Quinze dias se passaram. Era, finalmente, o último dia de trabalho de Silvia.
Dentro da sala que a partir daquele dia seria de Maraisa, as duas faziam a mudança. Silvia encaixotava alguns documentos e papéis que ainda restaram em seu armário. Maraisa, por sua vez, transferia seus livros pra uma prateleira enorme, ao lado da mesa.
O clima não era de tristeza e despedida e sim de alegria e empolgação. Maraisa sentia um misto de ansiedade com nervosismo. Mas desafios não a amedrontavam. Pelo contrário, a instigavam a vencê-los da melhor forma possível.
Agachada com uma gaveta de metal aberta em frente os seus joelhos, Maraisa terminava de organizar uma pilha de documentos por ordem alfabética. Ela se levantou e caminhou até a mesa, em silêncio. Fuçou em alguns papéis, descartando vários deles. Silvia se encontrava sentada na lateral da mesa, passando um pano úmido na poeira dos livros que encaixotava.
Olhou pra Maraisa e decidiu quebrar o silêncio com uma pergunta relativamente ousada.
- Maraisa... Posso te fazer uma pergunta?
Maraisa levantou a cabeça e olhou pra ela.
- Claro!
- Em que pé está sua história com o Fernando?
Maraisa abaixou a cabeça. Não esperava uma pergunta como aquela, não fazia ideia de que Silvia sabia disso. Quem teria confirmado? Teria sido Fernando? Ou ela teria desconfiado, por algum motivo? Lembrou-se do jantar de comemoração, há duas semanas atrás. Poderia ter sido naquela ocasião que todos notaram o clima que rolava entre os dois. Maraisa sacudiu a cabeça.
Não olhou pra Silvia, respondeu de cabeça baixa.
- Não está em pé nenhum. Acabou. - o olhar de Maraisa ficou melancólico. Silvia percebeu.
- Maraisa, Maraisa... Você sempre sendo tão cruel com você mesma...
Maraisa olhou pra ela, franzindo o cenho.
- Como assim?
- Querida, eu te conheço há tantos anos... Você sabe! Te conheço desde que você era uma menina de 17 pra 18 anos, recém aprovada no vestibular. Me lembro como se fosse ontem de vê-la sentada em uma cadeira da primeira fileira de uma sala com 70 alunos. Você estava assustada, calada e ansiosa para o início de um caminho que foi tão longo, mas mesmo assim, sorriu pra mim quando me olhou.
Foi por isso que gravei seu rosto na minha memória, mesmo com aquela quantidade de alunos, eu me lembrei do seu nome na primeira semana. Você era uma das minhas melhores alunas. Todos os professores concordariam comigo sobre você. Quando você entrou na sala dos professores procurando por mim e com um currículo na mão, questionando se eu não poderia indicá-la para um estágio, eu nunca tive medo de me decepcionar com você. Eu sempre soube que você agarraria com todas as forças qualquer oportunidade que eu te desse. Quando te coloquei como estagiária aqui na revista, você ainda estava muito no início da faculdade, sabia muito pouco. Mas eu tinha certeza que você se destacaria rapidamente, como de fato você se destacou. Sabe quantas pessoas aqui dentro dessa empresa foram contratadas como profissionais antes de se formarem? - Maraisa sacudiu a cabeça, negativamente. - Uma. Você.
E não foi uma decisão minha, seu trabalho foi reconhecido por nossos superiores. ELES quiseram efetivar você e eu apenas concordei, é claro. Talvez você não saiba, mas eu sou muito instintiva, eu consigo conhecer muito bem a personalidade das pessoas com as quais eu convivo. Com você não foi muito diferente. Eu sei que você já abriu mão de muitas coisas que jovens da sua idade faziam, apenas por levar muito a sério as suas responsabilidades com seu trabalho e seus estudos. E você não está errada por ser assim. Mas querida, você é muito dura com os seus sentimentos. Eu sei que você está se perguntando como eu fiquei sabendo disso...
Tenho certeza de que também passou pela sua cabeça que foi o Fernando que me contou. - Maraisa desviou o olhar e abaixou a cabeça, impressionada com a capacidade que Silvia tinha de interpretá-la. - Eu te respondo. Não, não foi ele que me contou. Ele não mencionou nada a esse respeito. A partir do momento que eu fui alertada que isso poderia estar acontecendo, sem querer eu acabei tendo certeza, apesar de não ter nenhuma intenção de me meter na intimidade de vocês. Quando você entrou na minha sala naquela tarde e eu entreguei nas suas mãos o artigo do Fernando, pela sua reação eu pude perceber. Não só percebi que vocês estavam envolvidos, como percebi que todo o conteúdo daquele bendito artigo se tratava de vocês dois. Você tentou MUITO disfarçar, você respirou fundo e engoliu seco diversas vezes, mas seus olhos estavam transbordando de estupefação e decepção, eu senti um arrependimento imenso por ter te mostrado aquilo de repente, como eu fiz. E antes que você me pergunte, não, eu não perdi a confiança em você por você ter mentido pra mim que aquela história não era de vocês. Eu entendo completamente a sua necessidade se resguardar e sei que você fez isso para não o prejudicar. Eu admiro tanto essa sua capacidade de, até em um momento de raiva e tristeza, você ainda conseguir pensar nas outras pessoas...
Suponho também que o término de vocês tenha acontecido em decorrência desse artigo, não é?
- Maraisa concordou com a cabeça, mexida, emocionada e constrangida. - Eu te diria que eu também consigo entender o motivo de sua decepção. Ser pega de surpresa, nesse caso, não deve ser nada fácil. Mas o fator agravante pra essa sua insatisfação, tenho certeza que foi porque envolveu o trabalho. Expôs você no seu ambiente de trabalho, misturando o pessoal com o profissional e isso pra você é inadmissível. Estou errada?
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A Aposta - Adapt. Macó
RomanceO que você faria se tivesse que passar 4 semanas em uma casa de campo com o seu arqui-inimigo? Bom, é a situação que Maraisa terá de encarar. Fernando e ela nunca foram amigos e sim inimigos mortais. Mas quando a editora-chefe da revista em que eles...