𝐸𝑙𝑎 𝐶𝑜𝑛𝑓𝑖𝑜𝑢 𝐸𝑚 𝑀𝑖𝑚

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Diz que foge comigo desse país maldito. Diz que recomeça comigo bem longe daqui. Diz que o seu amor é maior do que a decepção e que ficará comigo apesar de tudo...

Sinto meus pés esbarrarem em algo e me curvo para pegar o objeto que está caído no chão.

Giro a gaita nas mãos, lendo só para mim o que estava escrito ali em russo:

" 𝚂𝚘𝚖𝚘𝚜 𝚌𝚒𝚍𝚊𝚍ã𝚘𝚜 𝚍𝚊 𝚎𝚝𝚎𝚛𝚗𝚒𝚍𝚊𝚍𝚎."

Essa frase de Dostoiévski ecoa dentro da minha mente como um mantra.

Dois dias se passaram desde a morte dela. Dois dias que não existiram para mim. Dois dias que não fizeram sentido algum, tampouco pareceram reais.

A polícia mantém a investigação em sigilo, mas Melina já é parte das estatísticas de assassinatos do país.
E não se fala de outra coisa além da condenação de Killian. Por todo lado há pessoas revoltadas, exigindo um julgamento condizente com o crime que ele cometeu.

As imagens de Melina no corredor gritando por ajuda já ganharam a internet.

Seu sangue, seu choro, seu medo...

Não consigo não pensar que eu poderia ter evitado tudo isso.

Ela me pediu para fugir. Ela confiou em mim.

— Margô finalmente dormiu um pouco.

Olho de soslaio para minha mãe. Ela se senta ao meu lado e pega a gaita da minha mão.

— Querido, você deveria fazer o mesmo. Já são dois dias que...

— A polícia ligou para a Margô?

— Ela estava esperando, mas nada ainda. A única coisa que sabemos é que os cães farejavam algo até um terreno baldio que fica a alguns quilômetros do edifício, mas estão esperando as autorizações necessárias para invadir o local.

Meus cílios batem lentamente enquanto eu fito a parede do outro lado.

Sinto uma dor devastadora na lateral da cabeça e ela parece se ramificar, descendo pelo meu pescoço e os ombros; latejando.

— Eu falei com o seu advogado para adiarem o seu depoimento. Ele vai tentar resolver tudo sobre a intimação, talvez conseguir uns dias.

Assinto devagar, sem de fato me mover muito.

— Meu filho... — A mão de minha mãe paira sobre os meus cabelos num afago delicado. — Eu juro por Deus que se pudesse fazer alguma coisa. Se houvesse uma forma de mudar tudo isso...

— Ele já foi levado?

— Sim. O detetive avisou que o Killian foi escoltado até o presídio onde irá esperar o julgamento.

Isso não me confortava. Não mesmo.

Nada do que acontecer com ele a trará de volta. E o infeliz se recusa a falar. Ele parece um verme catatônico, assombrado dentro da própria cabeça. E mesmo quando diz algo, nada é consistente ou lógico.

Tudo o que ele repete não faz sentido. Nada se encaixa.

Tizz-azul. Tizz-azul. Tizz-azul.

Que diabo ele quer dizer com essa merda?

— Nikolay.

Sobressalto-me quando minha mãe toca em meu ombro.

— Perdão, filho. É que... por mais difícil que seja, e tenha certeza de que eu te entendo, saiba que estou aqui. Eu sempre estarei, meu bem.

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