Eu não sou eu

91 10 6
                                    

Quando Juliette foi embora, Pedro tinha muito em que pensar.  Continuar ou desistir?

Deu voltas e voltas e não chegou a nenhuma conclusão.   Qualquer que fosse a escolha ele sabia que não ia ser fácil.

Foi dormir já de madrugada ainda com a questão em aberto.

Juliette telefonou para ele dois dias depois para avisar que precisava de se ausentar.
A família ia fazer uma viagem para assistir ao casamento de uma prima.  Era impossível recusar.

- Quantos dias?

- Duas semanas.  O meu pai quer aproveitar o momento para estar com a irmã.

- Está bem.  Comporta-te com os paqueras.

- Só quero ser paquerada por ti.  Depois eu ligo.

- Está bem.  Beijo grande.

- Outro maior.

Quinze dias.  Tenho quinze dias para achar uma solução para este imbróglio em que me meti.  A menina rica e o pé descalço.  Até parece título de livro.  Mas era assim mesmo.

Eu vou contar a minha verdadeira história.

O meu nome não é Pedro. 

Chamo-me Rodolffo Pestana e sou proprietário da rede de hotéis e restaurantes Pestana.

Realmente possuo um curso de gestão.  Frequentei uma boa Universidade na Suíça onde optei por viver até à fatalidade em que os meus pais faleceram.

Foi aí que regressei ao Brasil para assumir todo o património Pestana.

Já estou por cá há dois anos.  Tive algumas namoradas ou melhor, interessadas pois elas eram interessadas só no meu dinheiro.

Tive a brilhante, agora já  não  acho tão brilhante, ideia de me passar por sem abrigo para encontrar a mulher que me quisesse pelo que eu sou e não pelo que eu tenho.

A parte boa desta aventura foi encontrar estas pessoas do centro onde trabalho como motorista e a Ju.

A Ju é uma mulher fantástica,  mas tenho medo.  Muito medo do que ela vai pensar quando souber toda a verdade.

Não vai gostar de ter sido enganada.  Eu sei.  Eu também não gostaria,  mas espero do fundo do meu coração que me perdoe e me entenda.

Vou ter quinze dias para me mentalizar que pode ser o nosso fim até como amigos.

Hoje vou contar à Ana.  Ela também merece saber a verdade e quem sabe não fique do meu lado para me dar uma ajuda com a Ju.

Depois  de estacionar a carrinha e deixar as crianças fui falar com ela.

Contei-lhe tudo e as minhas razões.

- Então,  o milhão era teu?

- Sim.  Fui eu que fiz a doação.

- Da minha parte só agradeço, mas com a Juliette não vai ser fácil.  O que eu conheço dela, ela vai sentir-se traída.

- Eu sei e preciso da sua ajuda para abonar a meu favor.

- Não prometo, mas vou tentar.

- Vais deixar-nos?

- Vou arranjar um motorista e eu suportarei o seu salário,  mas enquanto não acontecer eu fico e voltarei sempre que puder.
Também vou fazer uma doação mensal para ajudar.

- Obrigada, Rodolffo?

- Sim.  Rodolffo.

- Vais continuar Pedro para todo o mundo.

- Não importa.  É só um nome.

Saí aliviado.  Esta foi a parte fácil.  O pior estava para vir.

Voltei ao meu escritório e pedi que me arranjassem um motorista.  Eu próprio queria fazer a entrevista pois tinha muito  para explicar.

Ao terceiro dia fui fazer as entrevistas e encontrei o Saul.  Um jovem de 30 anos com dificuldade em arranjar emprego e manter-se nele.

Motivo:  um filho de 8 anos autista.

Quando expliquei qual era o trabalho ele chorou.  Era o ideal para ele e ainda podia levar o filho.

Expliquei que ele seria funcionário do grupo Pestana com todos os direitos iguais aos outros.  Apenas exerceria funções no Centro de Autismo.

Ele aceitou imediatamente e combinamos ir lá no dia seguinte também para fazer a matrícula do filho.

Não piseOnde histórias criam vida. Descubra agora