Estava há três meses em minha missão na Coreia do Norte, o que imaginei ser o mais difícil — tirando o fato de ter que encontrar um possível hacker — era fazer amigos num país que é nosso inimigo. Pensei que sofreria por ser sul coreana e que as pessoas me olhariam torto e me tratariam mal, mas foi totalmente o contrário; fui bem recebida e por mais estranho que isso fosse para mim, fiz amizades com os mais velhos daqui.
É claro, não poderia sair por aí andando livremente para todos os lugares, mas era permitido ir até a capital e passear de bicicleta ao redor da vila e das indústrias. De começo eu não gostava, e o lugar aonde trabalho ainda me causa repulsa, me deixando totalmente estressada… porém, consegui encontrar coisas que me mostraram mais uma vez que só porque conhecemos uma nação totalmente oposta a nossa, não significa que todas as pessoas são ruins.
Apesar disso, ainda me sentia vazia por dentro.
Era como se estivesse apenas sobrevivendo aqui, e não vivendo. Não tinha outro pensamento além de concluir a missão, não conversava com ninguém apesar das pessoas receptivas e educadas e fazia tempo desde que dei pelo menos um único sorriso.
Mas também não é como se eu já não fosse assim no Sul.
Demorei para deixar de lado todo meu preconceito, é claro que ainda tem muitas coisas que me deixam desgostosa e jamais vou esquecer como as coisas aqui funcionam, mas do que adiantaria remoer acontecimentos que me causam estresse e enjoo? Apenas me faria mal.
É incrível como algumas horas no meu local de trabalho conseguia me tirar a sanidade, me deixando totalmente desgastada a ponto da minha mente querer explodir de dor. Acho que fico muito ranzinza na fábrica.
Pego uma pasta com alguns papéis da minha sala e olho o relógio que ficava na parede. Faltava um minuto para as seis horas da tarde, saio da sala trombando uma pessoa e a encaro rapidamente pegando meus papéis do chão ao mesmo tempo em que vejo-o colocando outro no meio da pasta. Levanto e me curvo levemente agradecendo e saio do prédio, tomando cuidado para ninguém ter visto.
Coloco as coisas na pequena cesta da bicicleta lendo o pequeno bilhete deixado por outro infiltrado: "Campo de concentração de Kaesong, amanhã — Militares armados, entrada segura pelos fundos".
Rapidamente amasso o papel colocando-o na boca e engulo, subindo na bicicleta e indo diretamente para casa.
[...]
Ando cautelosamente no escuro pela plantação de milho de Jeongin, passar por toda essa extensão era mais prático, rápido e seguro até o campo de concentração. De fato, já era complicado o suficiente estar fora no toque de recolher, mas não tinha outra escolha; vir com a luz do sol estava fora de cogitação.
Seguro o canivete afiado apertando-o forte e chegando por fim no local, checo meu relógio que mostrava que eu havia andado em quarenta minutos.
A arma em minha cintura era apenas para usar de último recurso, se fosse extremamente necessário. Subo o morro que dava acesso às grandes grades que se estendiam tão longe que mal podia ver seu fim e me escondo entre arbustos e árvores.
Pego o binóculos que estava pendurado em meu pescoço com uma alça colocando perto dos olhos e fico espiando aquele lugar sombrio.
Bocejo piscando algumas vezes sentindo meus olhos pesados, eu já estava aqui há pelo menos três horas, mas nada aconteceu. Não deixo de pensar que talvez a informação não estivesse cem por cento correta. Porém, percebo que estava certa quando vejo algumas luzes acesas da única porta que havia ali, escuto a mesma sendo aberta e o barulho dela fechando.
Me escondo melhor atrás do grande tronco colocando de novo o binóculos, não demora muito para eu ver um homem que aparentava ser mais velho que eu correndo enquanto tropeça em seus próprios pés. Ele parecia estar carregando algo debaixo de um pano, e se aproximava da onde eu estava bem rápido. O homem para quando chega na grade alta e coloca com cuidado o que imaginava ser algum objeto no chão, puxando de dentro de seu casaco um alicate e cortando desengonçadamente a grade.
Era um desertor ou havia cometido um crime para estar no campo de concentração, com cuidado me aproximo ainda atrás das árvores, quando chego próximo o suficiente para vê-lo bem sem precisar do binóculos o homem se assusta, olhando para os lados freneticamente.
Paraliso ao ouvi-lo sussurrar desesperadamente:
— Black Venus? - o meu codinome que apenas pessoas do Sul conheciam é chamado por ele. — Black Venus, é você, certo? Eu sabia que viria, eu sabia…
Parecia estar a ponto de chorar, ao mesmo tempo em que não parava de cortar. Ainda não era o suficiente para ele sair. Reparo que usava luvas de borracha, evitando assim ser eletrocutado pela grade.
— Como sabe disso? - pergunto rispidamente, o mais baixo possível. — Como me conhece e como sabe que eu viria?
— Eu sou do sul também, vim a serviço do país. - suas mãos trêmulas e seu suor excessivo em sua testa mostravam seu desespero em fugir. — Um espião me avisou que viria, escute Black Venus… - chego perto dele, por fim vendo o vulto de seu corpo, nessa escuridão não era possível enxergar nada direito. — Você tem que achar o pen drive, entendeu? Tem que achar e levar pro sul.
— Que pen drive? - questiono olhando para trás dele, tentando ver se alguém se aproximava.
— Não dá tempo de explicar agora, droga… - ele grunhe de dor e por fim vejo um ferimento sangrando em seu braço. — Assim já tá bom.
Ele abre a grade e eu franzo o cenho, o homem não passaria por aquele espaço.
— Como vai passar? - vejo-o segurando o objeto coberto e passando para o lado de fora em que eu estava, parecia pesado.
— Eu não vou. - arregalo os olhos ainda mais confusa. — Preciso que cuide para mim, ok? - ele aponta com a cabeça para o objeto e concordo mesmo sem saber o que era. — Tem duas cartas guardadas ali - ele se levanta e começo a escutar pessoas gritando, estavam chegando perto de nós. —, leia a menor e entregue a maior para minha família assim que chegar no sul, tá bom?!
Concordo novamente sentindo meu coração acelerado por conta do medo, mas quando escuto seu pedido, parecia que o coração havia parado por um único segundo:
— Me mate.
— O-o quê? - engasgo com minha própria saliva.
— Me mate agora. - sua voz trêmula agora se juntava com as lágrimas que caiam loucamente, o medo em seus olhos era aparente. — Não me deixe vivo aqui, por favor.
Eu sabia o que aconteceria se o pegassem com vida, seria um destino pior do que a morte, mas mesmo assim eu não era capaz.
— Me desculpe. - peço chorando. — Não posso, não consigo.
— Por favor!
Mal percebi quando minha mão alcançou o canivete em minha cintura, mas o medo parecia ter sido anestesiado por alguns segundos. Rapidamente seguro a jaqueta suja do homem pelo espaço aberto, golpeando-o no coração.
— Obrigado…
Foi a última coisa que ele disse em meio a soluços, era devastador vê-lo com um pequeno sorriso antes de seu corpo cair no chão. Uma última lágrima cai e percebo seu olhar sem brilho, ele havia morrido.
Puxo meu canivete de volta e o guardo novamente, tentando esquecer que havia sangue nele. Por fim volto a adrenalina encarando o objeto deixado por ele e novamente paraliso ao notar que não era um objeto.
Puxo o cobertor velho e surrado dando visão para um rosto, uma criança tão suja e magra estava ali dentro sem se mover, checo rapidamente se ainda respirava e suspiro de alívio ao perceber que estava viva, provavelmente havia desmaiado por desidratação e fome. Pego-a no colo e ao contrário do que pensava, era bem leve.
Não demoro mais ao ouvir os militares correndo, volto rapidamente pelo mesmo caminho que fiz, chegando em casa ainda mais rápido do que fui.
O sol ainda nem havia nascido.
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❤ Até o próximo capítulo ❤
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Between Red and Blue | Hwang Hyunjin |
FanfictionSer mandada para o pior inimigo de sua nação estava longe de ser o que Lee Yoomi queria. A melhor hacker da Inteligência sul coreana se vê diante de uma missão ultra secreta que a levaria para o lado oposto da onde ela nasceu. A missão designada a Y...