Capítulo 3 - O último ocaso

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AS MEMÓRIAS DE COSTEL

"A paisagem do lado de fora é a menos agradável possível. De onde estou, consigo enxergar um rio incandescente de bile correndo livremente através das grades. A correnteza circunda todo o território da caverna, faz uma curva em noventa graus para leste e deságua em uma cascata de lava.

Na maior parte do tempo, por causa da torrente e dos restos humanos espalhados pelo solo, o ar fede a bosta. Ou coisa pior. No restante dele, a temperatura ambiente é tão elevada que o odor putrefato passa a ser a menor das preocupações dos habitantes daqui. É como viver em um país subdesenvolvido da América do Sul.

Os meus dias de confinamento se resumem a cobrar favores de outros contraventores para conseguir uma bebida decente, traficar qualquer coisa que tenha valor num lugar como esse e a negociar a segurança do próximo dia. Quando não estou fazendo conchavos, concentro o meu tempo em buscar meios de escapar da prisão e retornar para casa. A minha adorada casa.

Nos dias comuns, quando me é permitido sair por algumas horas da minha cela, encontro todo tipo de degenerado e chantagista do lado de fora. Nos corredores das galerias subterrâneas, quando tenho sorte, reencontro antigos aliados de vida terrena, o que me permite jogar conversa fora e saber das novidades sobre o 'andar de cima'.

Quando dou azar, acabo arranjando briga com antigos desafetos, muitos dos quais, eu mesmo mandei para cá. Em pouco mais de uma centena de anos como vampiro, deixei para trás muita gente insatisfeita, e uma contagem muito grande de adversários mortos. Num ambiente como esse, o que não falta são rivais a combater... ou a evitar.

É. A vida não tem sido fácil, mas a tendência é piorar...

Para você que está lendo essa história, é importante entender quem eu fui e como acabei em situação tão degradante. Tenho tempo de sobra para escrever as minhas memórias, enquanto espero uma sentença que deve demorar alguns milhares de anos para ser julgada. E, já que é assim, devo começar pelo início.

Eu nasci em um subúrbio de Dundrea, no país que hoje você deve conhecer como Romênia. Filho de um cultivador de uvas e de uma prostituta, só vim a descobrir que não fazia parte de uma família tradicional europeia aos dez anos de idade, quando minha mãe resolveu abrir o jogo e me contar que eu era fruto de um caso extraconjugal entre ela e o homem que ajudara a me gerar.

era um fazendeiro que morava na Valáquia, a mais de quinhentos quilômetros de Dundrea. Era casado com uma mulher chamada Ruxandra e havia constituído família com ela há mais de uma década. Os dois tinham uma filha, Alina, que seria a herdeira legítima de tudo que o velho construíra ao longo da vida; as videiras, uma vinícola, os equipamentos de maceração e toda a renda originada da venda de vinho para o comércio local.

Por ser o filho bastardo de Grigore, o meu destino teria sido sempre a marginalização. Nem eu e nem a minha mãe poderíamos requerer direitos sobre os bens do velho, tampouco exigir mais do que ele já nos proporcionava, sendo ela uma vadia barata e eu, um adolescente estúpido e sem força nos braços.

Foi aí que o destino conspirou a nosso favor.

Anos depois de eu descobrir que era apenas o filho ilegítimo de um cultivador de uvas, a esposa oficial do cara faleceu por conta da varíola. Vendo-se sozinho em uma fazenda grande demais para ele cuidar, Grigore, então, resolveu nos levar para morar com ele e a filha.

Para a garota, o baque foi grande.

Até aquele momento, ela não sabia nada a respeito de uma segunda família que o pai mantinha às costas da mãe e, quando nos viu chegar com toda a bagagem para ocupar o lugar da recém-falecida Ruxandra, por razões óbvias, ela se rebelou.

Alina e a Chave do InfinitoOnde histórias criam vida. Descubra agora