Capítulo 28

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O céu pacífico e lindo do HEX virara um tempestuoso aglomerado de nuvens rubras, raios partiam e se entrelaçavam em pura explosão de energia. Os trovões rugiam como um coro de batalha, as árvores se estilhaçavam com vento e fogo.
Tudo se curvava a fúria do coração ferido de uma força da natureza. Um símbolo de destruição. A impiedade de um coração gentil massacrado.
A visão de Wanda Maximoff era aterradora. Os olhos vermelhos de energia caótica onde o próprio ar se curvava a sua imponência a elevando para cima. Ela levantava num tornado de magia destruidora de mundos e ela era o centro daquele cataclisma.
Agatha ao menos conseguia se manter de pé, energia pura vinda dos campos eletromagnéticos, a gravidade era uma força esmagadora que ameaçava empurrá-la para o centro daquele mundo.
De joelhos, curvada, a bruxa nem ao menos conseguia abrir a boca para gritar, a pulsão para a terra a clamava e suas mãos faziam uma força inimaginável para não ser engolida para a escuridão a baixo.
Ali estava a face da Destruidora de Mundos, de uma força capaz de aniquilar sem ao menos levantar um dedo, de fazer o mundo implodir em sua vontade, as próprias forças regentes da natureza a reconheciam como herdeira.
Como pregos dilacerando sua garganta, Agatha reuniu o pouco de magia que lhe restava para uma palavra, algo que talvez pudesse aliviar a dor de seus átomos lutando para permanecerem juntos. Ela seria dilacerada de dentro para fora. Sabia que não seria rápido, tinha conhecimento do próprio Tempo saudando sua rainha, fazendo-lhe sofrer parando de correr o relógio.
— P-pie-dade – a palavra foi embebida em sangue que começou a lhe encher a boca e escorrer pescoço abaixo, sangue rubro como a cor que definia a Feiticeira Escarlate.
Não houve um mero movimento,  Wanda Maximoff apenas piscou e Agatha foi varrida da existência. E essa foi a piedade dada por um coração que chorava sangue.
 
Natasha observava chocada a terra estéril que se formou a partir de um grito de fúria de Wanda. O HEX foi devastado por ele e somente pelo escudo feito por Morgana com uma precisão perfeita tinham sobrevivido. Se tivesse dependido dela, de sua rapidez de raciocínio, da incrível capacidade que todas as Viúvas Negras forjavam a sangue e morte, se tivesse dependido disso estaria morta.
Wanda olhava para o nada com uma expressão devastada. Ela sentia em suas veias o poder concentrado, vibrando, pedindo e desejando ser usado novamente. Ser libertado, mas tinha total consciência de que se algum dia o soltasse como cada átomo de seu corpo pedia, tudo ficaria como aquela terra: Estéril.
Ela respirou fundo e ergueu os olhos para os fiapos de magia que caíam como sangue, ela tinha despedaçado o HEX como se não fosse nada. Sua fúria tinha feito aquilo e o pensamento que surgiu em sua mente foi que se não fosse as runas de proteção embebidas com seu poder e de Agatha, seu surto de dor teria varrido quilômetros.
Era como uma bomba nuclear.
 
—  Ela vai precisar de seu apoio, Natasha – Morgana observava Wanda caminhar completamente aérea pelo seu antigo lar destroçado. — Uma traição dessas deixa uma marca permanente. Ela achou que tinha uma amiga, alguém que realmente se importava com ela e que ela se importava também. Isso deixa uma ferida aberta que vai arder toda vez que ela cogitar deixar alguém entrar.
— Você fala com propriedade sobre isso – Natasha olhava Wanda desolada.
— Eu tenho séculos de idade. Se pessoas já me feriram? Se já partiram o meu coração? Se já destruíram meu espírito? – Morgana tinha um ar que a deixava mais velha, apesar de parecer não ter mais que trinta e cinco anos. Eram os olhos e o que tinham visto que entregavam sua verdadeira idade.
— Eu sinto muito por isso.
— A dor faz parte da vida, é como as coisas são, está tudo bem – Morgana suspirou. — Ela não vai querer pessoas novas por um tempo. Eu sou a figura representante que ela vai ver quando se lembrar desse dia. Que eu desmoronei seu mundo.
— Você só mostrou a verdade. Ela não vai...
— O trauma não funciona de forma racional, deve saber disso, com o tempo será mais fácil – ela se virou  e ergueu a mão num cumprimento. — Foi um enorme prazer conhecê-las, mesmo nessas circunstâncias trágicas.
Natasha apertou a mão daquela mulher intrigante.
— Você não vai sumir do mapa, né?
— Não, é claro que não – Morgana sorriu. — Meu contato pessoal está no seu celular, meu e-mail e se precisar me ver, imediatamente estarei lá.
— Obrigada – o sorriso de Natasha era envergonhado. — Acho que te julguei muito mal. Na verdade, acho que meu julgamento perfeito se foi na minha última vida.
— Teremos tempo de nos conhecer e de conquistarmos confiança. Só não acho que esse tempo seja agora. Vocês têm algum lugar para ficar?
— Temos sim.
— Lembre-se que não estão sozinhas. Wanda sendo quem é, tem muitas seguidoras ansiosas por conhecê-la - nesse momento ela se encontrava séria. — Isso também pode esperar, mas lembre-se, as bruxas apoiarão Wanda nessa guerra.
— Você sabe disso também, é claro.
— Contatos, Natasha, sabe a importância deles. Até! – ela piscou e sumiu no ar. Nenhuma fumaça ou portal, apenas evaporou no ar.
 
Elas chegaram na réplica perfeita do Complexo dos Vingadores ao anoitecer. Pepper Stark tinha reconstruído aquele lugar  como um tributo e memorial, já que o prédio e a propriedade tinham sido destruídas na batalha contra Thanos.
Agora o lugar parecia um antigo cemitério assombrado por almas passadas. Inclusive em uma colina distante havia de fato duas lápides repousando em baixo de gigantescas árvores. Uma, aliás, levava o nome da mulher que acabara de abrir a porta da frente.
Estava vazio com exceção das duas, seria um bom lugar para espairecer um pouco antes da verdadeira ação começar ali.
— É bizarro! – Natasha soltou. — Está tudo no exato lugar.
Wanda permanecia em silêncio, como ficou quando deu a ideia se irem para lá, assim como no avião e no carro. Não tinha dito uma palavra desde o evento e isso partia o coração da Víúva.
Os olhos vítreos e sem vida, como quando a trouxe para cá depois da Batalha de Sokóvia eras atrás. Parecia tão perdida quanto na época que Pietro morreu dando a vida como um verdadeiro herói, deixando sua irmã gêmea para trás destroçada.
— Vamos para o meu andar – pegou as pequenas malas das compras que a Viúva fez no aeroporto, porque tudo tinha sido destruído. — Sexta-feira, reiniciar!
Todos os programas ativados – a voz computadorizada que foi companheira fiel de Natasha nos últimos cinco anos respondeu. — Bem-vinda de volta, Agente Romanoff.
— É bom estar de volta! – comentou para a IA, colocando as malas no elevador e voltando para pegar a mão de Wanda que estava olhando tudo parada no mesmo lugar que ficou quando entraram. — Vou preparar um banho de banheira bem gostoso para você. Pepper mandou reabastecer esse lugar alguns dias antes de virmos.
Wanda apenas pressionou levemente a mão dela e se deixou ser guiada por Natasha.
A Viúva sabia que seria complicado, que a outra precisava expressar sua raiva e seus sentimentos, que precisava reagir.  Todavia agora ela precisava processar tudo isso em sua mente. Tomar conta que matou uma pessoa. E que não era qualquer pessoa, mas Agatha.
A figura que se transformou em uma mãe brincalhona e  severa com as duas no seu tempo juntas. Que fizeram jantares e a irritaram, cuidara delas quando precisaram, puxara as orelhas das duas quando brigavam. Agatha, a mulher companheira que elas respeitavam e amavam.
Era por essa mulher que conheceram que estavam de luto, e não a versão cruel e degenerada que ela se mostrou no fim. Sedenta por uma oportunidade de poder que usou Wanda e Natasha para seus próprios fins. Que mentira, manipulara e iludira. Essa Agatha mereceu o fim que teve.
O quarto de Natasha no Complexo nos últimos anos tendeu a ser um lugar que ela entulhou coisas talvez pela primeira vez em sua vida, mas aquele lugar nem era o mesmo. Era como o debate do Navio de Teseu. Ainda era seu quarto?
Wanda se encaminhou para a cama de casal gigantesca e se sentou na ponta. Seus olhos estreitando, reconhecendo aos poucos onde estava, detectaram uma foto em um porta-retrato. Era uma foto de um dos dias de treinamento, estavam todos sorridentes: ela, Steve, Sam e Natasha. Aquela foto em particular Visão tinha tirado.
Sua magia envolveu a foto que estava na estante de livros e parou nas mãos trêmulas dela. Um pequeno sorriso surgiu ao passar os dedos pelos rostos conhecidos.
—  Seu banho está pronto, Wands – Natasha que tinha ido prepará-lo encontrou ela observando a foto. —  Lembro que nesse dia vocês finalmente tinham completado o programa de treinamento dos Vingadores. Estavam todos tão  felizes!
Wanda a olhou nos olhos, eles gritavam uma dor que Natasha queria tomá-la com as mãos. É claro que também doía nela, mas Wanda precisava mais dela nesse momento. Sempre foi mais sensível às perdas, seu luto poderia esperar.
— Venha, meu bem – a guiou pela mão, pediu licença e começou a despi-la. Tocou a água e a temperatura estava exatamente como Wanda apreciava. Quente como o inferno. — Me dê sua mão, te ajudo a entrar.
Assim que a água entrou em contato com seu corpo, o relaxamento foi quase instantâneo, os sais de banho eram florais e suaves. A espuma estava na medida certa e o banheiro se encontrava numa bolha de calor convidativa.
Wanda encostou a cabeça na beirada da banheira e se permitiu sentir.
— Eu a matei, Nat – sua voz pelo desuso estava rouca. — Eu estava tão triste e fiquei com tanta raiva...
— Eu sei, meu amor – a Viúva se encontrava sem as calças jeans surradas, só de regata e calcinha do lado da banheira, aproveitando a quase sauna do banheiro.
— Eu estou me odiando por tê-lo feito, mas não consigo me arrepender – seus olhos se abriram e refletiam confusão. — Ela me traiu, nos traiu, como ela pôde? – sua voz vacilou e tremulou. — Eu dei a ela uma segunda chance e...
— Algumas pessoas não merecem uma segunda chance, mas as damos mais por nós mesmas do que por elas. A damos para ter certeza que fizemos tudo que podíamos no fim. – ela mantinha seus olhos fechados, pois sentia as lágrimas tentando escapar. —Agatha era uma má pessoa, uma manipuladora e narcisista crônica com megalomania, o mundo está melhor sem ela.
— Mas ainda doí aqui dentro – Wanda abraçou os joelhos e colocou seu queixo em cima de seus braços. — Eu deveria sentir essa dor? Ou não deveria sentir nada?
— Você é uma boa pessoa, Wanda, por isso a traição doí. Você espera o melhor das pessoas por que quer acreditar que elas são boas no fim, mas não é tão simples assim – as lágrimas caíram quando os olhos verdes se abriram. — O mundo não é preto no branco. Não é divido em heróis e vilões como a mídia nos pintam. É mais cinza e poluído de intenções dúbias.
— Eu já matei antes – Wanda suspirava. — Ao que me parece, ter a desculpa que é para o bem maior torna a ação mais suportável.
— Tenho propriedade para dizer que sim – a Viúva suspirou fundo. —  Quando se acredita que está fazendo o certo, a moralidade do certo e errado viram linhas borradas, mas eu não sou a melhor pessoa para conselhos sobre o assunto. Eu posso ser chamada de heroína, mas meu passado é manchado de sangue. Muitos desses que matei em nome da Moral e dos Bons Costumes.
— Somos todos monstros, a questão é para quem – Wanda concluiu se abaixando na água completamente, esperando que ela lavasse seu ser.

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⏰ Última atualização: 4 days ago ⏰

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