e muito menos queria encontrar Jack por algum corredor do navio.

Como esperado, a única pessoa que ainda estava ali era Bernard, concentrado em sua tarefa de varrer o chão. Assim que ergueu sua cabeça, ele me viu e percebi a tensão que tomou seu rosto.

— Bom dia, senhorita — disse com um sorriso nervoso e eu me aproximei.

— Bom dia — com os braços na frente do corpo, me apoiei em uma mesa próxima.

Ele parou o que estava fazendo e caminhou até o balcão onde preparava as comidas, então voltou com uma tigela de mingau nas mãos.

— Eu guardei um pouco para você — disse timidamente, colocando a tigela na mesa à minha frente — Aproveite enquanto ainda não esfriou.

— Obrigada, Bernard... — murmurei me sentindo emocionada de repente. Puxando a cadeira, me sentei e observei a refeição feita por ele — Você é muito gentil... — Sentindo um nó em minha garganta, levantei os olhos e o encarei com um sorriso — Sinto que você é o único em quem posso confiar de verdade aqui...

Meu comentário o fez engolir em seco, e por um momento, nenhum de nós disse nada. Enquanto eu comia em silêncio, percebi que ele parecia pensar em alguma coisa.

— Olha, senhorita, eu não estou defendendo o capitão, nem estou dizendo que concordo com o modo de agir dele... — ele falava devagar e de forma clara, como se estivesse pensando em cada uma de suas palavras — ...Mas se tem uma coisa que posso afirmar com toda certeza, é que ele tem um bom coração.

— Você parece ser muito leal a ele... — murmurei olhando discretamente em sua direção.

— Eu daria minha vida por ele! — afirmou com confiança e eu o encarei com surpresa e curiosidade.

— Está falando sério?

Com um suspiro profundo, Bernard puxou a cadeira à minha frente e me encarou sério.

— Sim... — ele fitou meus olhos com determinação e notando o quão perplexa eu estava, continuou: — Me escute, Flora... Eu sei que talvez você não tenha tido uma boa primeira impressão do Jack, e que talvez ele pareça ser um homem cruel e frio aos seus olhos... Mas eu te asseguro que com o tempo, você vai vê-lo com outros olhos.

— Não tenho tanta certeza disso... — sussurrei desviando o olhar para o chão — Eu confiei nele, Bernard... E duas vezes ele me enganou.

Levantei o olhar e encontrei seus olhos compassivos sobre mim.

— Eu seria injusto se pedisse para perdoá-lo ou confiar nele tão facilmente de novo — disse com cautela — Só estou pedindo que dê uma chance para conhecê-lo melhor — vendo minha hesitação, ele se inclinou para a frente — Acredite em mim, ele nunca faria nada que a colocasse em perigo!

— Ele é tão importante assim para você? — questionei realmente curiosa por ele defendê-lo tão fortemente.

Mesmo que sem querer, suas palavras estavam tendo um efeito sobre mim, como se fossem realmente verdade. Ele respirou fundo e voltou a se recostar na cadeira antes de falar.

— Há cinco anos atrás, minha cidade foi assolada por uma doença que estava levando todos à morte — disse em um tom pesaroso — Da minha família, eu fui o único que sobreviveu e sem conseguir ficar ali por mais tempo, fui embora em busca de uma vida melhor...

— Eu sinto muito, Bernard... — falei com sinceridade e ele apenas sorriu fraco.

— No caminho, acabei sendo assaltado e espancado por alguns bandidos que me deixaram quase morto — olhei para ele horrorizada com sua história, mas ele ignorou e continuou falando, com o olhar perdido — Eu teria morrido naquele mesmo dia, se Jack não tivesse aparecido e me salvado. Ele me levou para uma pousada, tratou das minhas feridas e pagou por todos os gastos com comida e despesas.

— Eu não fazia ideia... — falei tocada com sua história tão trágica e surpresa com como ela era parecida com uma passagem que eu havia lido em minha velha bíblia, a do bom samaritano — Deve ter sido muito difícil para você.

— Graças ao capitão, eu me recuperei rapidamente e assim que ele se despediu pronto para partir, pedi para acompanhá-lo e ele aceitou — um sorriso genuíno se abriu em seu rosto e com os olhos brilhando, ele me encarou — Não foi só comigo, todos os marujos deste navio foram ajudados por ele de alguma forma! Para nós, ele é como um herói!

— Eu nem sei o que dizer — murmurei realmente impressionada com essas informações.

— Todos nós já passamos por experiências ruins, Flora, e isso de alguma forma nos mudou. Com o Jack não foi diferente...

Demorei alguns segundos para processar tudo. A verdade era que eu estava magoada e me sentia traída pelo capitão, mas em nenhum momento eu me perguntei o porquê dele ter feito isso.

— Eu... entendo — falei por fim com um aceno de cabeça — Acho que se eu perguntar o que aconteceu com ele, você vai me dizer que cabe a ele contar, certo?

— Infelizmente sim — ele sorriu fraco.

— Tudo bem, então... — soltei um suspiro, ainda sem saber como reagir a tudo isso — Muito obrigada, Bernard, pela comida e... pela conversa também.

— Disponha! — disse se levantando com um sorriso — Sempre que eu puder ajudá-la em alguma coisa, é só pedir, senhorita!

— Você me chamou de Flora agora há pouco — comentei e vi seu rosto corar com vergonha. Ele abriu a boca para dizer algo, mas antes que pudesse falar, eu completei: — Pode me chamar assim se quiser.

Surpreso, ele hesitou por um instante e então assentiu com um pequeno sorriso.

— Como preferir, Flora. — disse recebendo um sorriso satisfeito meu.

Passei o restante da manhã ajudando-o com as tarefas da limpeza, mas apesar de me manter ocupada, minha mente teimava em pensar em todos os eventos que ocorreram nos últimos dias. E mesmo contra a minha vontade, minhas emoções contrárias estavam me deixando em um estado de confusão extremo.

                          💎💎💎

Acordei ouvindo um grande barulho do lado de fora. Depois de fazer minha oração e arrumar minha aparência, saí da cabine disposta a saber o que estava acontecendo.

Caminhei até o convés principal, onde todos os homens estavam ocupados fazendo alguma tarefa e só quando cheguei no centro entendi o porquê. Meu coração acelerou ao ver que estávamos nos aproximando de uma cidade até então desconhecida para mim.

Olhando em volta, encontrei Bernard conversando com outro marujo, e assim que terminaram sua conversa, me aproximei dele.

— Olá, Bernard! — cumprimentei chamando sua atenção para mim e ele sorriu.

— Olá, Flora.

— E então, para onde estamos indo? — perguntei apontando com a cabeça para a cidade que ficava cada vez mais próxima.

— Esta é a cidade de Klyve — disse olhando para a mesma com as mãos na cintura — Vamos parar nela para abastecermos o estoque e resolver algumas coisas.

— Entendi... — assenti com os pensamentos voando em minha mente — Bom! É melhor eu me preparar para nosso desembarque então!

Me virei e rapidamente me afastei dele, mas antes de sair de sua vista, ouvi sua voz ao falar:

— Não esqueça de passar na cozinha para comer um pouco!

— Pode deixar! — exclamei olhando para ele por cima do ombro.

Depois de me alimentar junto com os outros, arrumei minha pequena bolsa com meus poucos pertences e dei uma última olhada na cabine antes de sair.

Essa seria minha oportunidade de escapar e tentar chegar ao meu destino de outro jeito. Mas apesar de afirmar que estava decidida, sentia a incerteza me abatendo e confundindo meus sentimentos em um emaranhado sem sentido.

A verdade é que já não tinha mais tanta certeza de que estava fazendo a coisa certa, e mesmo que eu detestasse admitir, eu sentiria saudade dos poucos dias que passei nesse navio. Saudades de Bernard, da animação dos marujos e mesmo contra a minha vontade... saudades do capitão Jack.

Flora Harper E O Navio Pirata - Amor Em Alto-Mar Onde histórias criam vida. Descubra agora