𝑅𝑎𝑐ℎ𝑎𝑑𝑢𝑟𝑎

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𝑀𝑒𝑙𝑖𝑛𝑎

Eu queria dizer que é tudo mais fácil depois que você descobre as coisas e entende a dimensão do estrago que te fizeram, mas é exatamente o oposto.

Agora eu sei do que Killian foi capaz. Mas o que o amor vira quando chega ao fim? O que a gente faz com esse resto de sentimento que se agarra ao fundo do coração e luta para não sair, enchendo seu corpo de pequenos buracos que vão te sugar em algum momento?

Toda a vez em que eu ponho minha mão sobre o peito esquerdo eu sinto como se eu estivesse prestes a cair pelos vãos de uma rachadura. Como se tudo lá dentro fosse oco e envenenado. Como se Killian tivesse destruído algo mais sólido do que os meus sentimentos.

O pior não é ter que lidar de uma vez com tudo isso, o pior é que eu não sinto nada.

Mesmo depois de saber de tudo, mesmo com esse eco dentro de mim, é como se eu tivesse anestesiado a minha alma.

Quando chego ao rinque fico sabendo que Nikolay já acabou o treino e foi para a fundação, que fica bem perto, aliás. Então rapidamente vou para lá.

Assim que passo pelos portões já sou recebida com os sorrisos das crianças que andam de um lado para o outro com os patins novos. Todos devidamente customizados, exatamente como Margô prometeu.

Nikolay havia mandado comprá-los com o dinheiro que ela doou, e agora estavam prontos para uso depois de Margô ter mandado para seu amigo que fazia essas artes.

Tudo tinha ficado lindíssimo.

— Adivinha quem é? — Uma voz sussurra bem atrás de mim e duas mãos cobrem meus olhos.

Sinto as rachaduras do meu coração se moverem como numa dança gélida, no compasso dos batimentos acelerados.

— Deixa eu adivinhar... por acaso você é calvo?

— Você é cruel, feiticeira!

Nikolay sai de detrás de mim e está fazendo uma careta muito fofa, então eu me vejo sorrindo e lhe abraço com força.

— Que bom que você está aqui.

— Que bom que você está aqui também. Mas quero deixar bem claro que costumo cuidar dos meus cabelos e não há o menor sinal de calvície.

Ainda rindo, ergo a cabeça e lhe encaro, depois toco nos fios macios de seus cabelos.

— Tem certeza? Acho que desse lado está meio...

— Parou! — Ele guincha alto e me puxa para si, erguendo-me do chão no mesmo momento em que as crianças começam a gritar à nossa volta, sacudindo os patins coloridos.

A algazarra é tanta que a dona Matilde aparece para entender a gritaria.

E com ela, vejo Margô.

Sinto uma paz tão grande em vê-la que assim que se aproxima de nós, saio dos braços de Nikolay e vou abraçá-la.

— Ah minha querida, eu estava só te esperando chegar para pode ir embora! Eu cheguei cedo, porque vim trazer os patins e acabei ficando um bocadinho além do previsto.

— Quando eu contei para a Margô que você viria, ela quis te esperar, feiticeira.

— E acabamos indo tomar um chazinho. — A dona Matilde afaga o ombro de Margô. — É como se fôssemos velhas amigas!

— Eu tenho o dom de cativar as pessoas, sabe?

Todos nós rimos e concordamos completamente com a Margô. Ela tinha mesmo esse dom.

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