Capítulo Vinte e Sete

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Geizon
Eu estava socando o saco de pancadas quando do nada Thiago entrou na sala com uma cara séria e com um envelope nas mãos.
– Que foi? - Eu perguntei parando o saco.
– Isso é pra você. - Ele ergueu o envelope.
– De quem é? - Falei tirando as luvas e pegando.
– Não faço a menor ideia.
E então ele saiu da sala e me deixou sozinho com a carta. Abri a mesma e comecei a ler.





3 de Abril de 2024

Querido Xamã

Escrevo estas palavras na esperança de encontrar algum alívio, de expressar a tempestade que você trouxe à minha mente e ao meu coração. Você desfez minha paz e me deixou jogado às traças, como se eu fosse apenas uma carta amassada, esquecida em uma gaveta. Talvez você tenha escolhido esquecer, mas eu me lembro de cada detalhe, cada palavra não dita que agora ecoa em minha mente como uma canção triste.
Ainda sinto a dor de tudo o que perdemos, o eco das promessas quebradas. Me pergunto se esperei demais, se pedi mais do que você era capaz de dar. E não pense que as 36 ligações perdidas no dia em que parti de Nova York passaram despercebidas. Eu ainda me pergunto: o que você queria dizer naquele momento? Talvez fosse apenas mais uma tentativa de romper o que já estava partido, como tantas promessas que se dissiparam no ar. Porque, de alguma forma, você sempre foi cruel assim, não é?
E aqui estamos nós, tentando acreditar que tudo está bem quando termina bem, mas não posso fingir que estou bem. Quando você disse que, se nossas idades fossem mais próximas, tudo daria certo, aquilo me destruiu. Suas palavras foram como veneno, me levando a um lugar escuro onde eu quase desejei não estar mais aqui. Sim, eu quis desaparecer, desaparecer completamente. Eu ainda me lembro de como você me olhou naquela primeira vez, no estúdio, com um olhar que parecia perguntar: "Quem é ele?". E então, alguns meses depois, você me chamava de uma joia, uma luz que refletia em você, alguém que nunca parecia precisar de nada. Mas eu estava desmoronando por dentro, sozinha em banheiros de festas, enquanto drag queens me perguntavam o que tinha acontecido, e tudo o que eu conseguia pensar era: Você, Xamã. Você aconteceu.
Você conquistou meu pai com aquelas piadas simples e transformou meu lar em algo que parecia um episódio do "Mais Você". Mas no meu aniversário de 21 anos, você o desapontou profundamente, e a mim também, deixando-me como uma planta, esperando por você na porta do meu apartamento. E eu me lembro de ouvir meu pai dizer: "Era para ser divertido fazer 21 anos...", mas não foi.
Eu sei que você ainda guarda meu cachecol laranja, aquele que já viu tantos invernos. Eu vi quando te ajudei a arrumar as malas para aquela viagem que você insistiu em fazermos. E por que você ainda o guarda? Talvez porque ele tenha meu cheiro, ou porque representa a inocência que eu ainda tinha. É estranho como algo tão simples pode significar tanto, como uma lembrança que se recusa a desaparecer. Eu me lembro de quando eu te amava tanto que nada mais importava. Eu me lembro de cada passo que demos em Cornelia Street, o vento no meu cabelo, e nós dois, lá, juntos. Você se lembra disso também, não se lembra?
Eu nunca fui bom com piadas, mas aqui vai uma: posso ter 60 anos e você 70, mas seus parceiros sempre estarão na minha faixa etária. Engraçado, não? E você acha que eu não percebi? Toda vez que eu dizia que te amava, o silêncio era sua resposta. Porque, no fundo, você sempre foi aquele que me manteve em segredo, escondido de todos e de si mesmo.
Então, para terminar, quero que saiba que não vou te expor. Sei que você detesta ser o centro de qualquer polêmica, então te poupo dessa dor. E não espero que responda a esta carta, nem por mensagem, e-mail ou qualquer outro meio. Eu só precisava que você soubesse de tudo que guardei por tanto tempo, porque afinal, quem ficou com a cabeça e o coração em pedaços fui eu, não é?

Ass: Bryan

Terminei de ler aquele pedaço de papel com algumas lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Mas também tinha algumas manchas pela carta como se alguma coisa tivesse pingado nelas. Então era óbvio que nós dois choramos lendo e escrevendo aquilo.
Eu respirei e subi com a carta na mão, deixei a mesma no meu closet e desci para tomar banho.

No dia seguinte eu recebi uns amigos para fazermos uma resenha, eu estava tão chapado que eu acordei no sofá. Obviamente já peguei meu celular para saber o que eu fiz ontem.
Quando eu entrei no Instagram eu vi meu direct e minhas notificações mais cheias que o normal. Entrei no direct e estavam todos me mandando print de uma coisa, então olhei o que eu tinha postado e estava no meus stories e fotos, era a foto da carta dando para ler todas as palavras. Eu levantei a sobrancelha assustado e pulando do sofá, eu me lembro de não ter segurado meu celular a noite toda. Então quem fez isso com certeza já sabia de tudo, além do Thiago ninguém sabia a senha do meu celular.

Tudo Muito Bem (Versão de 10 Sentimentos) - XamãOnde histórias criam vida. Descubra agora