17: Não tem.

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Esther

Ele ponhe o remédio líquido no algodão e encosta na minha testa. Faço uma careta. Estamos do banco de trás do carro do meu irmão. Mordo meu sanduíche e bebo o milk checker pelo canudo. Sim, eu fiz o Ruan parar em uma lanchonete.

Ele não está nada feliz.

— Está bravo?

— Não. Um pouco. Talvez… — Bagunça os cabelos, sempre faz isso quando fica irritado.

— Eu que apanhei. E também ganhei uma boa grana. — Mastigo antes de falar. — Então, porque é você quem está assim?

Odeio quando seus olhos castanhas escuro me fulminam:
— Por que não revido? Só apanho?

— Eu tentei. — Minto.

— Não, não chego nem perto. E eu quase acreditei que ela era tão boa quanto você. Mas só preciso de um soco e o fim do segundo round. Estava manipulando a opinião das pessoas, para que pensem que não é tão forte e fiquem em dúvida nas próximas apostas.

Ele é bom, até demais. Percebeu sozinho, o que uma multidão leva um mês inteiro.

— Bingo. — Meus lábios formam uma linha reta, viro rosto comendo. — Quer um prêmio?

— Odeio quando fala comigo assim!

Ruan é como um grande ponto de interrogação para mim. O silêncio estranho que fica entre nós me incomoda ligeiramente. Ele pode ficar bravo o quanto quiser, não vai mudar nada.

Continua cuidando dos meus machucados, ponhe um curativo no meu ombro. Minhas costas estão doloridas, quebraram uma cadeira em mim, com a madeira podre e os preços soltos, mas pesada do mesmo jeito. Não queria que ele visse a pior parte.

Sussurro. Lango a comida no meu colo. Tiro as bandagens da luta. Minhas mãos estão vermelhas, com feridas, muitas. Me defendo com as mãos fechadas e bato também. Comparação estranha, pés de bailarinas.

— Me dá o algodão.

Ele aponto indignado para as minhas mãos:
— Que porra é essa?

— Ruan, por favor. — Encosto a cabeça no banco da frente.

Estou cansada. Exausta, tenho que dormir depois das 12:00 da noite, pelo menos. Tenho que trabalhar em um bico amanhã. Acho que tenho a mania de trabalho da minha mãe, afinal. Mas ainda estou pagando parcelado a última visita da minha irmã no pronto socorro. Foi uma gripe forte que me assunto.

— Tudo bem. — Mas seu tom não estava dos melhores. Pega as minhas mãos com cuidado e passo o algodão.

Fiz umas careta, arde. Depois enfaixa com um esparadrapo. Volto a comer, termino meu hambúrguer e antes que eu possa sair para jogar o copo descartável fora e embalagem na lixeira mais próxima Ruan seguro meu pulso.

— Onde você vai?

— Jogar o lixo fora. — Dou de ombros.

— Eu vou. Espera aqui.

Junto tudo no meu colo e sai pela outra porta. Fico olhando seu corpo se afastar, ainda tentando entender de onde que veio essa gentileza. É outra pessoa, abduziram o Ruan verdadeiro e colocaram uma réplica parecida no lugar. Só pode. Sem explicação para esse fenômeno.

Ele foi jogar meu lixo fora. E o pior é que, essa foi a coisa mais romântica que já fizeram por mim. Não deveria ter deixado.

O ruivo volta andando despreocupado. Olha para os lados. Fico imaginando o Ruan sendo assaltado, iria levar até as calças do assaltante só por piada. Ele tem uma arma, 2 se contar a entre as pernas, mas ele tem. Nada mais me surpreende.

Bate a porta quando entra no banco de trás ficando do meu lado. Queria ser uma estudante sem responsabilidades só para poder dormir com ele essa noite aqui no carro, ou só tirar um cochilo.

— Docinho, você… — me atiro nos braços. Envolvendo seu pescoço, deito a cabeça no seu ombro. — Você vai pra casa? Posso devolver o carro amanhã, ou…

Bocejo:
— Vamos sim.

— Vamos para onde? Ok, você está com sono. Vou te levar para casa.

Me agarro nele. Os olhos pesados de sono. Ruan tenta me afastar. Protesto. Onde eu vou dormir? Gosto dos seus braços. Será que ele é feito de cama? Não. Ninguém é feito de cama. O cansaço está mexendo com a minha cabeça.

— Não, não.

— Não, o que? Esther, colabore comigo.

No fim acho que ele teve que dirigir comigo dormindo em seus braços. Não tenho certeza. Só apaguei.

( … )

Acordo em um quarto que não é o meu. Em uma cama que não é a minha. Esfrego os olhos sonolenta. Um braço puxa minha cintura, viro o rosto tentando entender onde estou.

— Ruan? — Procuro o celular dele. — Que horas são?

Ele resmunga alguma coisa e me aperta mais entre seus braços. Continuo chamando seu nome com irritação.

— Ruan!

— Não foi assim que eu imaginei você chamando meu nome. — Enfim me solta.

Sento na cama procurando seu celular nos bolsos da calça. Puxo o aparelho, ligo e arregalo os olhos.

Eu estava atrasada.

— Droga! — Levanto as presas procurando minha bota preta coturno.

Me inclino no chão olhando embaixo da cama. Pego o calçado. Sento na ponta do colchão calçando com afobação.

— O que foi?

— Eu tenho que trabalhar.

— É sábado.

— Tenho 3 empregos. Esse é mais um bico de faxina. E perdi a hora. Nem era para eu estar aqui.

— Está brincando comigo? Você grudou em mim como um carrapato. Sabe o trabalho que eu tive? — Seu tom é pura indignação.

— Lamento. É que meu signo é gêmeos.

Suas sobrancelhas ruivas se unem. Logo expressão suaviza.

— Que horas você volta?

Ri comigo mesma. Puxo os cadarços:
— Segunda.

— Não sou prioridade na sua lista de prioridades, não é? — Viro o rosto para ele.

— Você tem 1 ano e alguns mês ou é uma alcoólatra viciada em trabalho? — Não quis ser rude. Meu tom é sério. — Você me queria, querido? Você me tem. E um punhado de outras coisas junto, a minha vida é uma bagunça na maior parte do tempo. Um dia você se acostuma.

Aperto os cadarços e amarro, dando um laço de qualquer jeito. Ruan afundo a cabeça no travesseiro praguejando lamúrias sobre como eu era insensível.

Levanto a cabeça, o rosto franzido:
— Você não tem coração.

Estalo a língua no céu da boca. Pulando do colchão.

— Há, eu tenho. Dois, o meu e o seu! — Pisco um olho, com um sorriso convencido.

***

PS: Gente, esse mês no período escolar eu trabalho o dia todo. Então vou postar capítulos mais nos finais de semana.

Garotos cruéis! - Livro 02Onde histórias criam vida. Descubra agora