10: Só tem uma cadeira.

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Ruan

A faculdade teve a brilhante ideia de criar um grupo de apoio para “pessoas com problemas de raiva”. Foi indicado sem motivos, por isso trouxe o Vincenty junto. Sábado à tarde, não tem coisa melhor. Ele veio reclamando o caminho todo.

Estaciono na primeira vaga que aparece. Outro carro buzina atrás. Buzino de volta. Sai batendo a porta estressado. A garota me olha por cima dos óculos escuros, o braço encostado na janela do carro preto.

Abro um sorriso.

— Essa vaga é minha!

— Não estou vendo seu nome, docinho. Quer que eu escreva?

Me mostra a língua e o dedo do meio. Fico surpreso quando percebo que tem um piercing no meio da sua língua. O Vincenty passa por mim indo na frente.

— Você tem um piercing? — Me aproximo sem perceber.

— Tenho. É melhor procurar outra vaga. — Resmunga.

— E esse carro? Não sabia que você tinha carro.

— Meu irmão me emprestou. Chega de perguntas, tenho que achar outra vaga. — Pisa no acelerador dando ré.

Sorri de canto. Fico esperando ela na porta da sala, apenas para ver sua cara brava e implicar mais um pouco. Encaro meu tênis de marca, deve ser o quinto que a minha mãe me mando essa semana.

Se passa um tempo. Olho pelo corredor da Universidade a todo momento, vejo as horas. Ela aparece no final do corredor com uma expressão de paisagem diferente de como achei que estaria.

Me coloco na sua frente. A garota para revirando os olhos.

— Então quer dizer que você tem problemas de raiva?

— Você também tem idiota!

Nego, não era assim. Sou a pessoa mais calma que eu conheço. Ela passa por mim abrindo a porta atrás de nós. Sigo no seu pé. Vários pares de olhos se viram para nós.

Só tem uma cadeira, só uma.

Nos entreolhamos. Empurro ela de lado, corro a passos largos. Esther pula nas minhas costas, caímos os dois juntos no chão. Resmungo. Ela passa por cima de mim, me ultrapassando.

Puxo sua panturrilha com tudo. A garota cai. Me levanto apressado passando por ela. Mas Esther se agarra na minha perna, então sai arrastando ela enquanto ando até o acento.

O professor que deve a má sorte de vir hoje está com a boca aberta faz um tempo.

Sento na cadeia primeiro. Ela grita irritada batendo as mãos fechadas no piso:
— Docinho, levanta, está passando vergonha.

Todos nos encaram como se estivéssemos no lugar certo.

A garota me lança um olhar que promete morte. Sorri de canto outra vez. Estende os braços ajudando ela a levantar. Esther me xingo baixo, sacode a saia e arruma o cabelo.

— Ruan, você trapaceou!

— Eu sei.

— Onde eu vou sentar?

Bato no meu colo:
— Senta aqui!

Cruza os braços. Todas as salas estão trancadas, então só tem as cadeiras que estão aqui na sala de teatro. Para minha surpresa ela senta. Virada para o lado. Abraço sua cintura cobrindo com as mãos o que a peça pequena não cobre, sua saia parece mais curta quando ela fica sentada.

O professor que veio debater picarera tossindo:
— Então, continuando, a ruiva é uma emoção negativa que só trás coisas ruins. Hoje temos um novo membro no grupo, você gostaria de se apresentar e falar como foi seu último surto de raiva?

O loiro de farmácia nega:
— Não, mas o Ruan vai me bater. É, o meu nome é Vincenty.

— Oi, Vincenty. Aqui é um espaço seguro, você pode se abrir! — Todos do círculo falam juntos. Já estão ensaiados.

Alguns me olham como se eu não tivesse coragem para admitir que sou uma pessoa violenta. E o Vincenty não ajudo muito, todo o tempo que eu vinha negando. É a primeira vez que vejo a Esther aqui.

Apoio a cabeça em cima da dela. O loiro olha em volta.

— Quebrei algumas tábuas de madeira.

— Com as mãos? — Pergunto o professor curioso.

— Não, com a cabeça de uns caras.

Silêncio. Prendo o riso. Isso é exatamente o que achei que ele diria. O Vincenty é como um monte de músculos, um rostinho bonito e nada na cabeça. O garoto não esconde nada, ele responde com sinceridade. Por isso é meio burro.

Tosse de novo. Quebrando a tensão.

— Próximo. Que tal você, Kiara?

A garota quieta tiro o fone de ouvido resmungando:
— Tô bem. Eu tô super bem. Não briguei com ninguém hoje.

— Professor, eu tenho algo para admitir! — Uma garota de óculos levanto a mão.

— Ótimo, é bom quando vocês tem a iniciativa. Pode falar.

— Bati o carro no de um estranho, ele perdeu a memória e agora acha que sou a namorada dele. Até tentei me redimir no começou. Mas dei um soco no otário quando ele tentou me beijar. Humilhei, ameacei, e até sumi por uma semana. Mas ele nunca foi embora. E está segurando minha mão agora! — Levanta o braço que estão de mãos dadas. O garoto é gigante, tem porte de atleta. — Como eu não tenho um surto de raiva?

— Respira. Conta até 10 comigo… 1, 2… enquanto isso vai pensando em uma terapia de casal ou coisa do tipo.

— NÃO SOMOS UM CASAL! — Explode. A garota tira os óculos e começa a chorar.

Deve ser difícil. O cara ainda acaricia sua cabeça. Ele está passando por um momento delicado. Passar por tudo sozinho com uma garota ingrata que não reconhece o seu valor.

Mas para falar a verdade não paro de pensar no piercing da garota no meu colo. Ela está quieta. Quero beijá-la na frente de todo mundo, sentir o metal da sua língua e o gosto da sua boca.

— Porra, porque a sua saia é tão curta? — Tento abaixar o tecido. As pessoas não param de olhar.

Falamos aos sussurros entre nós.

— Deixa a minha roupa em paz! — Bate na minha mão.

— Essa sua roupa não tampa quase nada.

— Tampa o que importa. Você não é meu namorado, então fica na sua.

Faço careta. Apoio as mãos abertas nas suas coxas cobrindo a pele. Daqui a pouco vão ver a calcinha dela, e eu vou arrancar os olhos de alguém.

— Preciso ser seu namorado para me importar?

— Precisa. — Responde seca.

Fico sem argumentos.

Garotos cruéis! - Livro 02Onde histórias criam vida. Descubra agora