15. still a nurse.

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O Santuário estava em completo silêncio, exceto pelos movimentos sutis de Esme na enfermaria vazia, enquanto ela procurava cuidadosamente por itens específicos, sempre se certificando de colocar as coisas nas quais mexia no exato lugar de onde as tirava.

Era difícil. Demandava muita atenção manter as coisas em ordem, e a adrenalina distribuída por seu corpo com o medo de ser pega em flagrante apenas aumentava o risco que corria de deixar para trás indícios de seu furto.

Depois de encher os bolsos, atravessou o corredor, abrindo a porta da cela de Daryl com cautela. Como da outra vez, ele não disse nada e a luz não iluminava o suficiente para vê-lo com a menor exatidão.

Não por acaso, dessa vez Esme também tinha uma lanterna que, apesar de ligada, manteve voltada para o chão. Tanto tempo naquela escuridão tornaria os olhos de Daryl sensíveis a luz, e não era uma dor extra necessária.

O som das trancas abrindo e das dobradiças arranhando chamou a atenção do caipira, o colocando em alerta. Mas não demorou muito para relaxar: assim que viu os jeans escuros e as botas grossas, reconheceu Esme e, embora não tivesse certeza se podia confiar nela, pelo menos sabia que ela não ia ali para machucá-lo.

— Desculpa, eu não consegui trazer comida hoje, mas eu trouxe água e, se você deixar... eu queria ver como 'tá o seu ombro. – murmurou em um tom gentil, Esme era ainda uma enfermeira, afinal. – Eu só... – mordeu o lábio, sem saber o que dizer, mesmo que houvesse muito para falar. Hesitante, deu um passo dentro da cela, procurando a silhueta de Daryl na pouca luz que sua lanterna produzia. – É seguro me sentar aqui?

Eram exatamente as palavras que tinha usado para se aproximar de Daryl no primeiro dia com o grupo de Rick. Antes de começar a se incomodar com o jeito dele de fazer as coisas – e muito antes de ser tratada como uma ameaça porque Negan achou que seria divertido arrebatá-la para o lado inimigo.

— Não tenho como atirar em você agora. – ele respondeu, não muito mais alto do que ela. Se remexeu, segurando o pescoço do moletom surrado que vestia desde mais cedo para expor o curativo velho para Esme.

— Então atiraria em mim? – questionou, em tom de brincadeira. Esperava que não, mas se sentia inclinada a compreender se fosse um sim.

Ele não respondeu, no entanto, o que ainda fazia Esme pensar que se devia pela resposta ser sim, se ele tivesse que ser honesto. Por outro lado, Daryl ignorou a pergunta de propósito. Não achava que atiraria em Esme, a menos que fosse colocado em uma situação onde não houvesse outra alternativa.

Os olhos azuis a fitaram fixamente enquanto ela se abaixava na frente dele, em seguida, moveu as orbes para acompanhar as mãos trabalhando em seu ombro. A assistiu descolar a parte superior do curativo, limpando delicadamente o ferimento escondido sob ele, e em seguida fazer um novo curativo para proteger os tecidos em recuperação da sujeira, este menor.

Ao vê-la terminar, Daryl tensionou as sobrancelhas quase juntas. Esme havia colado o curativo antigo por cima do novo para encobri-lo e não prejudicar nenhum dos dois, caso voltassem a arrancar as roupas de Daryl e acabassem expondo o segredo dos dois alexandrinos.

— Seu cantil de novo? – indagou em seu típico tom ríspido, mas ainda em um fio de voz, antes de tomar a água levada para ele toda de uma vez.

A marca no canto do lábio de Esme a essa altura já não era evidente, muito menos no escuro, o que a fez pensar que ele estava esperando a alguns dias pra fazer essa pergunta.

Também se sentiu pega no flagra quando ele citou a história do cantil, que ela havia inventado para justificar uma tentativa de estrangulamento que sofreu. Daryl foi um dos poucos, se não o único, que nunca acreditou. E coincidentemente, ao voltar "às origens", Esme havia ganhado aquela outra marca de agressão que acidente nenhum justificava. Ele não era burro.

— Tem algumas lutas que simplesmente não valem a pena. – disse com amargura. Na prática, há muito tempo, Esme já tinha tentado e descoberto que o resultado era pior quando revidava.

Os dois ficaram em silêncio por longos minutos, encarando um ao outro na semi-escuridão. Ela tinha razão, de algum modo, mas Daryl não conseguiu evitar contraria-la:

— Se não lutar, você perde.

— Essas cinco palavrinhas já te arrumaram bastante encrenca por aqui. Eu soube que tentou fugir em plena luz do dia, finalmente ficou maluco? – a voz dela era firme, o olhar sério vigiando a porta ao invés de encará-lo. – Na próxima vez, vão te dar bem mais do que um olho roxo e eu não posso fazer nada 'pra evitar.

Os olhares de ambos se encontraram novamente com dureza, embora fosse difícil para ela ver através dos fios de cabelo longo e sujo que cobriam parte do rosto de Daryl quando ele abaixava o rosto. Era difícil decifrá-lo.

— Eu não pedi ajuda nenhuma. – resmungou quase de imediato, evitando olhá-la.

Esme lembrava dessas palavras. Já tinha dito algo assim para Daryl, e sentiu necessidade de dizer algo como o que ouviu naquele dia.

— Talvez... Mas precisa.

Way Down We Go [TWD]Onde histórias criam vida. Descubra agora