infância

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- Eu não acredito nisso - Ming diz isso tantas vezes que eu já parei de prestar atenção. Ele está com as mãos na cabeça, demonstrando total impaciência.

Eu reviro os olhos e seguro a mão de Zhou. Ele também não parece muito feliz, mas não me rejeita. Pelo contrário, ele aperta a minha mão e beija a minha bochecha. Uma atitude tão fofa que eu tenho certeza que estou corado.

- Que legal, vocês estão flertando e eu estou surtando sozinho - ele diz e revira os olhos.

- Não precisa surtar, vamos dar um jeito de voltar para aquela realidade - eu digo, tentando soar o mais calmo possível.

Ele nem encara meus olhos, suas mãos estão tremendo e eu sei que é um ataque de pânico. Ele começou a ter isso no ensino médio. Normalmente eu era o único que percebia, mas acho que Zhou percebeu isso também, pois ele sentou ao lado do homem baixo e começou a conversar.

- Se acalme, eu vou dar um jeito de voltar para "a minha realidade" - Ele faz as aspas com a mão, ainda acreditando que isso é apenas uma brincadeira ou feitiço.

Ming usa as mãos para cobrir o próprio rosto e ouço seu choro. Ele faz de tudo para esconder, mas não consegue enganar suas próprias emoções. Ele começa a soluçar e eu o abraço, acariciando a sua cabeça com a minha mão direita.

- Lembra de quando estávamos no primeiro ano do ensino médio e você teve um ataque de pânico no primeiro dia de aula? - Eu digo, tentando puxar assunto.

Ele sorri, mas continua com a cabeça abaixada.

- Começaram a me chamar de bebê chorão depois daquilo. Eu não sei como consegui continuar estudando lá - Ele diz, suas palavras são sussurradas.

- Você continuou porque o seu melhor amigo te ajudou com tudo. Ele é um homem e tanto - eu digo e sorrio, me gabando de ter denunciado os valentões na época.

O homem de olhos verdes solta uma gargalhada trêmula. Ele está parando de chorar, está se distraindo. Wei observa nossa conversa e parece entender o que estou fazendo. Ele sorri para mim, como se dissesse "você é ótimo nisso". Por um momento, lembro que sonhei em ser psicólogo antes de começar a faculdade de medicina.

Meus devaneios são interrompidos abruptamente quando ouço Zhou Wei dizer:

- Vamos procurar os seus pais então. Onde você mora? - Ele me olha, seus olhos cintilantes quase me fazem beijá-lo ali mesmo.

- Do outro lado do mundo, na Europa - eu digo. Ele não parece entender muito bem, mas percebe que é muito longe para ir a pé.

Ming segura as minhas mãos com força e começa a desabafar, sou pego de surpresa com o seu calor e vulnerabilidade do nada.

- Você viu a casa onde meu pai mora? Por que não me trouxe para morar com ele? Sabendo que minha mãe não ia conseguir me sustentar, sem contar os vícios que ela tem - Ele diz, suas mãos trêmulas me deixam nostálgico.

Eu lembro da época em que Ming chorava todas as vezes que tinha que ir para casa. Sua mãe bebia todas as garrafas de cerveja que comprava e jogava em seu corpo. Ela jogou tantas garrafas de vidro em suas costas que ele carrega marcas permanentes do acontecido até hoje.

Eu costumava chamá-lo para dormir em casa sempre, e meus pais sempre deixavam, pois conheciam muito bem a mãe dele. A mulher se desestabilizou totalmente depois do divórcio. Bom, eu acho que ser traída acabou com todo o ego que ainda restava nela.

- Não se preocupe, nós vamos voltar para a realidade de Zhou Wei e nunca mais vamos voltar, pode ser? - Eu digo. Preciso ver meus pais antes disso, mas não pretendo voltar para esse mundo. Eu não tenho nada aqui.

The Great WarOnde histórias criam vida. Descubra agora