Capítulo 38 - Tentado

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AS MEMÓRIAS DE COSTEL

"Os túneis subterrâneos do Sheol eram guardados por anjos de baixo escalão que eram os responsáveis pela segurança do lugar. Munidos com armas brancas celestiais e chicotes fiados com o escalpo de condenados, as criaturas angélicas tinham ordens superiores para castigar e até aleijar quem quer que se aventurasse portões afora.

Eu nunca tinha seguido além do corredor cavernoso que se estendia de maneira indefinida além das grades que os anjos protegiam. Porém, aqueles que já tinham tentado escapar daquela dimensão perdida relatavam que as possibilidades de fuga eram mínimas e que os perigos guardados naquela área iam muito além de qualquer capacidade humana de resistência.

As histórias contadas pelos prisioneiros descreviam criaturas disformes que absorviam a alma de quem tentava atravessar aquele túnel. Outras, diziam que além daqueles portões, legiões de anjos guardavam as portas do Reino do Céu, e que nenhum habitante do Sheol ou do Inferno sequer poderia considerar atravessá-las.

Eu estava condenado a uma espera eterna pela remissão de meus pecados e, por meios legais, não parecia haver um meio de encurtá-la. Até que alguém veio em meu encalço e tentou mudar o meu status de espectador passivo da eternidade.

O pátio da prisão ficava lotado quando era permitido aos encarcerados sair de suas celas. Todo tipo de biltre e degenerado se encontrava no espaço amplo e fechado das galerias profundas do local. Podíamos esticar as pernas em caminhadas curtas pelos corredores, e era possível até visitar outros setores da masmorra, desde que não saíssemos do campo de visão dos guardas do Céu.

Eu estava habituado a encontrar homens de moral questionável durante esses intervalos e a conversar com desconhecidos — tanto em vida quanto em morte. Por isso, não me surpreendi quando um sujeito de aparência decadente se aproximou da mesa que eu dividia com um antigo colega de quadrante para iniciar uma conversa.

Os anjos nos observavam de seus poleiros, áreas elevadas sobre as rochas que lhes permitiam uma visão superior dos pavilhões compartilhados. Alguns deles, em especial os novatos, eram bonitos e cintilantes como se imagina a figura clássica de seres divinos. Porém, a grande maioria, era feia e suja, quase como se a imundície das pessoas que viviam ali se impregnasse neles com o tempo.

O homem sentado à nossa mesa rústica de pedra era como um daqueles anjos. Usava roupas encardidas, fedia a excremento, tinha dentes apodrecidos na boca infestada de pústulas e cuspia enquanto falava. Os cabelos eram ensebados e a sua pele parecia querer se desprender de cima dos músculos e ossos.

'Estão a fim de se juntar à coalizão de mais tarde? Já temos mais de trezentas cabeças interessadas em atravessar o corredor das almas perdidas. Está tudo esquematizado para sairmos daqui ainda essa noite. Desta vez não vai ter erro!'

Um perdigoto voou em direção à mão que eu mantinha sobre o tampo da mesa. Eu o limpei com o dorso da outra, enojado. Louis, o meu amigo de pavilhão, pareceu interessado no assunto tratado pelo outro.

'E como pensam em passar pelos alados?'

'Alados' era como se referiam aos anjos ali embaixo, embora nenhum deles possuísse asas evidentes como nas pinturas renascentistas.

'O nosso líder conseguiu contrabandear a espada de um arcanjo com um mercador das fossas mais subterrâneas. Dizem que a lâmina é capaz de cerrar um anjo até as entranhas. Um negócio lindo de se ver!'

Louis e eu nos entreolhamos, desconfiados.

Isso parece pura fantasia, companheiro, disse eu ao estranho de dentes podres. Se algum confinado possuísse uma espada de arcanjo, essa informação não estaria rodando por aí de mesa em mesa aqui na prisão. Eu o vi mais cedo na companhia de outros caras aqui embaixo e, provavelmente, você estava tentando ludibriar aqueles imbecis antes de nós!

Alina e a Chave do InfinitoOnde histórias criam vida. Descubra agora