Capítulo 15

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Grossos pingos de chuva batem violentamente em uma folha que está presa ao galho apenas por um fino talo. Ela resiste à queda fortemente, emborcando-se a cada pingo insistente, mas permanecendo ali, implacável.

O talo fica cada vez mais frágil, lentamente se desprendendo da folha, com a força do vento e a intensidade da água.

Uma ventania lateral arrebatadora circunda toda a árvore, estraçalhando a única forma de ligação que ainda havia daquela pequena folha com o seu centro, com o seu local de origem, com sua zona de conforto. O talo se rompe e ela cai lentamente  no, plainando e seguindo o fluxo natural de sua essência. E repousa, nos pés de um casal que se beija ardentemente.

Maraisa e Fernando, olhados de longe, parecem um só. Descarregam naquele beijo uma série de desejos reprimidos. De olhos fechados, apenas esquecem de todo o mundo. Apenas naquele momento, que parecia durar uma eternidade.

Fernando saboreava o gosto da boca dela
como se fosse o primeiro beijo de sua vida.
Nunca entendeu exatamente que tipo de magnetismo aquela mulher exercia sobre ele, mas nunca ofereceu uma forte resistência. Ela o despertava sua pior raiva e o seu maior desejo carnal, ambos na mesma proporção.

Desde quando a viu pela primeira vez, nunca achou que ela seria uma pessoa aleatória no seu ambiente de trabalho. Ela lhe dava nos nervos, ela lhe irritava no íntimo, ela conseguia desestrutura-lo totalmente com a maior facilidade. Atribuía aquele tipo de reação às totais incompatibilidades de gênios que os dois possuíam, mas aos poucos foi vendo que era um pouco mais do que isso. Por fim, viu que o que sentia era MUITO mais do que isso. Era uma espécie de encontro marcado, era uma coisa de pele, era atração fatal, misturados com recorrentes atritos que apimentavam a relação.

Sempre ouvira dizer que o amor e o ódio andam juntos e achava aquilo uma completa banalidade. Naquele exato momento, pôde perceber que não havia verdade mais absoluta do que aquela. O amor e o ódio SEMPRE andam lado a lado. Não vivem um sem o outro.
Precisam do outro para existirem. Alimentam um ao outro como uma espécie de combustível, que potencializa seus funcionamentos perfeitos.

Fernando puxou o lábio inferior dela com os dentes, bem de leve e, enfim, se soltaram depois de minutos se beijando. Maraisa abriu os olhos, saindo pouco a pouco do estado de transe.

De repente, uma súbita consciência tomou conta de si. Ela arregalou os olhos. Os pingos de chuva caíam nos seus olhos e compunham a visão que ela tinha do rosto de Fernando. Ele estava todo molhado, uma gota ameaçava pingar da ponta de seu nariz. Ele a fitava com um olhar que Maraisa tentava decifrar. Era um misto de excitação e surpresa pelo que havia acabado de acontecer. Ela sentiu um soluço incontrolável subir em sua garganta e praticamente o despejou na cara dele.

Ergueu as duas mãos, posicionando-as no peito dele e empurrou-o para trás. Fernando se desequilibrou, dando três passos para trás. Maraisa se abaixou, catou seus sapatos e a sua bolsa e correu em disparada na direção das luzes do condomínio, pouco a frente de onde estavam.

Fernando deu um impulso e fez o mesmo, alcançando-a e entrando em sua frente para impedir que ela continuasse correndo. Mas não teve tempo de falar nada.

- SAI DA MINHA FRENTE! - ela
berrava aos prantos.

- Não! Fala comigo!

- NÃO! EU NÃO TENHO NADA PRA FALAR PARA VOCÊ E NEM QUERO TE OUVIR! SAI! - e empurrou-o novamente.

Fernando ficou parado olhando para o vulto dela na escuridão, correndo enquanto os pés dela batiam nas poças e espirravam nela. Ele sacudiu a cabeça, atordoado e confuso. Nem mesmo ele sabia o que estava sentindo ou pensando. Não sabia o que gostaria de falar com ela, nem sabe porque tentou-a impedir de fugir.

Entrou no carro e foi lentamente seguindo-a, com as luzes do farol iluminando-a. Não conseguia raciocinar sobre o que havia acabado de acontecer, por mais que tentasse. A cabeça girava a mil por hora. Ele sentia seu coração pulsando acelerado ainda.

Maraisa avançou pelo gramado encharcado da casa e entrou na casa ventando.
Correu pela sala, subiu as escadas molhando todo o caminho que percorreu. Entrou no quarto, chutou a porta com o calcanhar para fechá-la e correu direto para o banheiro. Passou a chave e encostou-se na parede. Chorava desoladamente, sem conseguir definir o motivo.

Deslizou as costas pela parede, descendo o corpo até sentar-se no chão. Enterrou o rosto nas mãos e soluçou alto, encolhida no canto do banheiro. Arrancou o vestido já de pé e o jogou ao lado da pia. Entrou no chuveiro e permitiu que a água quente cobrisse todo o seu corpo nu.

Parecia sentir um misto de nojo e raiva pelo beijo que acabara de acontecer. Dava socos no boxe e não reprimia seu choro gritado. Era uma forma de desabafo. Porque, no íntimo, sabia que aquele beijo mudou tudo. Mudou sua forma de vê-lo, mostrou para ela que ela estava errada em achar que aquele homem não tinha espaço dentro de seu coração, enquanto na verdade ele já havia entrado pela porta da frente e ela não soube nem definir quando isso aconteceu.

Ela não conseguiu evitar, por mais que tentasse. Ou será que nem tentou? Será que a culpa foi dela de ter permitido que essa lacuna fosse aberta ou ele invadiu mesmo, sem o consentimento dela, prepotente e atrevido que era? Ela deslizava os dedos pelos cabelos negros, inclinando a cabeça para cima e deixando a água do chuveiro entrar dentro da sua boca.

Ela ainda conseguia sentir o gosto da boca dele e o cheiro dele também estava impregnado em seu olfato. Iniciou seu banho, transtornada, mas conseguiu terminá-lo mais calma. Com o rosto inchado, se enxugou e vestiu um pijama de manga comprida. Ligou o ar condicionado na temperatura mínima e se acomodou debaixo do seu macio edredom.

Deitou-se com os cabelos limpos, porém ensopados no travesseiro. Fechou os olhos, no escuro do quarto, se sentindo mais confortável fisicamente do que nunca. Mas sentiu uma gotinha de lágrima escorrer no canto do olho, sutil. Respirou fundo e caiu no sono profundo, exausta.

Fernando entrou pouco atrás de Maraisa
pelo portão do condomínio. Viu quando ela subiu as escadas em disparada.

Ele estacionou o carro com cuidado e desceu na chuva.
Lentamente, se deslocou até seu quarto e tomou seu banho. Não pensou em nada, reprimiu todos os seus pensamentos nela. Vestiu uma cueca azul escura, acendeu um cigarro e fumou na janela.

Viu a janela de Maraisa fechada e com as luzes apagadas. Sereno, ele olhava para a água da piscina trepidando com os pingos da forte tempestade. Esticou o braço e deixou que a chuva molhasse a palma de uma de suas mãos.
Fechou os olhos e tragou a fumaça lentamente, como se não tivesse pressa de nada. E não tinha.
Estava um pouco avesso a todos os acontecimentos. Não esboçava reação alguma.

Talvez fosse o cansaço e a estupefação. Sua noite terminara como nunca, em nenhum de seus mais absurdos sonhos, ele imaginou. Não nega que em muitos e muitos momentos daquela noite, pensou que não seria má ideia terminar a noite arrancando aquele vestido vermelho do corpo de Maraisa. Mas aquilo não era exatamente um plano, era apenas um devaneio de um homem que desejava loucamente uma mulher. E ele a teve. De alguma forma, com alguma intensidade e com muita sinceridade.

Ele não sabia discernir se naqueles poucos minutos, ela foi realmente dele. Mas ele foi verdadeiramente dela e só por um segundo, temeu que nunca mais pertenceria somente a ele próprio novamente.

A Aposta - Adapt. MacóOnde histórias criam vida. Descubra agora