𝐴 𝐶𝑎𝑏𝑎𝑛𝑎

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— Você está esquisita.

Desliguei o fogo e saí de perto do fogão. Eu estava tentando me concentrar em preparar o jantar, mas Killian não parava de falar desde que chegamos em casa. Parecia que ele tentava cobrir cada silêncio meu.

— Gata, o que foi? Ficou puta porque eu te pedir pra vir pra cá? É isso? Mas amor, eu já disse que não podemos nos envolver emocionalmente. Essa velha Ivanov é mãe e sabe manejar as coisas. Já, já ela te ganha e...

— Eu não colocaria ninguém acima do que nós temos. — Falei, exausta de me abster. — Era só um jantar. E eu pensei que quanto mais perto deles, melhor para os nossos planos. Ou não?

— Sim, claro, mas não precisa de tanto. Talvez... bom, talvez você deva aproveitar os momentos em que o tal de Nikolay está em casa e vasculhar o escritório. O Maxim deve ter um computador pessoal.

— Acho que tem um na sala de leitura que ninguém pode entrar. Umas meninas que trabalham lá já disseram que o lugar é restrito.

— É isso, caralho! — Killian bateu uma palma na outra e riu alto. — Achamos! Gata, você tem que dar um jeito de chegar até esse computador. Aí depois você me liga e eu vou te orientando com o que fazer.

Eu sabia um monte de coisa do que ele fazia. Não tudo, lógico. Mas eu entendia muitos mecanismos que Killian usava. Me estressou um pouco o fato de ele não se lembrar disso.

— Vou tentar.

— Eu sei que você vai conseguir. — Seus braços quentes e pesados envolveram a minha cintura enquanto eu separava nossos pratos. — Vamos embora assim que tudo isso acabar, eu prometo. Você vai ter a vida e a família que tanto sonhou. Teremos filhos lindos e nada nunca faltará para eles.

Apoiei as mãos no balcão à minha frente. Ele estava por trás de mim; o queixo apoiado no meu ombro.

— Melina, estamos fazendo isso pela nossa família. Nós vamos fazer por nossos futuros filhos tudo o que não fizeram por nós. Você entende? É por uma boa causa.

Eu sabia e entendia, Deus sabe que sim, mas eu estava genuinamente me cansando de nadar tanto e nunca ser o suficiente para chegar à areia.

— Depois disso, nunca mais, entendeu? — Murmurei.

Killian me girou e eu fiquei de frente para ele. Seus olhos verde-lodo me sondaram e seus lábios se arquearam num sorriso doce.

— Eu entendi. Nunca mais. Juro.

— Outra coisa...

— Pode falar.

— Você tinha me dito pelo telefone que precisava resistir. Eu pensei que...

— Que eu estava em uma daquelas crises de abstinência, não é? E eu estava. Eu juro. — Sua palma acariciou minha bochecha com todo o cuidado do mundo. — Mas agora está tudo bem. Você está aqui. É o que importa.

Deixei que ele me abraçasse e fiquei com a cabeça apoiada em seu peito. Eu podia ouvir seu coração batendo. Era lento e constante. Killian era tão sorrateiro quanto os próprios batimentos. O tipo de pessoa que te enlaça numa dança coreografada pela mente dele. E quando você vê, já está tropeçando nos próprios pés por causa dos olhos nublados pelas lágrimas.

Eu chorei bastante naquela noite. Nem sabia bem o motivo. Só estava cansada.

Nikolay estava certo quando disse que às vezes parece que não pertencemos a lugar nenhum.

Eu não consegui tirar os olhos da minha xícara de café. O líquido escuro girava como um pequeno redemoinho enquanto eu mexia com a colher, fazendo o açúcar circular pelo recipiente. A fumaça subia rastejando pelo ar, invadindo minhas narinas com seu aroma inconfundível.

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