O clima na sala era tenso, como vinha sendo desde que havia surgido a necessidade de reuniões assim para tentar encontrar um antídoto para a crueldade de Negan. Uma tempestade recente escorria pelo exterior das janelas, as nuvens pesadas ainda espalhadas no céu tornavam-o ainda mais escuro do que deveria ser naquela fase da lua.
Um mapa estava aberto sobre a mesinha de centro da sala de estar, suas rotas a dispor de todos presentes. Em contraste com o lado de fora, o cômodo era suficientemente iluminado pela luz amarelada das lâmpadas.
Várias armas se encontravam empilhadas no canto, deixadas de lado para que uma conversa ética ocorresse, como deveria ser.
O plano inicialmente apresentado parecia frio, porém eficiente, levando ao silêncio que sinalizava que todos estavam ponderando as alternativas e qual era a possibilidade de sucesso.
Rick, de pé, apontava para o mapa com o dedo sujo de graxa, a voz cheia de convicção:
— Se conseguirmos redirecionar a horda aqui, pelo estrada de terra que vem a noroeste, em dois dias eles estarão contra os muros do Santuário. Eles não vão conseguir sair, não sem perder gente. É o jeito mais limpo de manter eles ocupados.
— Vai ser como selar a tampa de uma panela de pressão. — Eugene murmurou, os olhos fixos nos papéis. — Sem rota de fuga, sem suprimentos... Sem escapatória.
— E sem necessidade de mais sangue nosso. — Rosita completou, os braços cruzados sobre o peito, a aba do boné baixa, fazendo sombra nos olhos.
Então, o silêncio se instalou novamente. Um silêncio que Daryl quebrou com um grunhido abafado, afastando-se da parede onde estava encostado.
— Não.
Foi simples, mas bastou para todos os olhos se voltarem para ele. Algumas sobrancelhas erguidas, alguns cenhos franzidos, alguns olhos arregalados.
Sempre o líder, Rick foi quem tomou a iniciativa de questionar. Calmo, mas com o olhar cheio de curiosidade: — O que você quer dizer? — sem esperar resposta, colocou as mãos nos quadris — Daryl, você viu o que eles fizeram com Hilltop. Com o Glenn.
As orbes azuis do sulista fitaram fixamente o amigo xerife. Lentamente, assentiu.
— Eu sei. — concedeu Daryl, seguido de um suspiro, como se suas próximas palavras não fossem fáceis de verbalizar. — Mas ela ainda tá lá.
— Quem? — Eugene perguntou quase imediatamente, sem temer o peso repentino no ar da sala. Ou talvez sem notá-lo.
Rosita engoliu em seco, abaixando ainda mais o rosto. Michonne olhou para Carl, ambos trocando um olhar de entendimento silencioso. Rick apenas piscou, sabendo de quem se tratava, porém não querendo ceder às próprias deduções tão simplesmente.
Não precisava ser nenhum gênio para saber quem era a única pessoa no Santuário que poderia importar para qualquer um deles.
— Esme. — a voz de Daryl não veio menos firme do que costumava ser, um dos braços gesticulando abertamente ao acrescentar: — Ela ajudou a gente a sair de lá e eu não vou ajudar a matar ela.
— Você acha que ela ainda tá viva? — Michonne indagou baixinho, quase como se estivesse receosa; não pela resposta, mas pelo pensamento por trás das palavras que formulava. — Depois do que ela fez... — deu de ombros, deixando a frase morrer no ar.
Era um medo válido. Negan já havia matado por muito menos. Se descobrisse que um de seus Salvadores tinham roubado armas para um grupo inimigo e subjugado usar em uma retaliação... O cenário que as palavras incompletas de Michonne pintavam foi suficiente para causar um arrepio na espinha de todos.
— Eu vi ela. Ela tá viva. — Daryl protestou, impaciente sem saber dizer o porquê.
Talvez fosse o incômodo de ser o único naquela sala vendo a situação através daquela ótica, ou o modo como parecia que ninguém se importava com tudo que Esme tinha arriscado por eles. Era mais fácil deduzir que ela tinha sido morta por suas boas intenções do que assumir riscos para retribuir o que ela tinha feito.
Durante um momento de desconforto com a velocidade dos próprios pensamentos e o descompasso de seu coração, Daryl sacudiu os ombros, as mãos apertando a alça da besta que carregava pendurada.
A besta que Dwight havia lhe roubado e Esme tinha se preocupado em roubar de volta, apenas para devolver à ele. A recordação o fez suspirar pesadamente.
Rick balançou a cabeça, as mãos ainda repousando nos quadris, embora a destra vez ou outra se move-se, gesticulando para acompanhar suas palavras.
— Daryl... Eu entendo. — garantiu ele, a voz entre firmeza e genuína compreensão. — Mas se deixarmos o Santuário de pé por causa de uma pessoa, mais quantas vão morrer por isso?
Eugene, sentado ao chão ao lado do mapa sobre a mesinha de centro, estremeceu quando a besta de de Daryl atingiu a superfície de madeira. Michonne endireitou a postura e Rosita descruzou os braços, igualmente pegas de surpresa. Carl observou.
Aquela pergunta era apenas a prova de que Rick não entendia absolutamente nada, e Daryl estava cada vez mais frustrado tentando fazê-lo entender.
— A gente tá falando da única pessoa que fez algo por mim quando eu tava sendo tratado que nem bicho naquele buraco. Da pessoa que arriscou a vida pra encher o nosso arsenal de novo, pra gente ter uma chance. — Inquieto, Daryl mudava o peso do corpo de um pé para o outro, caminhando ao lado da mesa. E repetiu, ainda mais convicto: — Eu não vou ajudar a matar ela.
Apenas o barulho do relógio de parede e da chuva no telhado seguiram as palavras dele. Todos se entre olharam pelos cantos dos olhos, o silêncio voltando a pesar.
— A gente acha outra maneira. — Michonne começou, a voz quase gentil uma súplica para a situação não se agravar. Desunião e desavença eram a última coisa da qual precisavam num momento como aquele.
Rosita soltou um suspiro, frustrada. Também não queria Esme morta, isso era mais do que um fato.
Ainda era afeiçoada as memórias que tinha com a Esme que conheceu antes de Negan e os Salvadores; aquela que brincava com seu cabelo e dormia abraçada com ela como irmãs quando são crianças. Aquela que a consolou quando Abraham não poderia ter sido mais babaca e que poderia ouvi-la falar incansavelmente por horas.
— Outra maneira? A gente tá sem tempo... — foi a resposta de Rosita, baixa como se doesse no peito verbalizar a realidade da situação.
— Se ela ainda tá lá dentro a gente deve isso a ela. — disse Carl finalmente, os punhos cerrados com toda sua determinação juvenil. — Ela merece uma chance do mesmo jeito que nos deu uma.
Rick suspirou, a mão direita esfregando o rosto antes de respirar fundo.
— Ela merece, sim. — concordou, balançando a cabeça. — Mas isso está fora do nosso alcance. Não temos outra alternativa, e não podemos tirá-la de lá. — O xerife se voltou para Daryl, gesticulando de novo. — Você tentou uma vez e ela não quis ir embora. Morrer lá é um risco que ela assumiu quando nos deixou claro que devemos atacar e escolheu ficar lá.
Ele deixou as palavras serem absorvidas e, quando cada um pareceu ter se retraído aos seus lugares e posições iniciais, voltando a ponderar de braços cruzados ou cara fechada, Rick acrescentou:
— Ela fez a escolha dela. Não podemos fazer nada sobre isso.
Daryl cerrou o maxilar, mas não disse nada. Também não houve mais nada em sua expressão que entregasse o que se passava em sua cabeça, ou por trás do olhar sério.
— Não muda o fato de que jogar milhares de zumbis lá vai matar gente inocente. E se isso acontecer, a gente vira eles.
Mais uma vez, o cômodo se encheu de um silêncio denso. Ninguém disse mais nada.
Rosita discretamente observou Daryl recolher sua besta e jogá-la de volta sobre o ombro, encarando todos na sala antes de pisar firme, fazendo seu rumo até a saída em botas embarradas e gastas.
— E então? — a pergunta veio de um Eugene hesitante. — E quanto ao plano?
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Way Down We Go [TWD]
FanfictionEntre alianças frágeis, decisões impossíveis e cicatrizes que ninguém vê, Esme descobre que os verdadeiros inimigos nem sempre são os mortos. Com o passado a perseguindo pelos corredores do Santuário e o futuro a espera nos portões de Alexandria, Es...
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