Capítulo 40 - Madness

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Juliette abriu os olhos no breu. Titubeou por um instante. O chão parecia plano onde mantinha-se em pé, mas não podia vê-lo ou medí-lo. Ergueu as mãos espalmadas para frente, como para tatear o que quer que pudesse haver por perto. Sentiu-se num mundo de nanquim, negro e sinuoso. Em volta de seu corpo havia uma atmosfera esfumaçada, um borrão grotesco que a contornava como em uma gravura. O ar pesava, rarefeito.

Aquilo não poderia ser um sonho dela. Apavorou-se com a ideia de que Sarah poderia estar sofrendo até mesmo dormindo. Avançou sem rumo, corria sem chão sob seus pés, como se corresse nas nuvens. Precisava encontrá-la. E encontraria.

De repente, um som familiar encheu seus ouvidos. Uma calma maré de alívio a acertou. O céu se abriu, elementos surgiam na cena ao seu redor. Finalmente pôde respirar. Lá estava ela, apenas a alguns metros. Segura de onde estava pisando, fechou os olhos e respirou fundo. A inconstância da princesa a tirava do sério.

Como na cachoeira, Sarah trajava apenas a pantalone e a mesma coroa florida do baile. Juliette quase tremia só de olhá-la. Era um novo ambiente no sonho, sem cenários falsos pintados ou sombras eslovenas. Era um mundo, um bosque escarlate. A intensidade das cores agredia os olhos da Rainha, mas a princesa mostrava-se mais confortável do que nunca.

À sua volta havia flores e árvores também escarlates, espalhadas em várias formas, espécies e belezas, numa profusão arrebatadora de aromas exóticos. Entretanto, ainda mais arrebatadora era a visão de suas costas nuas, tatuadas em azul, dos cabelos escuros presos num coque frouxo. Dos braços gregos, esculpidos pelos deuses, banhados pela luz rubra do luar. Sua presença não fora notada, o que lhe permitia observar seus movimentos irregulares, abruptos.

Ouvia risos esporádicos e baixos na pureza da voz de menina. Notou que à sua frente havia uma tela. Imediatamente recorda-se de seu quadro abstrato que ela havia pintado. Como naquela tarde, Sarah parecia uma criança entusiasmada, respingando tinta para todos os lados. Mais linda do que nunca.

Tinha um objetivo a cumprir antes de tudo. Repreendê-la por sua impulsividade e irresponsabilidade. Colocá-la contra a parede para que aprenda a ter juízo. Mas vê-la a incendiava de tal forma que se houvesse uma parede ali, serviria para uma única coisa, na qual ela não deveria pensar naquele momento. Deveria manter-se firme. Sarah Andrade tinha de ser advertida.

- Precisava fazer isso, não é, Senhorita Andrade? - Disparou. Se esperasse mais um segundo sequer, cederia ao desejo pulsante que se apoderava de seu corpo. - Tinha de bancar a heroína novamente sem medir as consequências!

Ela se vira bruscamente, arregalando os olhos. Se de costas Juliette quase tremia, de frente suas pernas ameaçavam derrubá-la a qualquer instante. O sorriso de sol apresenta-se incendiário em seu rosto. Os seios movimentam-se com a mudança de posição. Há respingos vermelhos no monte esquerdo, subindo para o queixo e numa das pontas dos cabelos que jaziam soltas do penteado improvisado. A paleta de cores encontra o chão, assim como o pincel. Sarah não conseguia acreditar que ela estava lá, embora soubesse que sim. Saberia, como antes, se fosse uma ilusão de seu subconsciente.

- Dama Escarlate... - Sussurrou. Seus olhos lacrimejaram. Como desejava vê-la.

- Responda-me, Andrade. - Cruzou os braços, contendo a respiração que tencionava descompassar.

- Não, não brigue comigo... - Suplicou, avançando ao seu encontro desesperadamente, ignorando a sujeira da tinta e o estado de parcial nudez. Agarrou-se a ela como um condenado agarra-se à vida, como um transeunte num deserto agarra-se à um oásis. - Não agora, não ainda... - Depositou um beijo atrevido em seu pescoço, sussurrando. - Você demorou para vir...

Bastava que fizesse saltar seu timbre suave para derretê-la, desarmá-la. Suas mãos imiscuíram-se nos fios escuros, carícias na nuca por eles coberta. Como adorava tocá-los.

Dive (Sariette)Onde histórias criam vida. Descubra agora