Capítulo 54 - Além

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EU NÃO ME LEMBRAVA como tinha chegado ali. O céu acima da minha cabeça estava nublado. O chão sob os meus pés era relvado e úmido. Uma brisa suave soprava em meu rosto. Mas eu não fazia ideia de onde estava.

Eu morri mesmo? Aqui é o Céu?

O grasnar de uma ave de rapina interrompeu os meus pensamentos no instante em que me botei a pisar firmemente no chão relvado. No céu, um falcão-peregrino batia as suas asas majestosamente, a voar livremente. Preparou o seu pouso suave junto a uma mulher de braço erguido em solo, então, fechou as garras delicadamente em torno de seu antebraço, para se sentar junto ao ombro dela logo depois. Ajeitou as penas escuras conforme se equilibrava e virou a cabeça em minha direção, percebendo a minha aproximação.

Aquela ave... só pode ser a Isolina das histórias contadas por Caihong!

Ela estava sentada na cabeceira de uma mesa longa, retangular, exposta bem no centro de um campo de grama verde e alta. Me aproximei cautelosa. Atenta. Mas nenhum perigo parecia nos rondar. Uma cadeira foi me oferecida ao seu lado direito. Eu me sentei.

— Eu estou morta?

A mulher me observava com a mão esquerda sobre a mesa e a outra a fazer carícias na cabeça da fêmea de falcão. A luz natural que refletia em seu rosto alabastrino a deixava com um aspecto ainda mais saudável. Tinha a cútis muito bem hidratada para a idade que devia ter. Era uma das pessoas mais bonitas que eu já havia visto com os meus próprios olhos.

— Eu mandei preparar essa mesa de café da manhã especialmente para você, Alina. Deve estar faminta depois de tudo que aconteceu.

Lancei um olhar sobre a mesa e havia uma variedade muito grande de alimentos à minha disposição. Um cesto de vime encimava todo tipo de fruta fresca. Peras, morangos, uvas, mamões e até tâmaras. Havia também opções de pães, bolos e doces para eu escolher, bem como algumas jarras de sucos dos mais abundantes sabores. Ali ao lado, uma travessa chamou-me mais a atenção. Papanaşi. O doce romeno preferido de Alex.

— Onde estou? E por que você está aqui?

A mulher de cabelos longos e negros fez um sinal para que eu comesse antes de obter as minhas respostas. Não sentia o corpo fraco, nem tinha fome. Apenas percebia que precisava me alimentar. Dei uma colherada no papanaşi. Estava muito saboroso.

— Você passou por um trauma muito grande e agora precisa revigorar as suas energias, minha querida. Empunhar a Chave do Infinito é como receber uma dádiva... que vem acompanhada de uma maldição.

Alanna exibiu-me as costas de seu antebraço direito. Um conjunto de cicatrizes marcava toda a extensão de sua pele. A fazendo se lembrar de seu sacrifício. Prontifiquei-me a observar o meu próprio braço. Não havia nada nele. Nem mesmo um mísero sinal.

— Onde nós estamos?

A mulher levantou os olhos escuros além dos montes verdejantes que circundavam o campo antes de responder com seu tom de voz suave.

— Você conheceu esse lugar como Gunya Marrang, na linguagem dos aborígenes.

Terminei de mastigar a massa crocante, mas ela me desceu indigesta esôfago abaixo.

O mundo dos mortos. Então, eu morri mesmo, pensei, incontestavelmente desolada.

— Se você sabia que o esforço de selar os Portais do Infinito iria me matar, então, por que deixou que eu o fizesse?

Alanna não respondeu nada. Fez outro gesto para que eu continuasse provando das iguarias sobre a mesa e não voltou a falar até que eu estivesse com a minha boca cheia. Isolina me observava atentamente com seus olhos brilhantes. Estava com as asas fechadas, junto ao corpo e parecia entender o que eu e a sua dona conversávamos.

Alina e a Chave do InfinitoOnde histórias criam vida. Descubra agora