Capítulo 31

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Eram quase onze da noite. 

Ainda ofegante, Fernando estava sentado no chão, encostado na prateleira de livros ao lado da mesa. Ele estava com a calça e a camisa desabotoadas, com a cabeça recostada pra trás olhando para o teto. Fazer amor com Maraisa proporcionava a ele um misto de cansaço e felicidade, que ele adorava sentir. E naquele momento, era apenas nisso que ele pensava.

Sentada na ponta da mesa, com as pernas cruzadas e de frente pra Fernando, o cabelo de Maraisa estava jogado de lado. Ela olhava pra baixo, pensativa e silenciosa. Pensava em tudo que havia acontecido há menos de 5 minutos. Estar com Fernando fazia-a sentir uma espécie de contentamento. Pelos minutos que eles ficavam juntos, ela esquecia completamente do mundo e dos problemas. Mas depois, um turbilhão de culpa a invadia. Não sabia se estava pronta pra engatar novamente em um relacionamento com ele. O fantasma da desconfiança perseguia-a a todos os momentos.

Um lado dela via em Fernando uma total sinceridade, porém, por outro lado, ela ainda tinha dúvidas se ele tinha certeza sobre os próprios sentimentos. Doía muito sentir isso. Como ela queria que as coisas fossem mais fáceis! Ela desejava profundamente que sua história com Fernando tivesse acontecido talvez em um outro momento, fora desse contexto tão conturbado.

Ela entrou em um martírio interno por se ver exposta nessa situação. Mas a voz de Fernando a interrompeu:

- No que você está pensando? - ele perguntou, olhando pra ela. Maraisa não levantou a cabeça. Permaneceu muda, na mesma posição. - Ei! O que foi? - ele questionou, levemente preocupado.
Fernando se levantou do chão e caminhou até ela.

Parou em frente os joelhos de Maraisa e tocou o queixo dela, fazendo com que ela olhasse pra ele. Notou que os olhos dela estavam úmidos.

Com uma expressão séria, ele disse:

- Fala comigo!

Maraisa engoliu seco e desviou o olhar dos olhos dele. Abaixou a cabeça novamente, sem encará-lo.

- Eu... estou muito confusa.

- Como assim? Eu achei que depois de hoje tudo tivesse mudado, eu pensei que eu tivesse respondido a todas as suas perguntas, sem precisar falar nada, apenas...Maraisa? O que você está dizendo? - ele deu um passo pra trás.

- Fernando, não é tão simples assim... - ela foi interrompida por ele.

- Simples? SIMPLES? - Ele foi firme.

- Me deixa terminar de falar? Ficar com você, pra mim, vai ser uma decisão que não permite dúvidas. Fernando, eu preciso de um tempo. Eu não estou preparada pra te assumir sem que eu confie plenamente em você, eu... - ela pausou. Fernando andava de um lado para o outro esfregando o rosto.

- E o que você quer que EU faça? Pelo amor de Deus, me fala!

- Não depende de você. - Fernando sacudiu a cabeça, negativamente. - Fernando, aquela terrível sensação de que você vai transar comigo e isso vai ser pra você apenas uma história para ser contada, me persegue. É o que eu estou sentindo agora. - a voz dela vacilou, embargada. - Não posso prosseguir com isso enquanto eu não me ver livre desse fantasma...

- Maraisa... naquele artigo, eu não escrevi sobre o encontro dos nossos corpos. Eu escrevi sobre o encontro das nossas almas. Tudo o que eu quis demonstrar nele, por experiência própria, foi o quão surpreendente pode ser o amor. Que ele nasce ou brota quando a gente menos espera e você muda seus conceitos e sua forma de ver a vida. Não foi vulgar, não foi banal e muito menos desrespeitoso. Eu queria TANTO que você enxergasse sob esse ângulo, para que você pudesse mensurar o quanto você está sendo injusta comigo... – Maraisa enxugou uma lágrima. Olhou pra ele com os olhos transbordando e ficou em silêncio. - Entenda, Maraisa... Eu não quero correr atrás de você. Eu quero andar do seu lado. Eu não sei mais o que fazer pra provar pra você o quanto eu te amo e o quanto estou comprometido com esse sentimento. Você SEMPRE vilaniza as minhas atitudes, sejam elas bem intencionadas ou não.
Se eu abro a porta do carro, você me diz que eu subestimo você. Se eu impeço que um imbecil te segure pelo braço, obrigando você a ficar perto dele quando você não quer, eu sou um machista.
Eu escrevo sobre nós dois e sou um traíra. E agora, depois de tudo que já fiz em uma tentativa desesperada de provar pra você que eu te quero de verdade, você me diz que não confia na minha sinceridade, mesmo depois de eu ter escancarado o meu coração e dividido com você o que eu tinha de mais delicado nas minhas lembranças. Como você acha que eu me sinto?

Maraisa remexe na mesa. Sacode a cabeça, atordoada.

- Fernando, como você acha que EU me sinto? Eu me entreguei toda e completamente pra você, inclusive hoje! Você me descontrola totalmente, me faz agir sem pensar, me faz ter ímpetos que eu nunca tive e nunca teria, se eu conseguisse raciocinar perto de você. - ela solta um soluço. - Eu fui pega de surpresa, porque de todas as coisas que você poderia ter me contado, nenhuma delas foi o que eu MAIS precisava saber! Eu não vou entrar nesse mérito de novo, mas a confiança, depois que é quebrada, ela não se reconstitui por inteira facilmente, NÃO ME COBRE isso num intervalo tão curto de tempo, não fazem nem dois meses!

- Você não respondeu a minha pergunta, Maraisa. COMO você acha que eu me sinto, depois de fazer amor com você e voltar pra casa sozinho, sem saber se a sua decisão será amanhã ou daqui seis meses? Você acha justo? Acha justo eu vá pra minha casa agora e vá dormir com o seu cheiro e com a lembrança dessa noite, que pra mim foi maravilhosa, mas está acabando em pedaços? Acha justo eu ter que ver você todos os dias, sem poder te abraçar e BERRAR pra todos esses idiotas dentro dessa redação que te comem em pensamento, que você é MINHA! - ele bateu no peito. - Acha justo que eu te espere? Até quando?

- Eu não estou pedindo pra você me esperar.

- MAS EU NÃO CONSIGO ME ENVOLVER COM OUTRA PESSOA! Eu não quero mais ninguém! — ele se aproximou dela, se esforçando absurdamente para conter as lágrimas e não chorar na frente dela. - Não faça isso comigo. Não faça isso com a gente. Você está desperdiçando um tempo precioso que estaríamos sendo felizes e estamos aqui, um ao lado do outro sofrendo por uma besteira.

- NÃO É BESTEIRA! Pra mim, não é! Não subestime o que eu estou sentindo! Você sabe que covardia não é uma das minhas características, mas eu também não sou inconsequente e leviana, tudo que eu faço tem que ser sempre com muita certeza e determinação! Eu sou muito honesta com o meu coração, estou tentando ME poupar e TE poupar de um possível arrependimento... - ela permanecia sentada na mesa.

Fernando abotoou a camisa, desolado. Afivelou o cinto e caminhou até a porta, todo amarrotado e com um olhar melancólico e frustrado. Ele girou a maçaneta e abriu a porta, lentamente. Maraisa olhou pra ele, que estava de costas pra ela.

- Fernando! - ele olhou pra trás, com os olhos cheios de lágrimas. - Tente me entender, por favor!
Ele abaixou a cabeça.

- E só o que eu tenho feito, Maraisa. - ele deu uma última olhada pra ela e saiu da sala.

Maraisa observou-o fechar a porta. Ela fechou os olhos e soltou um soluço. As lágrimas escorriam em seu rosto, até pingar de seu queixo. Ela saltou da mesa, puxou a bolsa no encosto da cadeira e caminhou até a porta. Apagou as luzes e saiu acelerada. Atravessou o corredor em prantos, passou pelo vidro que dava dentro da redação. Fernando estava em pé, recolhendo suas coisas e desligando sem computador. Ela não olhou para o lado, entrou no elevador ventando e desceu disparada. 

Dentro de seu carro, bateu a chave na ignição e o som ligou automaticamente. Tocava Love the way you lie da Rihanna. Mentalmente, ela se reprimia por estar fazendo aquilo consigo mesma.

Foi inevitável se lembrar de Silvia: "Não seja cruel com seus próprios sentimentos!". Maraisa desejou fortemente que fosse mais inconsequente quando se tratava de relacionamentos afetivos. Ela tinha uma mania insistente de ser sempre muito correta, quando, no entanto, em se tratando de amor, tudo era surpreendente e repentino. 

Sentiu um medo esmagador de perder Fernando. Dirigiu pra casa chorando, como uma criança abandonada e confusa. Não conseguia deletar de sua mente o último olhar dele, arrasado e completamente perdido. Precisava se livrar daquela desconfiança insuportável que sentia dele.

"Reescrever por cima das linhas rasuradas...", "Dar uma nova chance a nós dois...", eram mantras que ela repetia pra si mesma, em silêncio. Precisava descansar. Precisava se reestruturar. Precisava de Fernando ao lado dela. 

Faria tudo pra conseguir ser dele por inteira novamente. Faria tudo pra confiar nele de olhos fechados, como ela um dia confiou. Tentaria conseguir dar uma nova chance a ele. Uma nova chance ao amor.

***

Oii amores, acharam que iam ter paz???? Até o próximo 😅

A Aposta - Adapt. MacóOnde histórias criam vida. Descubra agora