Traumas

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-Eu acho que deveríamos nos casar, pimentinha - Zhou Wei disse, enquanto regava o jardim.

Huang quase engasgou com a fruta que comia, enquanto olhava para o homem.

- Para de ser idiota - Jun disse e revirou os olhos.

Ele não queria demonstrar, mas a ideia de casar o assustava. Ele guardava um segredo grandioso de seu amado, e casar com ele sem revelar isso lhe faria perder muitas horas de sono todas as noites. Ele não poderia dar um passo tão grande assim, mas Zhou continuou falando.

- Claro que não podemos casar oficialmente, mas podemos fazer uma cerimônia simbólica.

Jun estremeceu e negou com a cabeça. Suas veias pulsavam e sua mente parecia querer explodir, só de lembrar do mundo que abandonou, dos pais doentes que deixou, da padaria que não cuidou e do melhor amigo, que agora não era mais seu amigo.

Ele levantou-se, segurando na extremidade da mesa. Sua cabeça estava confusa, seus olhos não conseguiam focar e sua visão embaçada não o ajudava a andar. Ele caiu imediatamente, no colo de alguém que não conseguiu distinguir quem era, mas sabia que não era o seu amado.

Ele ouviu uma voz aveludada em seu ouvido, dizendo que tudo ia ficar bem, enquanto ouvia o seu noivo gritar seu nome. Parecia estar tão longe, nem percebeu que estavam se movimentando.

-Eu... eu não gosto de você -Jun sussurrou, sabia que estava no colo de Ming.

-Eu sei... infelizmente eu sei - Ming respondeu, suspirando e recordando dos velhos tempos.

Eles eram amigos inseparáveis desde a infância. Jun foi a única pessoa que o tocou sem machucá-lo, sem ter intenções ruins. Ele é gentil e cuidadoso, apesar de fingir ser durão. Ming sentia-se muito mal por fazer algo assim com o rapaz que o ajudou a sobreviver a vida inteira, mas ele sabia que seria necessário.

-Não olhe para ele, vai se sentir ainda mais culpado - Yang disse, encarando o parceiro.

O homem de olhos verdes ergueu o olhar e xingou.

-Não diga o que eu devo ou não fazer - Exclamou e chutou a perna do amado.

Yang resmungou de dor e calou a boca. Seu parceiro estava mentalmente instável esses dias, parecia mais emocional e frágil do que antes. Se perguntava o que havia acontecido para que ele agisse dessa forma.

-Lembra de quando eu te beijei pela primeira vez? Quando estávamos bêbados - Yang exclamou, queria relembrar memórias passadas enquanto a carruagem os levava até o destino.

Ming sorriu e lembrou que Yang parecia tão hipnotizado por ele naquela noite, que ele sentiu-se tímido e se escondeu no banheiro. Falhou miseravelmente, pois o outro o seguiu e segurou suas bochechas, beijando os seus lábios ao mesmo tempo.

-Você não foi nada delicado, me deixou muito nervoso naquela noite.

O homem de cabelos cinzentos sorriu e sentiu suas bochechas corarem. Não era sua intenção assustar o homem; ele apenas se sentia tão apaixonado pelo outro que não conseguiu mais segurar o desejo de tê-lo em suas mãos. Ele lembrou do momento em que Ming apertou seu ombro, pedindo para que parasse.

("- Eu ainda não estou preparado para isso... tudo que eu passei, as pessoas com quem me envolvi... foi tudo tão difícil - Ming dizia, estava tão acelerado que suas palavras não conseguiam ser compreendidas totalmente por Yang, mas ele continuava ouvindo.

- Eu não sou como as outras pessoas que você conheceu. Eu gosto de você, meus sentimentos são sinceros. Você sabe que eu não gosto de mentir - Yang disse, enquanto beijava o pescoço do homem, deixando marcas avermelhadas no local.

- Eu não mereço ser amado, nunca mereci... ainda mais por você - Ming sussurou, lembrando do rosto de sua mãe, gritando que ele é um erro e nunca seria amado por ninguém.

Lágrimas que foram contidas ao longo dos anos começaram a cair, e ele deixou o homem mais alto segurá-lo em seus braços, consolando sua alma amaldiçoada por sua mãe. Aquela mulher nunca amou seu filho; pelo contrário, todas as noites, quando ela chegava bêbada em casa, ela o batia até não conseguir mais ouvir seus soluços de agonia, até achar que ele estava morto.

A única pessoa que devia tê-lo amado não o amou, então por que outra pessoa faria isso? Ming cresceu imaginando que nunca teria amigos ou alguém para dividir suas angústias e alegrias, mas na escola ele fingia estar feliz e tentava se aproximar de todos, inclusive de Huang, que era um garoto meio solitário e misterioso, mas parecia ter um bom coração.

Só bastou uma conversa para que a relação deles crescesse ao ponto de estudarem na mesma faculdade e no mesmo curso. Os dois começaram a fazer medicina, mas desistiram por motivos diferentes. Ming sentia-se amado ao lado do homem. Jun nunca o julgava e sempre deixava um colchão extra em sua casa para que ele pudesse dormir quando sua mãe o expulsasse.

Ele sempre foi gentil. Sempre.

Yang continuava beijando o pescoço do homem, fazendo o rapaz arfar e agarrar os ombros largos do homem que tanto desejava.

- Eu nunca fiz isso por vontade própria... - Ming disse, enrubescido. Suas orelhas estavam vermelhas.

- O que está querendo dizer com "vontade própria"? - Yang parou de beijar a sua nuca e o olhou.

- Já fizeram isso comigo... mas nunca porque eu queria - ele sussurou, deixando algumas lágrimas teimosas caírem.

Liu Yang sentiu vontade de matar todos que encostaram no seu homem. Queria acabar com a vida daqueles que fizeram aquele ser humano tão frágil sofrer. Sentiu-se inútil por não poder fazer nada, por não estar lá para ajudá-lo, por não tê-lo conhecido antes. Ele se sentia inútil por tudo.

- Perdoe a minha ignorância, eu não sabia - ele sussurrou e se afastou de Ming, caminhando até a porta do banheiro. Queria sair dali o mais rápido possível, precisava respirar, precisava se controlar.

- Eu vou estar pronto, e vou te dizer quando esse dia chegar - Ming disse, antes do homem sair pela porta.

Ele olhou para o rapaz de olhos verdes e deu o seu melhor sorriso ao perceber o pescoço cheio de marcas do homem. "Ele confia em mim" era o que ele pensava naquele momento, e pela primeira vez na vida, se sentiu importante para alguém além de sua mãe e Zhou Wei.")

☆☆☆
As aspas e os parênteses indicam o começo e o final de um momento de flashback. Flashbacks são memórias repentinas, involuntárias e vívidas de experiências pessoais passadas.

The Great WarOnde histórias criam vida. Descubra agora