𝐻𝑒𝑚𝑎𝑡𝑜𝑚𝑎

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A fisioterapia de Nikolay acabou ficando para depois e fomos direto para o rinque. Assim que ele chegou, já foi calçar os patins, e quase na mesma hora Arseny desatou a repassar alguns passos, fazendo meu chefe emergir naquele mundo totalmente, deixando para trás a leveza de minutos atrás.

E mesmo que já tivéssemos deixado a fundação e as crianças, eu ainda sentia a energia delas e do lugar em mim. Fiquei tão emocionada quando fui ajudá-los a provar as roupas que levamos e quando distribuímos os livros e cadernos novos.

A dona Matilde mesmo, nossa, ela ficou toda empolgada com o cheque da Margô, e prometeu que assim que comprasse os patins, iria nos avisar.

Saí de lá com a alma renovada.

Eu acho que nunca participei de algo assim, tampouco conheci tantas pessoas boas em um lugar só. Pois não eram só os funcionários do casarão que eram uns amores, mas as mães das crianças também, porque nos acolhiam com um afeto e uma alegria que era impossível não se emocionar.

Queria que o Killian pudesse ver como o mundo está cheio de coisas boas. Queria que ele se permitisse viver além desses planos de golpes.
E não que eu seja inocente, pois sei que não sou, mas nunca é tarde para mudar.

Agora mais do que nunca eu sei disso.

E talvez assim as coisas melhorem. Talvez assim paremos de nos machucar tanto.

Com um suspiro cansado, sentei na arquibancada e retirei o casaco. Endireitei a manga da minha blusa e olhei para a faixa no meu pulso. Toquei no lugar e automaticamente me encolhi. Ainda estava incomodando pra caramba.

Peguei minha bolsa e corri para o banheiro do vestiário feminino. Eu tinha que ver em que estado estava aquilo.

Quando Killian enfaixou na noite anterior, apesar de doer, não parecia tão ruim. Estava sim um pouco vermelho, mas nada além disso.

— Calma, Melina. Calma. — Sibilei, apoiando-me a pia, de frente para os espelhos do banheiro.

Respirei fundo e pausadamente enquanto ia retirando a tira de pano que cobria o machucado. Na metade do processo parei e fechei os olhos com força. As cenas da briga e a imagem de Killian apertando o meu braço para pegar o meu celular ainda ficavam ecoando como uma doença em metástase, que atacava todos os órgãos.

Uma onda de medo serpenteou pelo meu coração, mas eu arranquei a faixa de uma vez.

E lá estava o grande, horroroso e assustador hematoma, que não era só roxo e escuro, mas também trazia consigo um inchaço impossível de disfarçar.

Tentei mover os dedos, mas até isso começou a incomodar.

Levei o pulso para debaixo da torneira e ajustei a temperatura da água. Deixei que a frieza anestesiasse momentaneamente a dor e talvez me ajudasse a aguentar o resto do dia. Afinal, se eu suportei tantas horas, podia suportar mais um pouco.

Depois de lavar, enfaixei de novo e peguei o remédio que havia tomado antes de sair de casa. Ele até que servia bastante, embora eu não gostasse de me entupir de comprimidos, já bastava os da diabetes e os de dormir.

Eu não queria ser uma dessas pessoas viciadas em medicação.

No entanto, para esse momento, essa é a melhor saída.

— Tudo bem. — Falei para o meu reflexo. Um reflexo assustado e pálido. Um reflexo que eu já nem reconhecia.

Desviei o olhar e me virei.

Saí do banheiro com o pulso apoiado contra a barriga e tentei relaxar o rosto. Se Nikolay notasse alguma coisa, certamente iria me encher de perguntas. E eu não queria — e nem suportaria — ter que contar sobre aquilo.

Prometa Para MimOnde histórias criam vida. Descubra agora