Helena não havia conseguido dormir direito novamente. Ela e os filhos tiveram aquela conversa, a mesma que já havia se cansado de ter de novo e de novo, mas daquela vez fora diferente. A conversa havia chegado com uma carga de ação, seja pelo fato de Paulo estar perdendo o controle cada vez mais rápido, seja por pura precaução para evitar uma tragédia ou para basicamente ver ele livre daquele vício, eles ficaram na cozinha decidindo o que fariam de diferente daquela vez. E depois de muito pensar, conseguiram uma solução.
Passava das oito e meia quando Paulo havia levantado e descido as escadas após escovar os dentes e trocar de roupa. Quando seus olhos pairaram sobre aquela cena incomum na sala de sua casa, ele sabia de imediato que aquela seria uma manhã difícil. Sua mulher, seus dois filhos e um outro homem — aparentando no máximo trinta e cinco anos, de boa aparência, com uma pasta de couro preta e óculos de grau — conversando entre si. Ao perceberem sua presença, todos se enrijeceram, com exceção do médico.
— Está tudo bem? — Paulo indagou, apesar de já saber a resposta.
— Querido, este é o Doutor Leandro.
— Muito prazer, Paulo. — O médico se levantou e estendeu a mão para cumprimentar Paulo, que o fez de maneira desconfiada.
— A que devemos a sua visita, Doutor?
Todos os outros se entreolharam, tensos.
— Eu gostaria de conversar com você a respeito de seu problema com o alcoolismo, Paulo.
— Que problema de alcoolismo?
— Conseguimos o contato do Doutor Leandro para a gente poder te encaminhar para algum especialista, pai. — Eduardo tentou soar mais maduro e mais calmo do que realmente estava, pois sabia que não era uma conversa fácil. Mas eles tinham esgotado todas as outras possibilidades e já haviam se cansado de esperar. O contato que Felipe havia passado na noite anterior era de um dos melhores médicos de Porto Alegre, conhecido da família e, principalmente, com disposição para viajar até São Valentim logo cedo para uma consulta particular. Eles estavam apostando todas as suas fichas naquilo.
— Vai ser apenas uma conversa, Paulo. Só quero saber um pouco mais de você. O que acha?
— Eu acho que vocês deveriam ter me falado antes. Eu sinto muito, doutor, mas o senhor perdeu o seu tempo.
— Paulo! — Helena elevou o tom de voz, abismada com a rispidez do marido.
— Eu não preciso passar por médico nenhum. Eu estou bem. Isso foi ideia sua né, Eduardo? Sempre enfiando bobagens na cabeça de sua mãe e de seu irmão.
— Ninguém precisou colocar nada na minha cabeça, pai. Eu vi com meus próprios olhos ontem. E a gente não vai mais deixar isso acabar com o senhor. Nem eu, nem o Gerson e nem a mamãe.
Todos permaneceram em silêncio por alguns segundos, antes de Leandro tentar novamente:
— Que tal se vocês dessem licença para Paulo e eu conversarmos um pouco à sós?
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Garoto da Mesa Nove
Romance1º lugar no concurso Cósmico, categoria LGBTQ+; 1° lugar no concurso Escritores Lendários, categoria LGBTQ+; 2° lugar no concurso LGBTQ+, categoria Romance; 2º lugar no concurso Different Blue, categoria LGBTQ+; 2º lugar no Concurso Golden, categori...