𝐶𝑖𝑠𝑛𝑒 𝑑𝑒 𝐺𝑒𝑙𝑜

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Por mais irritada que eu estivesse com Nikolay não pude tirar os olhos dele enquanto o via deslizar pelo rinque de patinação, contornando a pista inteira com uma postura invejável, arrastando as lâminas de seus patins pelo gelo.

Eu quis me concentrar nas anotações que tinha que fazer em suas agendas, mas meus olhos me traíam, procurando por aquele cisne de gelo que seguia os comandos do técnico, dando saltos e giros impressionantes, capazes de arrancar o ar dos meus pulmões com a tensão que ficava suspensa sempre que flutuava antes de aterrissar suavemente.

Nikolay podia ser um cretino e um chefe medíocre, mas, Deus do céu, dentro daquela pista o homem se transformava numa espécie de ser místico que deixava a todos hipnotizados. Foi fácil entender porque os júris das competições lhe avaliavam tão bem.

Como dar uma nota baixa para aquela desenvoltura mágica?!

— Do começo, Nikolay. — Arseny gritou na beirada da pista. — Um flip triplo. Vamos. Um... dois... vai!

Apoiei a ponta da tampa da caneta entre os dentes da frente e apurei a visão. Foi como assistir a um pássaro alçando vôo.

Nikolay tomou fôlego, assentiu para si mesmo e então o show começou. Ele correu por toda a pista numa volta bem rápida, depois apoiou uma das pernas e esticou a outra para trás, e após deslizar mais um pouco pela pista, uniu as mãos fechadas contra o peito e pulou, impulsionando o corpo para dar três giros perfeitos.

Ao pousar sobre o gelo, parecia uma pluma.

Quando dei por mim, minhas palmas estavam ecoando pelo rinque quase vazio. Imediatamente a cabeça de Arseny, do coreografo loiro e do próprio Nikolay se viraram na minha direção.

Murchei no meu lugar e pedi desculpas.

— De novo. Dessa vez preste atenção na postura. Você não é um iniciante. — Arseny resmungou e Nikolay obedeceu, concordando sem dizer um pio.

Fiquei meio chocada com o fato de ele saber receber ordens e broncas. Ou de alguém ter coragem de fazer isso com ele. Enfim, acho que eu tinha que aplaudir era o senhor magrelo de orelhonas, que apesar de soar bem gentil, também era bem firme.

Eu até que tinha simpatizado com o Arseny. Com o coreografo também. Eram gente boa. O único problema era o Nikolay mesmo.

E esse senhor problema continuou seus treinos com maestria, mas eu dei as costas para a pista e segui com as anotações, porque senão sobraria pra mim. E só pelo resto daquele dia eu queria manter o meu réu primário intacto.

Chegamos à mansão quase de noite, porque o Nikolay teve consulta com um ortopedista para checar um machucado no tornozelo, fruto de um passo errado no último treino. Aparentemente ficaria tudo bem, mas eu já nem estava dando tanta bola, porque estava cansada demais. O cara era uma máquina de compromissos.

— Ah meu bem, você parece exausta! — A senhora Ivanov disse assim que me viu entrando na sala logo atrás de seu filho. — Nik, porque a senhorita Clarke está carregando essa bolsa tão pesada? Você não tem noção alguma, não é?! — Ela parecia genuinamente chocada. — Deixe isso aí no chão, querida. Alguém virá buscar depois.

Agradeci a Deus por ela estar ali e com cuidado deixei aquela bigorna sobre o piso branquinho.

— Desculpe se cansei muito os seus ossos de passarinho. — Nikolay me alfinetou com zombaria sem tirar os olhos do celular. — Quer uma massagem? Posso chamar o meu massagista pessoal.

Eu quero chutar as suas bolas e te fazer engolir o seu...

— Ficará para o jantar, não é? — Chloe tomou a dianteira e na mesma hora em que ela disse isso, Nikolay a olhou, chocado. — O que foi, filho? A senhorita Clarke não pode pular refeições. Aliás, estou inteirada sobre a sua condição e o nosso médico está à sua disposição.

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