14. the ear on the wall.

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Ao meio da tarde do segundo dia no Santuário, Esme já tinha começado a se recuperar do estado de completo deslocamento e choque, retornando parcialmente ao seu raciocínio habitual – não como era em Alexandria, com seu senso de comunidade, mas como era quando estava sozinha depois de fugir de Mason pela primeira vez. Tinha sobrevivido, tinha se livrado dele, tinha encontrado pessoas boas e um lugar seguro. Poderia facilmente fazer tudo de novo... Certo?

A resposta era talvez. Porque "não" seria mentira, entretanto, "sim" era utópico demais considerando a energia traiçoeira e caótica que o lugar emanava. Mas a mudança de mentalidade já era um começo, pelo menos.

Continuaria fingindo uma atitude tímida, de qualquer modo. Precisava manter as aparências e tinha plena consciência de classe: em sua posição naquela hierarquia, submissão era a chave para manter a cabeça unida ao pescoço.

Enquanto descia um dos lances de escada de uma longa sequência até o primeiro piso, o cheiro forte de tabaco queimando subiu pelo centro da escadaria. Tinha alguém fumando no térreo, a dois lances de escada de distância de Esme.

Duas pessoas. E estavam conversando.

Esme parou, se encolhendo no canto da escada onde estava para não ser vista enquanto entreouvia os assuntos dos outros. Aparentemente, não era a única que ia ali para se esconder: primeiro reconheceu a voz de Dwight, e então uma voz feminina. Já tinha escutado antes, mas não soube nomear até ouvir um pouco mais.

A garota na enfermaria no dia anterior, estava fumando com Dwight. Mas... não eram as "esposas" de Negan quem não tinham autorização de socializar livremente com subordinados em nível inferior?

Estavam falando de Negan, aliás. Embora infelizmente não houvesse nada demais na conversa que a fizesse valiosa. Apesar dos questionamentos que confirmavam as suspeitas de Esme: Dwight nutria algum sentimento pela mulher, ou não estaria perguntando se Negan a tratava bem, muito menos teria tido aquela reação para o teste de gravidez dela.

Interessante...

Depois de decidir que tinha escutado o suficiente, se levantou, descendo as escadas de forma descuidada – queria ser ouvida para ver qual seria a reação deles.

A aproximação de um desconhecido havia feito Dwight ir embora antes que Esme pudesse se revelar como a desconhecida em questão, adicionando um tempero doce ao que a mente dela estava cozinhando.

Passou por Sherry casualmente, fingindo quase não percebê-la, a não ser por um aceno breve quando já estava alcançado a porta.

...

Não era difícil encontrar Negan dentro do Santuário, o problema era que, quando o encontrou, Dwight e Daryl estavam no cômodo com ele, o que significava que teria que esperar. Não sem escutar a conversa, é claro.

Recostada contra a parede gelada do corredor mal iluminado e vazio, seu coração palpitava forte ouvindo o restante da informação que descobriu por si só. Sabia que Sherry e Dwight tinham alguma coisa antes de Negan surgir na equação, mas não sabia que era tão dramático, tão traumático.

Negan nem mesmo citava o nome de Sherry, falava dela como se fosse um pedaço de carne ao contar a história. Em adição, parecia gostar muito de lembrar Dwight como as coisas tinham acabado.

Sherry tinha uma irmã falecida que precisava de remédios, que os três sendo Trabalhadores não poderiam conseguir com a frequência em que ela precisava. Negan sugeriu se casar com a garota como solução, os três fugiram com os remédios em vez disso.

Esme deduziu que a garota devia ter morrido no processo e, então, Sherry e Dwight foram recapturados. Sherry se ofereceu como esposa no lugar da irmã para salvar a vida de Dwight, e Dwight se tornou um Salvador para salvar a amada e se manter vivo, mas não escapou do preço pela fuga mal sucedida e pelo roubo.

Agora Esme entendia como Dwight tinha ganhado aquela queimadura no rosto. Um ferro quente.

O estômago de Esme embrulhou, os olhos verdes arregalados quando a história abafada pela porta fechada terminou. Que homem doentio!

Mas era exatamente por isso que tinha que fazer o que pretendia. Tinha um medo irracional de Negan e, se ia ficar presa ao covil dele, tinha que ganhar a confiança dele, no mínimo.

Embora também fosse uma tarefa difícil agora que sabia sobre o outro lado da história. Sherry e Dwight não eram pessoas tão diferentes dela mesma ou de Daryl.

O ponto era que eles não eram ela e Daryl, e para lutar por si mesma e por ele, teria que passar por cima de alguns dos seus princípios primeiro. Era o preço mais leve que poderia pagar por qualquer coisa em um lugar como o Santuário.

Quando a maçaneta da porta fez menção de abrir, Esme se moveu para parecer que tinha acabado de chegar. Pareceu funcionar.

— Olha só, Daryl! A sua amiga também 'tá aqui, já tinha esquecido disso? – disse Negan, zombeteiro. Daryl evitava olhar para ela, como se ainda estivesse ressentido. Contudo, Esme não o julgava por isso. – Quem é você?

Esme olhou do líder dos Salvadores para Daryl. Por um momento, ele lhe deu um olhar neutro, como se esperasse que ela fosse capaz de algo melhor, mas a resposta veio sem hesitação, como havia sido instruída a fazer:

— Eu sou Negan. – afirmou Esme, implorando a qualquer deus que existisse que Daryl conseguisse ver o pedido de socorro por trás do olhar fixo nele.

Negan sorriu, percebendo a tensão crescente. Ela já sabia que se ele pensasse que Daryl seria afetado pela interação, exploraria isso ao máximo.

Era o que estava fazendo após ver Daryl dividido, sem saber que não era sobre a proposta de Negan de se juntar ao circo, não. Era sobre Esme.

Ela ainda era gentil, ele podia ver, ou não teria se arriscado para levar comida as escondidas para ele outro dia, e parecia tão receosa quanto no dia em que conheceu o grupo de Alexandria, a única justificativa para os músculos claramente tensos quando ficava em silêncio. Ou era muito ingênuo, ou ela estava tão vulnerável lá quanto ele.

Era uma mudança súbita e drástica de Alexandria para o Santuário, de um ambiente familiar e amigável para um ambiente brutal e opressor. A questão que ficava era de qual lado Esme realmente estava?

Ela estava lidando com aquilo como Dwight tinha lidado, ou estava apenas esperando a poeira baixar? Era confiável, ou estava fingindo? Ela trocaria mesmo o suposto conforto do Santuário e o próprio pai por Alexandria se houvesse a oportunidade?

— Viu só? Não é difícil! – a voz daquele homem ainda arrepiava alguma coisa sob a pele de Esme, lembrando-a a que veio.

O problema era que se Dwight estava ali, saberia que foi ela quem dedurou os encontros dele com Sherry. E, uma coisa a se admitir, era que se ela achasse que pudesse aguentar uma retaliação, não estaria sem sono só de pisar no Santuário.

Estava sozinha, despreparada e num lugar que poderia facilmente ser confundido com o inferno. Não, não era a hora certa. Talvez nem fosse a coisa certa.

— Eu posso? – Indagou, acenando com a cabeça na direção do corredor, sugerindo ir embora.

Queria ir embora do Santuário em si, mas já que não podia, esperava ao menos autorização para ir fazer outra coisa que não fosse servir de instrumento de tortura contra Daryl.

— Vai, vai! – Negan apenas acenou em concordância, inocentemente a assistindo se afastar. Não tinha idéia do que se passava na cabeça dela e ainda não tinha reparado nisso.

Way Down We Go [TWD]Onde histórias criam vida. Descubra agora