O sorriso que se abriu no rosto de Flora junto com o brilho de esperança em seus olhos, fez eu me sentir aquecido por dentro.
Fazia poucas semanas que eu a conhecia, mas ao observá-la nesse curto período de tempo, era impossível não notar suas muitas qualidades. Ela era uma mulher ingênua e bondosa, que ajudava mesmo aqueles que lhe faziam mal, mas ainda assim conseguia ser corajosa e forte, e isso era perceptível pelo simples fato de suportar e enfrentar as dificuldades sem se deixar abater.
Honestamente, ela era uma das poucas pessoas realmente bondosas que eu conhecia, e por isso, algo em mim me fazia pensar que deveria protegê-la de todo mal que poderia vir sobre ela.
Tentei me manter distante, tentei não me apegar ou me acostumar com sua presença, mas quanto mais tentava fugir, mais me sentia atraído por ela.
- Me diz uma coisa - ela inclinou a cabeça, o sorriso ainda permanecendo em seu rosto dócil - Como sabia que eu sou a noiva do Conrad?
- Por causa do anel - olhei para a pequena joia em seu dedo com desgosto.
De forma inconsciente, ela levantou a mão e também olhou para o objeto em seu dedo anelar.
- O anel? - suas sobrancelhas franziram em confusão e então olhou para mim - Como assim?
- Fui eu quem o vendi para o ourives em Tymont, e este vendeu para o duque - minha mente viajou para aquele mesmo dia, lembrando exatamente dos detalhes - Passei uma semana ali só para esperar o pagamento por esta jóia.
- O Senhor realmente faz as coisas mais inesperadas, se tornarem totalmente certas e necessárias... - sua fala cheia de emoção me fez olhar para ela com curiosidade e confusão, e percebi como seu rosto transmitia uma paz inexplicável.
- Por que diz isso? - tentei não soar tão incomodado com o assunto "Senhor".
- Você não percebeu? Foi Deus quem permitiu que você ficasse um pouco mais na cidade e me fez te encontrar naquele dia no porto — seu sorriso aumentou ainda mais, ela estava convicta de suas palavras - Ele alinhou nossos caminhos para nos encontrarmos e ajudarmos um ao outro!
Não disse nada de imediato. Sua afirmação fazia sentido, mas eu não queria admitir isso, não quando significaria reconhecer o agir divino em minha vida.
— Você pode ver desta maneira — respondi por fim sem olhar para ela — Mas para mim, não passa de coincidências...
— Certo... — seu tom era de desapontamento e eu me senti mal por isso.
— Enfim, se tudo sair como planejado, nós dois conseguiremos o que queremos — tratei de mudar de assunto afim de dissipar qualquer clima estranho entre nós.
— E o que fará com o Conrad? — questionou e busquei em seu rosto qualquer sinal de compaixão ou pena, mas sua expressão era neutra.
— Eu o matarei, com as minhas próprias mãos — declarei sem hesitar.
— E depois disso? — seus olhos prescrutaram meu rosto.
— Depois? — encarei seus olhos e pensei por alguns instantes antes de responder — Depois poderei viver tranquilo, sabendo que consegui o que tanto queria.
— Matá-lo será o bastante?
Desviei o olhar para o mar novamente, aquela conversa estava me deixando inquieto, com um incômodo crescendo em meu peito sem que eu soubesse o porquê. Diante de suas indagações meus argumentos pareciam fracos, e eu não gostava nem um pouco disso.
— Me diz a verdade, Jack, o que você está realmente buscando? — continuou, me fazendo apertar a estrutura à frente até meus dedos doerem — É vingança que você quer ou... justiça?
Recuei de forma involuntária, dando um passo para trás. Flora continuava com o olhar fixo em mim e tive que me esforçar muito para controlar a fúria que me acometia.
Meu coração batia feito louco e senti minha cabeça doer. Com a intenção de me acalmar, passei as mãos nos cabelos, bagunçado-os e só então olhei para ela.
— Acho melhor você ir ajudar sua nova amiga... — forcei um sorriso e falei o mais gentil possível.
— Tudo bem, eu já vou. Mas, Jack... — ela se aproximou e tocou em meu braço, dando-me um sorriso — Se precisar conversar, estarei disponível para você.
E assim ela saiu, me deixando sozinho com meus pensamentos. Não sei quanto tempo se passou em que permaneci ali, até que decidi visitar um certo doente.
A cabine usada pelos marujos para desacansarem, quando não estavam em seus turnos de trabalho, estava praticamente vazia, a não ser por uma figura que parecia dormir em uma das escassas camas.
Me aproximei o mais silenciosamente possível para não acordá-lo, mas minha presença não passou despercebida por ele, que logo abriu os olhos.
— Capitão! — cumprimentou arrumando sua postura de forma desajeitada e fazendo menção de se colocar de pé.
— Não precisa se levantar — interrompi seu movimento com um aceno de mão e puxando uma cadeira, me sentei perto da cama — Você está melhor, meu amigo?
— Estou ótimo! E também pronto para voltar às minhas tarefas! — ele se sentou rapidamente, mas com uma careta de dor, voltou a se deitar.
— Acho que terá que esperar mais um pouco para isso, meu caro — dei algumas batidinhas em seu ombro para confortá-lo.
Ele sorriu a contragosto e então, sua expressão foi tomada por tristeza e com um suspiro, abaixou a cabeça.
— Me desculpe, Jack, não consegui proteger a Flora e falhei com você...
— Ora, do que está falando? — exclamei fazendo-o olhar para mim — Você se saiu muito bem lá em Klyve, Bernard, e tenho certeza que a Flora também concorda com isso. Estou muito orgulhoso de você, marujo!
— Capitão... — seus olhos ficaram vermelhos, como se estivesse prestes a chorar, mas ele fungou algumas vezes e segurou as lágrimas — Muito obrigado, prometo dar o meu melhor para não quebrar sua confiança!
Como se para confirmar suas palavras, Bernard colocou uma mão sobre o peito, do mesmo lado do coração e foi inevitável sorrir diante de sua animação costumeira.
— Agora me tire uma dúvida... — inclinei o corpo para a frente e semicerrei os olhos — O que foi que fizeram com o seu rosto?
Instintivamente ele levou uma mão até a bochecha, onde uma pasta verde se estendia até seu olho roxo.
— Ah, isso? — seu rosto ficou vermelho — A garota que estava com a Flora fez uma mistura com algumas folhas e disse que isso faria os ferimentos sararem mais rápido. Acho que está funcionando, pois a dor está bem menor agora.
— Entendo... Talvez ela venha a ser útil no final das contas — dei de ombros, falando comigo mesmo.
— Achei muito estranho você ter deixado que ela ficasse conosco — comentou encarando meu rosto em busca de alguma resposta.
— Não era a minha intenção, mas a Flora pediu para deixá-la ficar, então eu... — parei de falar ao perceber que Bernard segurava o riso — O que foi? Falei algo engraçado?
— Ah, não, não é isso! — balançou a cabeça nervosamente — Eu só acho surpreendente como você pode ser bem acessível quando ela está presente.
— Não sei de onde tirou isso... — desviei o olhar, cruzando os braços à frente do corpo.
— Só você não vê — um sorriso cheio de insinuação brincava em seu rosto — Está sempre se preocupando com ela e colocando sua segurança em primeiro lugar. Até parece outra pessoa quando está com ela...
— Acho que bateram muito forte na sua cabeça, meu caro! — dei um leve tapa em sua testa e me levantei rapidamente — É melhor eu deixá-lo descansar, ou vai continuar dizendo mais asneiras.
Sem esperar mais, me afastei dali e subi em direção ao leme. Precisava focar minha mente em outra coisa, ou começaria a pensar em suas insinuações, ou pior ainda, concordar com elas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Flora Harper E O Navio Pirata - Amor Em Alto-Mar
RomanceSinopse: Flora Harper, uma garota cristã e gentil, vive em uma cidade portuária com o pai, dono de uma pequena e singela sapataria. Até que um dia, após a repentina morte de seu pai, ela se vê obrigada a se casar com um homem cruel a quem não ama e...