4 Apego

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Marreco,

Pego a garrafa de café que o Farinha trouxe e, após avisar que quando der a hora do almoço é pra ele buscar um rango no restaurante do mirante, entrego a grana pra ele e entro novamente, fechando o portão.

Quando chego na cozinha, ela está fazendo sanduíche com as bolachas, botando um pedaço de queijo no meio delas e fazendo um montinho ao lado, com as que já foram recheadas. Nunca entendi o porquê ela gosta disso. Eu pensei em mandar o Farinha comprar alguma parada, mas me lembrei que tinha visto um pacote dessa bolacha ruim da porra aqui. Quem faz as compras é a Dona Tereza, só dou a grana e ela traz o que quer. Não compra muita coisa porque eu não como, mas ela sempre deixa umas paradas no armário porque pra mim, a maior ostentação é ver o armário cheio. É uns bagulho que a gente passa na infância e que ficam na mente. Foda...

Eu sabia que nada que eu comprasse pra ela comer, seria melhor do que essa gororoba que ela se amarra. Ela sempre gostou dessa porra.

Eu, como ando comendo besteira pra caralho, decidi meter um ovo pra equilibrar.

-Aqui! -Boto a garrafa sobre a mesa na frente dela e ela já tinha pego um copo de vidro pra tomar o café. Busco meu prato com ovo e me sento ao seu lado.

-Sabe quanto tempo eu não comia isso? -Ela cobre a boca cheia com a mão, sorrindo com os olhos.

Faço um nome do pai, lembrando da minha finada veinha e começo a tacar colherada de ovo na boca, rindo dela.

-Obrigada, sério! Que delícia! -Ela bebe um gole de café pelando, assoprando um pouco, antes de virar outro gole.

-Nunca entendi seus gostos, papo reto. -Tiro o radinho, que estava me incomodando pendurado no bolso, e deixo sobre a mesa.

-Tá passando um filme na minha cabeça...A gente planejava tanta coisa...-Ela me olha, meio contente, meio triste.

-É, é foda... Na minha também se passa varias fita. 

-Ainda estou tentando me acostumar, é tão inacreditável! -Ela leva a mão no meu ombro. -Eu quero muito que a gente consiga ser feliz, mesmo depois de tudo, dessa confusão toda! Acho que a gente merece... -Sua mão sobe pro meu rosto e ela faz um carinho na minha barba.

Eu queria falar várias paradas, papo de que quando comprei a casa pensei nela, quando vim morar aqui pensei nela, quando mandei por dos melhores bagulhos, pensei nela. Ela sempre teve nos meus pensamentos. Mas não consigo falar, sabe como? A gente que é sujeito homem tem essas pira, esse lance de não querer parecer viado, de ficar pagando madeira; não vou falar. Não vou falar que todas que já moraram aqui, nunca ninguém significou nada pra mim, perto do que tá sendo ter ela aqui comigo hoje. Porque sempre quem eu quis era ela, as outras eram importantes, cada uma a sua maneira, mas nem se compara. Porque desde que eu era um nada, quem sempre esteve do meu lado, planejando como seria tudo, foi ela. E ela não pode usufruir de tudo que conquistei, mas agora é tudo dela, tudo pra ela. Eu não tenho família, tenho meu irmão e meu sobrinho que, porra...Me amarrei no moleque, só pela foto, mas quem eu queria que pudesse partilhar dos meus bagulhos não tá mais aqui. Que era minha vó, meu pai, os amigos das antigas que se foram.

Terminamos de comer em silêncio e quando acabamos, chamo ela pra mostrar o quarto. 

Quando abro a porta, ela olha tudo atenta, cada mínimo detalhe, parece ter gostado. Meu quarto é maneiro, tem uma vista pica, tem luz de led colorida, tem espelho pra todo lado, banheira na suíte, sistema de som, tv gigante. Sou enjoado, sempre fui, sempre gostei do melhor.

Ela está parada no meio do quarto e eu, de braços cruzados atrás dela. Ela se vira, sorridente.

-Que lindo! -Diz, animada.

Love na Rocinha 2 (DEGUSTAÇÃO) Onde histórias criam vida. Descubra agora