Estrasburgo, França. Junho de 1942
Quarenta dias depois da fuga
Era um dos raros celeiros em que eles conseguiam se esconder, por sorte havia apenas uma vaca escondida, a qual Naruto pensou mil vezes em tirar um pouco de leite para tomarem, visto que nos últimos dias eles só haviam comido biscoitos velhos, mas era arriscar demais, correr o risco de alguém perceber que eles estavam escondidos em meio ao feno.
Sakura andava abatida e pálida, e o cigano se perguntava se ela estava ficando doente de novo, seu coração batia mais forte ao pensar nisso, se ela estivesse doente ele não saberia o que fazer.
A França estava tomada por nazistas, em todas as esquinas havia soldados alemães, prontos para capturar os judeus e mandá-los para os campos de concentração, e claro qualquer médico, com o mínimo de juízo entregaria os três, pois por mais que os franceses fossem contra os nazistas em seu país, eles não queriam problemas, não queriam a Gestapo em suas portas vasculhando suas casas e ameaçando suas famílias.
Suspirou cansado, antes de abrir uma pequena toalha a qual eles usavam para comer e distribuir os biscoitos que ainda restavam .
– Amanhã irei percorrer os campos logo pela manhã, vou tentar achar qualquer coisa pra comer, talvez roubar uma galinha ou caçar algum coelho. – Ele informou a elas, Chiyo logo se preparou para dormir. Visivelmente elas haviam perdido peso, suas roupas estavam cada dia mais surradas, visto que com a fuga de Berlim, tiveram que abandonar as poucas bagagens que trouxeram. – fiquem prontas para partirmos amanhã. – Ambas afirmaram com a cabeça.
– Para onde vamos agora? – Sakura perguntou apreensiva.
– Para a Paris, acho que em dois dias chegamos na capital, onde Obito nos espera. – ele informa. – De lá vamos para a Inglaterra. – Sakura engoliu em seco, seu olhar cada dia mais triste.
Ela gostaria muito de saber onde Sasuke estava, se estava bem, se estava vivo. Na verdade, nos últimos dias ela tem pensado nele o dia todo, se perguntava como eles estariam se ele estivesse ali. A saudade que sentia dele doía em seu peito, mas a dor maior era a de não ter certeza se o veria de novo, se poderia sentir seu toque carinhoso e seus olhos negros intimidadores. Sentia vontade de chorar, pois no fundo tinha certeza de que não o veria nunca mais. Mas nessa manhã sentiu como se houvesse um fio de esperança de vê-lo novamente, algo que vinha de dentro, que parecia lhe dar esperanças…
Cada um se ajeitou como pode, agradecendo o lugar onde estavam, afinal o feno aquecia muito mais do que o relento, ou até mesmo uma casa vazia e abandonada. Fechou seus olhos e rezou a Deus para que Sasuke estivesse bem.A manhã iluminou o celeiro pouco a pouco, ela viu quando Naruto saiu de fininho, para poder caçar, como ele havia dito, se manteve deitada, o teto do celeiro de madeira velha, cheio de cupins, ela se perguntava se um dia teria uma casa outra vez, se conseguiria ter um jardim bonito, quartos, uma cama, que fosse sua, fazer um café da manhã para si e sua família.
Família…
Pensou em seus pais e seu irmão, sua tia e sua avó, todos mortos, ela não tinha mais família, será que toda essa fuga valia a pena? Será que não era melhor se entregar? Se ela tivesse sido realmente uma boa garota, teria a chance de ir para o céu, rever seus familiares, e pelo cansaço, ela sentia que era melhor revê-los, estar com eles. Do que fugir, e pior, correr o risco de voltar para Dachau.
Sua boca começou a salivar, e a ânsia veio com força, e diferente de todas as outras manhãs, ela não conseguiu segurar o vômito, só teve tempo de levantar para não sujar a única roupa que tinha, colocando para fora as poucas coisas que comeu no dia anterior, sujando o feno e acordando Chiyo
— Sakura!? — Ela sussurrou assustada.
A velha procurou por um lenço e entregou a ela, para limpar a boca, enquanto segurava os cabelos de Sakura. Seu olhar estava preocupado, mas seu pensamento voltou no tempo, nos dias em que estava em casa, em Berlim, enquanto a garota queimava de febre e com pneumonia.
— Eu estou bem, Frau Chiyo, eu devo…
— Ter comido algo estragado? Como Sakura, estamos comendo biscoitos a dias?
— Frau Chiyo, talvez seja fraqueza, me deixem para trás, você e o Naruto, vocês terão mais chance.
— Sakura, ninguém fica para trás, nós vamos dar um jeito. Naruto vai voltar com carne e eu tenho certeza de que você vai se sentir melhor quando comer uma refeição decente. — ela balançou a cabeça, sentindo uma angústia ainda maior.
— Vovó Chiyo — a voz sussurrada de Naruto tirou a atenção das duas, com um pouco de força ele abriu a porta do celeiro, e entrou com uma lebre morta entre os dedos. — Voltei — Ele sorriu.
— Viu, eu disse que ele ia conseguir. — Saiu do meio do feno se aproximando dele, observando sua caça, a qual ele erguia com orgulho. — Vamos sair daqui, na floresta podemos assar essa lebre, numa fogueira.
— Vamos rápido, antes que os moradores da casa nos vejam… — Naruto sussurrou, olhou para os lados para pensar na melhor saída. Notou que Sakura estava pálida, e seu sorriso forçado nos lábios esbranquiçados o deixou um pouco assustado. — Sakura, você está bem?
— Sim eu só… Eu tive um mal estar agora de manhã, mas já passou… — Explicou a ele, desviando seu olhar ao final, ela não queria ser mais um peso.
— Deve ser falta de comida, vamos embora daqui. Agora mesmo!
Eles recolheram tudo que lhes pertencia, Naruto espalhou o feno, para que ninguém notasse que alguém passou a noite aqui, para que ninguém nesse lugar percebessem que há fugitivos na região. Se virou para a porta pesada, de dobradiças enferrujadas que não ajudavam em nada a fuga, dando de cara com uma mulher baixa, com uma barriga proeminente, vestido puído, avental e os cabelos de fios mesclados entre o castanho claro e o cinza, os encaravam. Os ombros de Naruto murcharam, enquanto Sakura e Chiyo tinham os olhos arregalados, a garota sentia sua mente rodar e sua vista embaçar, as mãos frias e suadas, ela não conseguia dizer quanto tempo conseguiria se manter de pé, pois seus joelhos estavam enfraquecidos. Segurou firme no braço de Chiyo, que também tremia.
— Quem são vocês? — A mulher questionou, virando o corpo levemente, em sua mão havia um balde para sair dali e chamar alguém, provavelmente ela iria tirar leite da vaca que ficava naquele galpão. — Eu vou chamar a polícia!
— Não, por favor. — Naruto respondeu com um sotaque arrastado, ele sabia falar francês, mas o sotaque estava ali. — Nós estamos… Nós somos…
— Vocês são alemães!? — O olhar da mulher mudou do receio para o ódio, em questão de segundos. — Nazistas Desgraçados! — Ela jogou o balde no chão e ia correr para fora quando Naruto segurou o braço dela.
— Não! Por favor! Não somos…
— Eu sou judia, por favor! — Sakura disse, com o sotaque mais carregado ainda, com as poucas palavras que ela sabia dizer em francês.
— Por favor, senhora, se ela for entregue, à Gestapo irá matá-la… — O rapaz suplicou, notou quando o olhar da mulher francesa amenizou a raiva e agora havia apenas uma preocupação. — Estamos fugindo, eu sou cigano, elas são judias. Por favor, nós estamos de partida, não iremos fazer nada, você pode fingir que não nos viu e …
Antes que ele terminasse de dizer, o corpo inerte de Sakura caiu no chão, pálida, o rosto molhado de suor, mas sua pele estava fria, indicando que sua pressão estava baixa. Talvez fosse fraqueza misturada ao medo, mas foi o suficiente para derrubá-la. Os três correram para socorrê-la.
— Sakura! — Chiyo chamou, dando pequenas batidinhas em seu rosto, mas ela não reagia.
—- Vamos levar ela para dentro. Rápido! — A dona da casa ordenou, abrindo a porta barulhenta, enquanto Naruto a carregava nos braços, encarando tudo à volta, com medo de haver alguém à procura deles, alguém que pudesse vê-los e entregá-los. Ele nem mesmo confiava na mulher que estava os ajudando, dinheiro era oferecido para aqueles que entregassem judeus. A guerra trouxe muitas coisas, entre elas a fome, o desespero, ela podia estar armando para entregá-los e por isso ele pretendia sair o mais rápido possível desse lugar, era só o tempo de Sakura acordar.
A casa era de madeira escura, as portas e janelas pintadas de branco estavam com a tinta descascada. Entraram pela cozinha onde uma menina tomava um prato de mingau, seus olhos castanhos claros se arregalaram ao notar as três pessoas desconhecidas que entravam com a mulher. Ela se encolheu, quando Naruto passou com Sakura em seu colo, como se eles pudessem lhe fazer mal.
— Venham, aqui no quarto. — A mulher indicou o quarto, a casa era térrea, o que facilitava o transporte da garota, mesmo que ela estivesse tão magra e leve que era fácil transportá-la. — Ergam a perna dela. — A mulher pediu enquanto Naruto obedecia, e ela deixava uma pilha de travesseiros abaixo, como apoio. — Vou buscar algo, eu volto logo.
— O que ela tem Vovó Chiyo? Ela está mal desde quando eu voltei…
— Eu não sei, acho que ela está ficando doente de novo.
— Que merda! — Ele resmungou, irritado, o medo de Sakura não aguentar a viagem fez seu coração acelerar.
— Calma, ela vai ficar bem! acho que ela só precisa comer e descansar. Essa noite aqui será bom para ela.
— Não! Vovó, temos que sumir daqui, não podemos ficar! — Seus olhos estavam arregalados, o azul parecia mais vivo e as mãos puxavam os cabelos loiros.
— Naruto, ela não vai nos fazer mal.
— Vovó, a senhora não entende… A Gestapo oferece dinheiro para nos entregar… Se formos pegos… — A velha ficou pálida, e só faltava ela desmaiar também…— Assim que Sakura acordar nós vamos embora.
— Aqui tem água, trouxe um pouco de álcool, talvez fazê-la cheirar isso pode fazer ela despertar… — a mulher sussurrava, e não notou que a idosa e o rapaz falavam sobre ela. — Mas acho melhor ela acordar sozinha. — Os dois afirmaram com a cabeça. — Vocês querem comer, eu fiz mingau para o café…— Os dois se olharam, com desconfiança.
— Não precisa, nós estamos bem… — Naruto respondeu tentando manter a calma e até mesmo querendo mostrar que não estava com fome, que realmente estavam bem.
Mas era visível, para qualquer um, que eles não estavam bem, os três estavam magros, suas roupas sujas e até mesmo rasgadas em alguns pontos, as olheiras fundas e escuras, demonstrando que não dormiam a dias…
— Eu insisto, venham. Ela irá acordar em breve e também irá precisar comer… — A mulher olhou com pena para Sakura, ela parecia mais fragilizada do que os outros. — Quantos meses? — Naruto e Chiyo se encararam, sem saber do que ela falava.
— Faz quarenta dias que saímos de Berlim… — Naruto explicou. — Estamos fugindo da Alemanha, vamos para a Inglaterra.
— É muita coragem de vocês, fugir com uma judia grávida, mas sinceramente se fosse eu, preferiria fugir à morrer… A quanto tempo vocês são casados?
— Espera… — Naruto se perguntava se ele não estava entendendo o que ela dizia… — Não somos casados… É isso que você quer dizer?
— Ela não é sua esposa? — Ele percebeu que tinha entendido certo.
— Não, ela não é casada comigo, estamos fugindo juntos apenas…
— Então quem é o pai? — Naruto estava de boca aberta, sem saber o que responder, enquanto Chiyo tentava entender o que eles diziam, — Ela acha que a Sakura está grávida. — Ele explicou a governanta, sorrindo, achando que isso era impossível. Sakura não estava grávida.
— Ela não está grávida, madame. — Ele explicava com um sorriso no rosto, e olhava para Chiyo, que tinha um olhar pensativo, distante — Claro que não, Vovó Chiyo, ela só passou mal, nós estamos comendo mal.
— Naruto, acho que ela tem razão… Sakura pode estar grávida. — O cigano travou, encarou as duas mulheres, pensando no que elas diziam, sentindo raiva, felicidade, preocupação e vontade de agredir Sasuke.
— Figlio di Puttana! — Ele ficou tão nervoso que xingou Sasuke em italiano, querendo esgana-lo, com tanta força que os olhos dele saltariam para fora. Começou a andar de um lado a outro, irritado, inquieto. Fugir já era difícil, agora com uma mulher grávida ia ser muito mais difícil. — Bastardo!
— O que aconteceu? — A mulher que os acolhia perguntou, sem entender o motivo da raiva do rapaz.
— Não sabemos se ela está grávida.
— Mas há possibilidade? — O olhar dela era desconfiado, afinal Sakura não era casada.
— Sim… Mas o pai… — Naruto negou com a cabeça, tentando não pensar em seu melhor amigo, sem saber se ele está vivo ou morto, e se ele estiver morto, essa criança que Sakura carrega, pode nascer sem pai. — Como podemos saber? — Ele pergunta para Chiyo, em alemão.
— Vamos esperar ela acordar, farei algumas perguntas… — Naruto suspirou, vencido.
A mulher de nome Margot, pareceu mais calma depois que os três se instalaram, mesmo que houvesse uma tensão no ar. Os dois foram para a cozinha, para comer o mingau, onde a filha dela terminava seu desjejum, Amelie os olhava com curiosidade, ouvindo a conversa da mãe com os dois fugitivos.
— Eu tenho cinco filhos, ela é a mais jovem, minha raspinha do tacho… — Ela olhou orgulhosa para a menina, mas logo se entristeceu… — Tenho quatro garotos e ela, mas os meninos… Eles foram convocados… — Como a grande maioria das pessoas na Europa, os rapazes estão servindo os exércitos, buscando a vitória de seus países, porém em uma guerra não há vencedores, e o olhar entristecido da mulher apenas comprova isso. — Mas logo eles estarão de volta, tenho certeza. — Não havia resposta.
— Quantos anos você tem, Amelie? — Naruto perguntou, tentando mudar aquele assunto, não querendo deixar o clima mais pesado do que já estava.
— Eu tenho dez. Vou fazer onze no próximo outono. — Ela sorriu orgulhosa. — Por que sua amiga tem o cabelo rosa? — Ela questionou curiosa, seus olhos castanhos brilhavam, esperando uma resposta. Afinal os cabelos rosados eram incríveis, principalmente para crianças.
— É uma anomalia genética. — Naruto explicou o que Sakura mesmo explicou certa vez. — Segundo ela é uma mistura do loiro com o ruivo, dos pais da Sakura.
— Os pais dela não tem cabelo rosa? — Ele sorriu com a inocência da menina.
— Não, Herr Kizashi era ruivo, e Frau Mebuki era loira. — Se lembrou das poucas vezes que viu o casal na vida.
— Ela está indo encontrar com eles? — Todos ficaram em silêncio, os pais estavam mortos e o todos sentiram o ar mais pesado.
— Acho que está na hora de arrumar o celeiro, mocinha. Vamos, pode ir, o dia será normal para você… — A mãe tocou os ombros da filha para que ela saísse da cozinha, e a garota levantou de má vontade. — E Amelie… — colocou um dedo na frente da boca, para que ela ficasse em silêncio sobre os visitantes.
Não demorou até a voz de Sakura ser ouvida, assustada. Naruto correu e Chiyo o seguiu, com medo de que ela saísse desesperada por aí. Ela ainda estava pálida e seu olhar era preocupado.
— Está tudo bem, Sakura. Estamos seguros. — Naruto disse se ajoelhando ao lado da cama. — Você desmaiou.
— Sakura, como você está se sentindo? — Chiyo se aproximou para perguntar. — O que sentiu?
— Eu fiquei tonta, é a última coisa que eu me lembro. Acho que é porque eu vomitei…
— Ela vomitou? — Naruto perguntou enquanto a Margot os encarava sem entender o que diziam.
— Pode sair por alguns minutos? — Chiyo pediu e ele acatou sabendo que o que ela queria.
A porta se fechou com a saída dele, as duas mulheres se olharam, elas podiam não falar a mesma língua, mas havia sinais que mulheres reconheciam, seja onde for.
— Querida, desde quando você vem se sentindo mal assim? — Sakura engoliu em seco, sabendo o que Frau Chiyo dizia.
— Já tem alguns dias…
— Sentiu mais alguma coisa diferente? Seu corpo? Sente ele inchado? — Ela não respondia, sua mente calculava a quanto tempo isso acontecia, e a pergunta derradeira, a qual Sakura procurava a resposta. — Quando foi sua última regra? — Os olhos verdes de Sakura brilharam com lágrimas, suas mãos tremiam, assim como seus lábios.
— Foi em Berlim…
— Antes de fugir?
— Uma semana antes…
— Sakura, você está grávida… — Chiyo disse a palavra que ela evitava até mesmo pensar.
Ela carregava um filho de Sasuke, em meio a uma fuga perigosa, desesperada, sem saber se ele estava vivo, sua garganta se fechou e seus olhos se encheram de lágrimas, e ela as deixou cair, era uma mistura de desespero e tristeza, que o ar faltava em seu peito, ela começou a soluçar, desesperada, sem conseguir segurar o grito.
— Calma menina. — Chiyo a abraçou, beijando o topo de sua cabeça.
— Eu vou fazer um chá, para acalmá-la. — Margot disse em francês e Sakura apenas balançou a cabeça em concordância. Seu coração batia com força, mas seu corpo estava fraco, sua mente pensava em tudo, os pensamentos eram rápidos, mas o raciocínio não tanto.
O que ela faria agora?
Como chegariam na Inglaterra?
Sasuke estava vivo?
As perguntas eram muitas e isso apenas a deixava mais desesperada, o que não permitia que ela parasse de chorar no abraço de Chiyo.
—- O que eu vou fazer agora? — Chorou em desespero… — O que eu vou fazer… ?
— Nós vamos dar um jeito… Nós vamos menina…
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Vidas no porão
RomanceNo século XX o mundo passou pela pior guerra já vista, foram cerca de 40 milhões de civis perderam suas vida. Porém muitos deles foram perseguidos por uma regime fascista que perseguia e matada minorias. Na tentativa de fugir dessa perseguição Sa...