Capítulo 34 - Flora

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— Você e o capitão parecem se dar muito bem — Grace comentou enquanto distribuía os pratos e talheres sobre a mesa — Nunca o vi pedir desculpas a alguém antes.

— Grace! — reprendi diante de sua falta de discrição.

— Que foi? Só estou falando a verdade.

— Tudo bem, meninas — Anne riu, parando de mexer a panela para olhar em nossa direção — É verdade, desde pequenos sempre fomos muito próximos.

Um pequeno sorriso se abriu em seu rosto, e por um momento, parecia que sua mente viajava por lembranças distantes.

— Quando nossos pais faleceram, tive medo de que ele se fechasse e se afastasse de mim e de todos. Ele só tinha doze anos de idade... — seus olhos encontraram os meus e pude distinguir um brilho de admiração neles — Mas ao invés disso, ele superou rapidamente a dor da perda e passou a cuidar de mim, como se ele fosse o irmão mais velho e não eu.

— Nossa, o capitão não cansa de me surpreender — Grace apoiou as costas na mesa e cruzou os braços na frente do corpo — Ele é realmente um homem de personalidade forte.

Anne olhou para ela com curiosidade e percebendo isso, Grace balançou a cabeça e as mãos em um movimento frenético.

— Ah, não, não me entenda errado! Não é de mim que ele gosta e eu também nunca o vi dessa forma!

Sua constatação fez os olhos da outra se voltarem para mim, com o mesmo sorrisinho de canto que Jack possuía, e senti minhas bochechas corarem.

— Ops! — percebendo o que acabara de dizer, Grace tentou se corrigir — Não que ele goste de alguém, é claro. Só estou dizendo que se ele gostasse de alguma de nós duas, com certeza não seria eu...

Com receio de que ela só piorasse ainda mais as coisas, decidi que era hora de intervir.

— I-isso não está queimando? — apontei para a panela atrás dela, fazendo-a desviar o olhar de mim.

— Ah meu Deus! Como eu sou distraída! — Anne deu um tapinha na testa, voltando sua atenção para a comida preparada.

Respirando aliviada e terminando minha tarefa, me permiti observar Anne com mais atenção. Ela tinha os traços muito parecidos com o capitão, os cabelos pretos e sedosos, o sorriso charmoso e a pele bronzeada eram idênticos ao dele.

A diferença mais marcante na aparência dos dois era a cor dos olhos, enquanto o capitão possuía os olhos azuis como a cor do mar, os dela eram cor de mel.

— Tudo pronto! — disse ela, retirando a panela do fogão à lenha e a colocando sobre a mesa de madeira — Vou chamar os outros.

Alguns minutos depois, estávamos todos reunidos ao redor da mesa.

— Bem, antes de comermos — Anne disse chamando a atenção de todos — , gostaria de fazer uma breve oração agradecendo a Deus pela nossa refeição e pela oportunidade de ter meu irmão e vocês aqui conosco.

Ela olhou para Jack e sorriu afetuosamente, então fechou os olhos e seguindo seu exemplo, fizemos o mesmo. Sua voz doce e suave preencheu o ar em uma oração curta, mas sincera e comovente.

Quando ouvimos o "amém" e abrimos os olhos, me voltei inconscientemente para o capitão e percebi sua expressão distante, mas que logo desapareceu.

Enquanto nos servíamos com a deliciosa comida, as conversas fluíam de forma leve e alegre, deixando todos em um clima agradável.

— Então, está do seu agrado, Jaysinho? — Anne questionou olhando para o irmão em expectativa.

Jaysinho?! — Bernard e Grace exclamaram ao mesmo tempo, olhando com espanto para o capitão, e logo depois, trocaram um olhar entre si, provavelmente aproveitariam a primeira oportunidade para provocá-lo pelo apelido.

— Anne, eu não sou mais criança, não precisa me chamar assim... — pediu com as bochechas corando de vergonha, e não pude deixar de reparar o quanto ele ficava fofo daquele jeito.

— Ah, mas para mim, você sempre será o meu irmãozinho.

Ela se esticou sobre a mesa e tentou apertar sua bochecha, mas ele facilmente desviou.

— Assim vai deixar ele sem jeito, querida — Harold tentou acalmar sua esposa, mas era óbvio que também se divertia às custas dele.

— Tudo bem — ela voltou a se sentar e cruzou as mãos abaixo do queixo — Mas você sentiu falta da minha comida, não é mesmo?

— É claro que eu senti — Jack afirmou lançando um olhar em nossa direção — Mas também tive ótimos cozinheiros em meu navio.

— É mesmo? — Anne sorriu, seu olhar recaindo sobre nós — Estou curiosa para saber como se juntaram ao meu irmão.

— Ah, é uma história bem longa... — desconversou ele — Que vou te contar em outro momento, quando tivermos mais tempo sobrando.

— Como assim? — mais uma vez naquele dia, o sorriso sumiu de seu rosto — Você mal chegou e já está pensando em ir embora?

E novamente, o clima se tornou desconfortável entre todos.

— As senhoritas aqui não fazem parte da minha tripulação — Jack explicou com um semblante sério — Preciso deixá-las em um lugar seguro o mais rápido possível.

Ele olhou diretamente para mim, e no mesmo instante entendi que era na minha situação que ele pensava. Mas ainda assim, me senti triste por ser a causa de sua curta visita à sua família e abaixei a cabeça, envergonhada.

— Eu entendo — Anne pensou por alguns segundos, e então sorriu — Bom, então vamos aproveitar esse tempo juntos da melhor forma possível. Temos um convite a fazer.

Encarou o marido, incentivando-o a continuar sua fala, e ele logo atendeu.

— Hoje teremos um culto na igreja onde congregamos, e ficaríamos muito felizes se vocês fossem conosco — Harold convidou com um sorriso simpático.

— Eu vou, a última vez que fui à igreja foi antes de partir da minha cidade natal — declarei olhando para minha amiga — E você, Grace?

— Claro, será o meu primeiro culto como nova convertida! — sorriu animada.

— Também vou — disse Bernard, nos surpreendendo — Quero conhecer melhor esse Deus de quem tanto ouço falar.

Ele se virou para nós duas e juntas, sorrimos felizes, e o encorajamos em sua decisão.

— E você, Jack? — Anne olhou para o irmão, com certo receio — Também virá?

— Prefiro ficar por aqui — respondeu por fim.

O desapontamento atingiu a todos, mas ninguém insistiu com ele, ao invés disso, Anne sorriu suavemente.

— Mas você vai para o festival, certo?

— Um festival? — Grace perguntou, curiosa.

— Todos os anos, na primeira colheita, a cidade inteira faz um festival para comemorar e agradecer a Deus pela fartura — Harold explicou — É um grande evento para os moradores daqui.

— Já ouvi falar sobre isso — Bernard sorriu — E agora que estamos aqui, quero muito participar!

— Vocês vão amar, temos danças, música e jogos! — Anne sorriu empolgada — A rua principal é inteiramente iluminada e preenchida com barracas de comidas e outras coisas e a igreja recebe grandes doações de comidas que são distribuídas para os mais necessitados.

— Nossa, parece muito legal — comentei imaginando como deveria ser divertido.

— É sim — Anne juntou as mãos animada e se virou novamente para o irmão — Você tem que ir, Jack!

— Tudo bem, eu vou — cedeu para o alívio da mais velha.

Passamos os minutos seguintes conversando sobre a igreja local e o grande evento do dia seguinte. Mas em meio à conversa, notei que Jack mal falara e parecia estar com os pensamentos em outro lugar.

Quase podia ver o peso e a tensão presentes em seus ombros, mas por mais que eu quisesse, não sabia como ajudá-lo e isso me deixava frustrada.

Senti a desesperança e o pessimismo querendo me atingir, mas respirando fundo, dispersei qualquer pensamento negativo e me concentrei no que os outros falavam.

Flora Harper E O Navio Pirata - Amor Em Alto-Mar Onde histórias criam vida. Descubra agora