Capítulo 8

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Faiscando de raiva, Maraisa catou seus sapatos que boiavam em pontos diferentes da piscina.

Observou Fernando virar as costas e subir as escadas em direção à casa, retornando para a varanda. Como ele podia ser tão atrevido, e se sentir no direito de tocar nela daquela forma e jogá-la na piscina?

Bufou de raiva enquanto andava toda encharcada para a borda da piscina. Cruzou o jardim, subindo até a varanda. Fernando estava sentado em uma cadeira de veraneio, fumando. Ela passou por ele sem desviar o olhar. Em sua suíte, tomou um banho e embrulhou-se em um roupão branco e felpudo. Com os cabelos molhados e devidamente penteados, sentou-se em sua cama, abriu o notebook e tentou trabalhar um pouco.

Não conseguiu digitar nem uma única palavra. Encarou a tela, descrente. Era impossível se concentrar em qualquer coisa. Fechou a tela do notebook com força, recostando-se na cama e olhando para o teto. Pensou nele. Fernando despertava nela um sentimento muito esquisito. Sentiu vergonha de várias de suas atitudes, que ela considerava extremamente infantis e incompatíveis com sua personalidade, mas agora já era tarde para se arrepender.

Sentia por ele uma espécie de raiva recolhida, que brotava com toda força a cada olhar trocado dos dois. Lembrou-se do cheiro dele e da sensação de suas mãos carregando-a no colo. Sentiu uma discreta palpitação, mas sacudiu a cabeça para expulsar aquele pensamento insensato.

Caminhou até a janela e olhou para o horizonte. Sem dúvidas, era uma vista linda e inspiradora.

Era o refúgio perfeito pra casais apaixonados, o que, definitivamente, não era o caso deles. Enquanto apreciava a paisagem através de sua janela, ouviu o interfone tocar. Tomou um susto, nem sabia que o quarto tinha interfone.

Correu os olhos por todos os cantos, procurando o tal aparelho. Ele ficava na parede próxima à porta. Foi até lá e atendeu, confusa. Era a cozinha comunicando que o almoço estava pronto.

Maraisa se vestiu rapidamente, com um vestido bem folgado e soltinho. Olhou-se no espelho. O cabelo ainda estava muito molhado, seria um prato cheio para Fernando tirar sarro dela quando a visse. Decidiu que não ia mais se incomodar com as palhaçadas dele, afinal de contas, seria o mês inteiro tendo que suportá-lo e precisaria criar um mecanismo de defesa, caso contrário, iria enlouquecer. Faria vista grossa, na medida do possível.

Borrifou um perfume. Desceu as escadas discretamente, quando olhou para a sala de jantar, o viu. Parado de costas para ela, ele olhava atento para um quadro na parede. Maraisa deu a volta na mesa e sentou-se, sem olhar para ele. Fernando olhou para trás e encarou-a, com um sorriso irônico.

- Lavou os cabelos, gracinha?

Maraisa sentiu o sangue subir-lhe à cabeça, mas não esboçou nenhuma reação. Ficou muda e apática. Não se deu o trabalho de responder.

- Eu te fiz uma pergunta. – Ele insistiu.

Ela soltou o garfo no prato e olhou fixamente para ele.

- Você já sabe a resposta. – Abaixou a cabeça novamente, ignorando-o.

Fernando ficou calado.

Sentados um de frente para o outro na mesa, almoçaram em silêncio. Quando a cozinheira veio retirar os pratos, Maraisa notou que Fernando a agradeceu pela gentileza. Aquilo surpreendeu um pouco, não sabia que ele era capaz de um gesto de carinho e cordialidade. Observou-o enquanto ele devorava a sobremesa. Era um homem absurdamente lindo. Além de ser muito charmoso, apesar de insuportável para Maraisa. Com certeza, era capaz de fazer qualquer mulher enlouquecer por ele.

Maraisa sentiu uma pontada de vontade de conhece-lo melhor, sua vida, suas histórias e sua personalidade, como ele era quando não estava tentando de todas as formas  irritá-la. Sabia que no fundo ele tinha sentimentos. Talvez possuísse aquele temperamento com uma auto defesa, uma forma de se proteger das pessoas. O que será que o tornou assim? Foi alguma mulher que o magoou no passado? Quais experiências negativas ele já teria vivido? Talvez ela nunca saberia.

Levantou-se muda da mesa, deixando-o sozinho. Levou seu prato de sobremesa até a cozinha e subiu para o quarto. Sentada na cama, tentou dar início ao seu artigo. Procurou iniciá-lo contextualizando casos de inimigos políticos conhecidos na história do Brasil e do mundo como embasamento teórico. Digitou freneticamente, completamente entregue ao seu trabalho. Quando anoiteceu, antes mesmo do jantar, Maraisa se deu conta de que estava há horas na mesmo posição. Sentiu uma forte dor nas costas, estava exausta. Afastou o computador para o lado e se esticou um pouco na cama. Acabou caindo em um sono profundo, com a luz do quarto acessa.

Fernando se desvencilhou de trabalho naquele dia. Queria se familiarizar com o ambiente, queria descansar a cabeça e formular a estrutura de seu artigo antes que começasse a escrever. Caminhou um pouco no jardim e nos arredores da casa, jantou quando anoiteceu e deitou-se nas cadeiras da varanda e refletiu sobre todos os recentes acontecimento. Queria com todas as suas forças aquele cargo. Seria um passo de extrema importância em sua carreira e em tudo que almejava alcançar. Não entendeu realmente qual foi o intuito da chefe propondo um artigo com um tema tão banal como aquele. Mas presumiu que ela tinha uma outra intenção por trás disso. Queria colocá-lo junto com Maraisa em uma situação de extrema pressão e desgaste emocional para ver o que seriam capazes de produzir naquelas circunstâncias.

Mergulhou-os no "ócio criativo".

Queria saber se teriam espírito de liderança e o jogo de cintura que ela tanto visava em seu novo substituto. O artigo era mero detalhe, era apenas o pretexto para que conseguissem desenvolver algo fora de um ambiente propício a isso.

Fernando então teve a brilhante ideia de mudar o foco do trabalho que apresentaria a ela.

Ao invés de uma dissertação baseada no tema proposto, faria espécie de diário. Relataria todo o dia a dia dele com Maraisa no meio do mato em uma casa serrana.

Afinal de contas, os dois eram um exemplo clássico de inimigos íntimos.

Não conseguiam dialogar sem trocar farpas, não tinham o menor interesse em se darem bem, descontavam um no outro todo o seu mau humor e tinham uma implicância gratuita mútua.

Fernando pensou nela.

Ela era tão insuportavelmente pretensiosa, ao ponto de irritá-lo, mas ela tinha uma firmeza e uma leveza no olhar em tudo o que produzia, que o fazia admirá-la, no íntimo. Em algum momento, Mocó considerou-a uma ameaça, mas isso já era passado, agora ele via nela uma possível parceria, não fosse o total desajuste na relação dos dois.

No fundo, Fernando nem sabia como exatamente nasceu toda essa implicância, mas agora, ele parecia ter se acostumado com ela.

Achava divertido olhar para ela bufando de raiva e com os olhos em chamas. Era um pouco doentio pensar isso, mas sabia que só assim conseguia se aproximar e trocar algumas palavras com ela, mesmo que fosse aos berros.

Fernando sorriu sozinho, no escuro da varanda fria.

Notou que já era tarde, subiu comendo uma maçã que encontrou no cesto de frutas no centro da mesa de jantar e caminhou até seu próprio quarto.

No hall íntimo, viu por debaixo da porta do quarto de Maraisa que a luz estava acessa, ficou curioso para saber o que ela fazia que nem havia jantado. Se aproximou sorrateiramente e repousou os ouvidos na porta . O silêncio era absoluto, com muita calma, ele girou a maçaneta e empurrou a porta enfiando o rosto um uma fina fresta que se abriu.

Ela estava deitada na cama, dormindo como um anjo, que ele sabia que ela não era. Antes que ela visse, Fernando fechou a porta e correu para seu quarto.

Deitado na cama, fechou os olhos. Tudo o que conseguia pensar era na lembrança da visão de Maraisa esparramada na cama ao lado de um notebook aberto. Ele sorriu e dormiu profundamente, ansiando pelo novo dia que viria.

A Aposta - Adapt. MacóOnde histórias criam vida. Descubra agora