38 - Parte 02

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Sinto muito gente .... 🥺




Larissa

Eu não estava ouvindo. Meus ouvidos estavam tomados por um zumbido estranho e incômodo. Minha boca estava incrivelmente seca, minhas mãos tremiam. Minha garganta parecia se fechar aos poucos, como se a onda de pânico que me atingisse não desse sinais de trégua: Era aquilo. Um nervosismo crescente, paredes se fechando ao meu redor e nada que pudesse ser feito para empurrá-las de volta.

- Eu preciso voltar... - Consegui falar enquanto não olhava para lugar nenhum em particular. Me desvencilhei das mãos do homem e caminhei novamente para a porta, completamente perdida, completamente em choque, quase não notando que ele próprio formava um obstáculo bastante difícil de ser passado. O homem era muito forte, e conseguia lidar facilmente comigo naquele estado.

- Senhora...

- Eu tenho que voltar... - Continuei, ignorando a força contrária aos meus passos. Era possível que eu sequer estivesse me mexendo, mas minha decisão cega e minha vontade de ir eram o suficiente.

- A senhora não pode voltar.

- Me larga... - Minha voz começou a adquirir um novo tom. O tom da impaciência, cobrindo até mesmo meu próprio desespero.

- Não posso. Não vou soltá-la. A senhora atrapalharia...

- EU TENHO QUE VOLTAR! - Explodi, e o sangue quente pareceu voltar a correr nas minhas veias, me tirando do estado quase letárgico em que o pânico havia me colocado .

- EU PROMETI A ELA QUE ESTARIA LÁ! EU PROMETI A ELA! EU TENHO QUE ESTAR DO LADO DELA! EU FALEI QUE ESTARIA!

- A senhora só vai atrapalhar lá dentro! - O homem respondeu, não no mesmo tom, mas se forçando a falar mais alto e com maior autoridade - Precisamos salvá-la! Deixe que os médicos trabalhem!

Tentei afastar suas mãos outra vez, mas por mais desesperado que eu estivesse, não seria o suficiente para passar pelo homem. "Você não entende! Você não entende!", eu repetia, rezando para que ele subitamente entendesse sem que eu precisasse explicar. Sem que eu precisasse dizer, e lembrar, que já havia a decepcionado uma vez. Que já havia faltado com a minha palavra antes, e que não cumprir a promessa de estar ao lado dela a havia feito sofrer no passado.

Eu precisava estar ao lado dela. Porque eu devia isso a ela muito mais do que o normal. E porque eu disse que estaria lá. E não estava.

E aquele homem não entendia a dimensão do meu desespero.

- Se a senhora não se acalmar, terá que esperar no corredor de fora!

Sacudi suas mãos para longe outra vez e dei meia volta, indo para o outro lado do corredor. Eu não podia fazer nada para voltar, mas se aquela era a menor distância que eu teria da minha mulher, eu aceitaria.

Sentei no chão, ao lado da porta da sala onde minhas roupas originais ainda estavam, encostada na parede e, sem saber o que fazer, abaixando a cabeça. Talvez daquela forma, encolhido a um canto, fosse mais fácil lidar com a dor e com o pânico. Talvez eu pudesse ao menos respirar.

Não a tire de mim.

Eu não era tão religiosa, mas sabia que a vida dela pertencia a algo maior. E fosse o que fosse esse "algo", eu imploraria para que Ele permitisse que ela ficasse comigo. Porque eu não podia perdê-la. Eu não estava pronta sequer para começar a pensar nisso. Nossas vidas haviam se entrelaçado há muito pouco tempo, e perdê-la não era justo.

Não era justo.

Por favor, não a tire de mim.

Ouvi passos apressados entrando pela porta que dava para o corredor externo e me virei. Eram mais dois médicos, vestidos exatamente como o Dr. Lewis, e sem sequer reparar na minha presença ali, no chão, ou do homem ao meu lado, de pé, eles seguiram correndo para dentro da sala de parto.

O silêncio deu algumas toneladas extras ao ar naquele ambiente. A tonalidade verde-bebê me enjoava. O cheiro de produtos farmacêuticos misturados com ar-condicionado provocava uma sensação horrível. Era como esperar pela morte. Era como esperar para sempre.

Não a tire de mim.

Meus lábios se moveram dessa vez. As palavras tomavam forma a medida que o meu desespero aumentava. Eu não podia perdê-la. Eu não podia sequer cogitar essa possibilidade. Ela era importante demais. Era necessária. Como infernos eu viveria sem ela, Como infernos eu tomaria conta da nossa filha sozinha? Eu não tinha essa competência, não tinha essa segurança.

Eu precisava dela, em todos os sentidos. Precisava dela como mãe, como amante, como amiga. Era necessário que ela saísse daquela sala viva. Bem. Saudável.

Por favor, por favor...

Mais passos apressados entraram pela mesma porta, seguindo o mesmo caminho dos passos anteriores. Dessa vez, não me virei. Continuei com a cabeça baixa, minhas mãos atrás do pescoço puxando com violência os fios ali. Todos aqueles profissionais estavam correndo contra o tempo para salvarem Ohana. Todos eles sabiam da urgência. Ou parte dela.

Lágrimas escorreram simultaneamente pelo meu rosto, uma de cada olho. Não me importei. Sabia que eram raros os momentos que me deixavam daquela forma, mas se simples medo não era o suficiente para me fazer chorar, pânico era. Um desespero tão esmagador e dominante que temi não conseguir voltar à superfície da minha própria fé, temi não conseguir respirar outra vez.

Por favor... - Balbuciei - Por tudo quanto é mais sagrado. Não a tire de mim...

Fechei os olhos e me deixei ser engolida pelo medo, mas sem nunca deixar de repetir aquelas mesmas palavras, em voz baixa, quase como uma oração.

Não a tire de mim... Eu não posso perdê-la...

Aquilo era repetido como mantra. Meus lábios já trabalhavam automaticamente, cuspindo devagar meu desespero. Minhas preces. Não sabia se havia alguém perto de mim. Não sabia quanto tempo havia se passado. Não sabia se estava frio ou quente. Em certo ponto, eu não sabia sequer onde estava. Mas sabia que não deixaria de pedir e implorar para que Ohana ficasse bem até que alguém me informasse que não era mais necessário. De uma forma ou de outra.

Por favor... Por favor...

Não a tire de mim.

Eu PRECISO dela.

- Larissa...

Antes mesmo de conseguir associar aquela voz à figura do Dr. Lewis, eu já estava de pé, mas não sem dificuldades. Eu tremia tanto que meus joelhos pareciam a ponto de ceder, me fazendo cair de volta no chão. Me apoiei na parede atrás de mim com o intuito de permanecer de pé, tentando não me desesperar enquanto o encarava.

- Ela vai ficar bem, não vai? - Perguntei de maneira automática, desesperada por uma confirmação. Era óbvio que ela ficaria bem. Não havia outra opção. E se a resposta fosse diferente disso, tudo não passaria de uma brincadeira de muito mau gosto - Vocês conseguiram... Não é...?

Ele suspirou audivelmente e depositou uma das mãos no meu ombro, e aquilo se arrastou por uma eternidade. Sua expressão era neutra: eu sequer podia conjecturar sobre sua resposta. Mas não importava. Eu ainda estava ocupada demais, rezando silenciosamente. Ele só precisava confirmar o que eu tinha que ouvir. Ele PRECISAVA confirmar.


Continua...

My Dear Whore - OhanittaOnde histórias criam vida. Descubra agora