20: O favor.

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Ruan

É frágil e pequena, parece uma bolinha. Sua irmã dorme na cama do pronto socorro, sua mãe está olhando atentamente para a pequena, como se o menor movimento fosse arriscado, mas os olhos pesados de sono. Tem travesseiros ao redor dela.

Esther solta a respiração. Ela ainda segura os saltos na mão e usa a minha camisa, que graças a Deus vai até o seu joelho, e olha que eu nem sou dos mais religiosos. Sua mãe está quase dormindo na cadeira. A garota ao meu lado vai até ela e apoia a cabeça dela na sua barriga. Observo do batente da porta me perguntando se posso entrar. Me aproximo, dois passos.

— Você me pergunto por que eu luto, lembra? — Ela sussurro. — É por elas, são tudo o que eu tenho.

Fiz que sim com a cabeça. Me sento envergonhado, na época eu chutaria um motivo fútil. Mas ela não é do tipo mimada. Conhecer melhor o outro lado da história muda tudo, os motivos, as escolhas.

[ … ]

A semana de provas passo se arrastando. Como se não tivesse fim. Me aproximo da garota na mesa da recepção da biblioteca como sempre, ser a coisa mais irritante da sua vida é meu passa-tempo preferido.

Ponho a prova em cima da mesa com um bela nota azul, o 8 se destaca por um círculo. Ela ponho outro papel por cima, outra prova com um 9. Reviro os olhos. Seus olhos puxados e profundos, me encaram. Seu sorriso se alarga quando vê a minha expressão.

— Como é ser o número 2?

— É ótimo. Me sinto um lixo, fora isso tudo normal! — Ela ri tentando disfarçar. Logo muda para uma cara séria, como se tivesse lembrado que não temos esse tipo de relação amigável.

— Uma pena. Acho que nunca vou entender como você se sente.

Fico olhando ela organizar os livros.

— Sabe aquele favor? — Falo de repente.

Seu cabelo é liso, às vezes parece ondulado. Ela joga por cima do ombro, fica extremamente bonita com ele solto. A garota não desvia a atenção do caderno. Ela murmura um “hum-rum”.

— Preciso dele hoje a noite.

— Hoje? — Ganho um pouco da sua atenção, digo, indignação.

— As 8:00.

— Minha mãe vai sair hoje também, com o novo namorado. Não tenho dinheiro a mais para a cuidadora. — Ela parece pensar sobre o assunto.

— Tudo bem, eu pago, preciso muito de você lá. — É perfeita para o papel.

Seu sorriso é maldoso:
— Ok. Eu dirijo.

Nem de graça, foi o meu único pensamento.

( … )

Não é o tipo de evento que eu goste. Não, sem chance. Uma “pequena” comemoração de família. Uma coisa realmente desagradável. Tanto que levar alguém tão desagradável quanto pode ser um alívio cômico. Mas nem em sonho eu diria que a Esther é uma piada, nunca. Longe disso. Ser chata e ranzinza é bem a cara dela, falar o que pensa também.

Toco sua campanha na hora marcada. Comprei um vestido e trouxe para ela, avisei antes. A porta é aberta por uma garota de toalha. É difícil respirar. Nada me preparo para aquela visão. Abro a boca e nada sai.

— Entra logo!

Faço que sim como um bobo, balanço a cabeça freneticamente. Ela me puxo para dentro, bate a porta, e continua me puxando pelo corredor. Na sala uma mulher brinca com a sua irmã, uma que não é a sua mãe. Ando no seu encalço, segurando a sacola de papel. A garota usa uma das mãos para segurar a toalha enquanto anda em direção ao quarto apressada.

Estamos atrasados, isso não é importante. Quanto menos tempo lá melhor. A casa da minha mãe só é realmente boa quando só tem ela.

Para na primeira porta a direita.

— Aqui. — Entrego a roupa.

Sua bochechas estão vermelhas, mas sua expressão é de raiva. Está de cara limpa, sem maquiagem escura, é estranho vê-la assim. Sua mão pega a sacola de mim. Ela entra para se vestir, fechando a porta.

Espero ansioso.

Cruzo os braços. Bato o pé na cerâmica do piso, as paredes são roxas puxado para um tom de cinza. É uma casa pequena, olhando de dentro, a sala e cozinha são separadas por uma meia parede ou coisa assim. Eu diria que o banheiro é no fim do corredor.

O rangido da porta anúncio uma visão inesperada. A garota segurando os próprios peitos, para mantêr a partir de cima do vestido no lugar. Preto é a sua cor, nada combina tão bem. Sexy e sombria ao mesmo tempo, uma mistura perigosa para o meu coração.

O cetim cai como uma luva, deixando seus quadris marcados. Me demoro na fenda na parte lateral da sua coxa, onde eu poderia facilmente enviar as mãos.

A gótica estalo os dedos na frente do meu rosto:
— Ruan, vem me ajudar, a gente tá atrasado!

— O que você quiser.

Volta para dentro. Vou atrás, fica virada de costas. Arregalo os olhos em surpresa.

Caralho! — Tem uma tatuagem de dois dragões chineses entrelaçados nas suas costas, um preto e outro vermelho. É enorme, do seu ombro até metade das costas.

— O que foi? — Vira apenas o rosto, confusa. — Vem logo, amarra as tiras do pescoço e da cintura.

Fico atrás das suas costas. Pego as tiras no seu pescoço e amarro primeiro fazendo um laço:
— Você tem uma tatuagem enorme!

— É… — Sua voz vacilo.  — Fiz com 15 anos para poder entrar no clube de luta.

Pisco. Confuso. O espelho ao lado me mostra sua expressão. Está conformada. Ela vive como se estivesse segurando o peso do mundo nos ombros, de repente me pego incomodado. Puxo as tiras da sua cintura.

— Aperta mais. — Manda.

Puxo mais as tiras, dou um nó, faço um laço com coitado. As tiras são lisas, o cetim escorrega. Aproximo o rosto do seu ouvido.

— Está mostrando muito, não saia de perto de mim. — Aviso.

Ela se vira. Ignorando minhas palavras:
— Parece que estou sem sutiã?

— Não.

A garota abre um sorriso. Se move pelo quarto. No canto tem um tripé, com telas viradas, tintas e pincéis no chão. Pega um batom em cima da cômoda. Ela passa o batom usando o espelho para se ver. Se inclina empinando a bunda, a ideia de sair começa a se tornar uma péssima ideia. Ficar parece mais produtivo.

— Me ajuda a passar o rímel. — Vem na minha direção com um treco que abre girando e tem pelinhos na ponta.

Me entrega e fecha os olhos, antes que eu possa dizer que não sei usar. Já vi minha mãe se maquiando, não sei se conta. A Esther não usa quase nada comparado a ela. Seguro seu queixo apertando seu pescoço, passo nos seus cílios rezando para não fazer errado, com coitado. Faço no outro também.

Ela pisca se afastando. Puxo pela nuca de volta para mim, beijando sua boca. Já estava ficando maluco. Sorri entre o beijo quando ela puxa o colarinho da minha blusa social. O terno todo preto para combinar com o seu vestido.

— Não sei lidar com você assim! — Resmungo. Esther se afasta. Se vira sem graça. Ela fica muito linda com vergonha. A garota abre algumas gavetas e procura alguma coisa.

— Assim como?

“Como se não fosse apenas a minha cidade, mas o meu mundo todo”. Era o que eu queria dizer, mas não podia admitir.

— Esqueci, não era nada.

Garotos cruéis! - Livro 02Onde histórias criam vida. Descubra agora