𝐹𝑎𝑟𝑝𝑎

68 15 300
                                    

Eu gostaria de dizer que o caminho até a cabana foi um sufoco, mas até que Nikolay soube ser razoável e ficou a maior parte do tempo quieto. Isso me ajudou a voltar aos eixos um pouco, embora vez ou outra nossos olhares se cruzassem e tudo voltasse a ficar intenso.

Lá pela metade do caminho a minha curiosidade me venceu e deixei escapar uma pergunta que ficava rondando a minha cabeça.

— Porque você não tenta parar um pouco?

— Parar? Aqui?

— Não. E-eu... eu falei em relação à patinação. Porque não tem um dia de pausa? Um só na semana. Acho que não faria mal.

Seu corpo que caminhava com desenvoltura e firmeza pareceu se empertigar; subitamente tenso.

Me arrependi um pouco da pergunta, mas não ousei recuar.

Nikolay logo notou que eu não iria desistir da minha resposta.

— As olimpíadas estão chegando. — Disse num tom neutro demais para me convencer. — É um momento importante para todos os atletas e há uma comoção gigante entorno disso. Além do mais...

— Isso daí é o que você diz nas entrevistas, meu rapaz. Eu quero saber é da verdade.

Senti uma fisgada no peito quando ele me olhou de relance e sorriu meio contrariado.

— Quer que eu admita coisas, não é, Melina?

— Eu gostaria que entendesse que você já é ótimo no que faz. Juro por Deus, eu nunca vi nada tão incrível e intenso.

— Obrigado.

— Nikolay...

Meu chefe parou e se virou. Foi um movimento tão inesperado que me fez recuar um passo.

— Há muitas pessoas que dependem de mim, Melina. Desde sempre. A equipe por trás de tudo o que eu sou é grande e focada. Eles trabalham incessantemente para me manter onde estou. Não é só o Arseny e o Lafayette, mas também há outras pessoas nisso. Meu país aguarda pelo melhor, a torcida também. São centenas de pessoas que lucram direta e indiretamente com a minha marca de roupas e equipamentos. E se eu parar, tudo para.

Lembrei na mesma hora da fundação e imaginei que não só ali, mas também em outros lugares deveriam existir crianças que eram apoiadas por ele.

Um nó se formou na boca do meu estômago e eu cruzei os braços com força contra o peito.

— Você patina por você mesmo e pelos outros. Mais por eles, pelo que entendi.

Ele abaixou a cabeça e mexeu em um fiapo quase solto da própria luva.

— Eu amo patinar. — Falou com firmeza, ainda sem me olhar. — Se eu não fizer isso, sei que vou morrer, porque é na pista de gelo que sinto o meu coração bater. Mas... sim, acho que há muitos anos a patinação se tornou algo mais plural do que singular para mim.

Balancei a cabeça mesmo que ele não pudesse ver.

Agora eu entendia porque Nikolay praticamente pulou da cama do hospital para a pista. E por isso ele fica tão nervoso quando algo sai errado.
Seu medo não é de falhar, seu receio é de sentir que se tudo isso acabar, outras pessoas acabem prejudicadas.

Essa pressão exarcebada que sofreu desde sempre, tinha o tornado o tipo de pessoa que acha que deve resolver tudo.
Que a sua perfeição seria a única forma de alcançar bons resultados em todos os sentidos, dentro e fora da pista, por ele e pelos demais.

A única coisa que ele não entendia era que não dava para segurar o mundo todo nas mãos e cuidar de cada ser humano.
Essas coisas são demais para nós. Vamos acabar totalmente estilhaçados assim.

Prometa Para MimOnde histórias criam vida. Descubra agora