A noite já começava a surgir nos céus de Porto Alegre, assumindo tons de safira e ametista conforme o movimento diminuía gradualmente nas avenidas. Paula estava deitada na banheira, coberta por espuma e sais de banho perfumados enquanto apreciava uma boa taça de vinho tinto. O dia havia sido tranquilo no escritório e ela acabou decidindo tirar um tempo para relaxar após finalizar todo o trabalho com a mudança. Deu um longo suspiro quando retirou a última peça de roupa de sua mala e guardou em seu armário. Jogou fora todas as caixas vazias de papelão onde até aquele dia suas coisas estavam guardadas, arrumando um lugar para cada uma delas ao redor da sala, do quarto e de seu escritório. Livros, porta-retratos, objetos de decoração. Tudo o que era necessário para que aquele apartamento voltasse a parecer seu lar. Mesmo que a solidão derrubasse aquela ilusão todas as vezes em que lembrava que estava longe de César e Felipe. Amargurada, decidiu abrir seu melhor vinho e jogar um tempo fora submersa à água quente, espantando qualquer vestígio do frio que vazia lá fora.O barulho da campainha ressoou até o segundo andar, tirando Paula de seu momento de absoluto silêncio. Tomou um tempo para vestir uma de suas camisolas de seda, se enrolar em seu roupão e descer, deixando alguns rastros de água na escada por conta de seus pés, ainda molhados. Ao abrir a porta, sentiu uma agradável surpresa ao ver sua filha mais velha parada em sua frente.
— Lívia?
— Pensou que eu ia esquecer de você? —Disse após abrir um sorriso largo, dando dois passos para frente e abraçando sua mãe. Ela jamais poderia imaginar o quanto Paula precisava daquele abraço.
— Senti saudades.
— Eu também, mãe. Eu sabia que você não estava tão empolgada com a ideia de morar no interior, mas não achei que voltaria tão cedo. — Zombou e Paula riu, pois sabia que aquilo, em partes, era verdade. Havia algo dentro dela que sempre a avisou que não se acostumaria a ficar longe de todo o caos e o movimento de Porto Alegre.
Mãe e filha se sentaram no sofá próximas à lareira, o brilho da brasa iluminando os rostos que mesclavam felicidade pelo reencontro e tristeza pelo contexto em que a família se encontrava.
— Eu havia me esquecido que você chegava essa semana. Tudo passou tão rápido e minha cabeça anda uma loucura.
— Pois é, eu fiquei sabendo.
— Seu pai lhe contou?
— Contou, e você já sabe a minha opinião, né mãe?
— Nem se dê ao trabalho, Lívia.
— É claro que eu me dou ao trabalho. Mãe, é a nossa família. Eu não vou deixar vocês criarem essa barreira por um motivo que nem deveria existir. Felipe é seu filho. Acima de qualquer coisa. O fato de ele ser gay não deveria mudar o que você sente por ele. Isso não faz ele ser menos digno de amor e respeito, muito pelo contrário. Meu irmão continua o mesmo garoto destemido, íntegro, honesto, e você sabe disso.
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O Garoto da Mesa Nove
Romance1º lugar no concurso Cósmico, categoria LGBTQ+; 1° lugar no concurso Escritores Lendários, categoria LGBTQ+; 2° lugar no concurso LGBTQ+, categoria Romance; 2º lugar no concurso Different Blue, categoria LGBTQ+; 2º lugar no Concurso Golden, categori...