8 Propósito

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Bruno Kaio, BK
(Complexo do Lins)

"Invejoso sai do meu pé, uh sai pra lá
Cê só fica no meu pé querendo copia
Na vida é assim, um mano pra invejar
Apertando um finin' que nóis vai decolar

Operação de manhã cedo
Um palmeia o beco
Que eles é otário, eles tá com medo
Dia a dia é nóis sempre no plantão
Menor revoltado de fuzil na mão

Já passei muita dificuldade na vida
Por isso que eu não desperdício uma batida
Quando comecei foi poucos que acreditou
Hoje tá vendo que o avião decolou

E do meu lado só os puro e verdadeiro
Minha mesa hoje já tá cheia de parceiro
Tranquilidade pra quem desacreditou
Hoje tu pode ver onde os menorzinho chegou"

Do meu ponto de vista aqui na laje do meu cafofo, tudo lindo! Complexo tá tranquilo desde que tomei o comando. Infelizmente, foi devido a perca do meu tio, que era um pai pra mim. Minha mãe engravidou de um cuzão, um playboy de merda que não sei nem o nome e nem faço questão de saber, pra falar a verdade. Mas minha mãe fala que ele é rico, que é pintoso, tem olho azul igual o meu. Diz ela que o cara era o pegador na época. A coroa era gatona também, é ainda. Morro de ciúmes, ali ninguém encosta. Mas o playba se apaixonou pela minha mãe e meteu o louco, até conseguir o que queria.

O merda, quando soube que minha mãe estava grávida, sugeriu de cara que ela me abortasse. Já naquela época meu tio era o frente aqui do Lins, cuidava e zelava pela familia, principalmente pelos pais e pela irmã, que era minha mãe. Minha mãe era nova, fraga? Tinha só dezessete e caiu na besteira de se envolver com esse pau no cú, iludida com bagulho de amor. Quando ela falou pro arrombando que ele querendo ou não, ela ia ter a criança, o cara meteu o pé e se eximiu de toda responsabilidade. Ela não sabia como ia cuidar de uma criança sozinha, levando em consideração que nem trampo tinha, tentou esconder a gravidez até onde deu, do meu tio e dos pais, mas no fim não teve jeito. Meu tio descobriu, ficou bolado de início, mas acabou me criando como seu filho e supriu toda necessidade de um pai, que pra ser bem sincero, só foi o doador de esperma mesmo.

Nisso, minha coroa nunca mais se casou, a vida dela era cuidar de mim e dos meus avós, deles ela cuida até hoje, nunca abandonou os coroas. Meu tio me deu de tudo, cresci tendo tudo do bom e do melhor, ele era meu ídolo, o cara que eu mais amava, e as vezes me chamava até de filho. Era meu padrinho de batismo. Eu tinha uma ligação fora do comum com o Gralha, o cara era foda pra caralho, justo, mas tenebroso em igual proporção. Ele era novão, entrou pro crime aos dezoito e aos 26 já era frente, quando morreu tava a poucos dias de completar 33; idade de Cristo. A família era contra a vida errada dele, mas acabaram aceitando porque ele não iria mesmo se afastar. Ele sempre me dizia que ia me preparar pra tomar o lugar dele, mas que ia esperar eu ter idade primeiro. Caô, teve nem tempo. Numa invasão dos alemão, eu tava na rua moscando, jogando gude com a molecada, quando os tiros começaram. A gente se escondeu atrás de uns carros, -não dava mais tempo de ir pra casa- eles estavam em todos os cantos. Pra te falar a verdade, eu nem lembro direito como aconteceu, só lembro de um filho da puta me arrastando pela camisa e ele gritava: "É o moleque, é o filho do Gralha!" Geral me conhecia como filho dele naquela época, sabiam que eu era sobrinho, mas eu era tido como filho.

Eu lembro até hoje daquele arrombado me olhando com cara de maluco e rindo. Ele usava uns dentes de ouro e umas dedeiras com as letras M e R. Eu tinha só doze anos na época, mas tinha idade pra saber que era o Marreco da Rocinha, aquele filho da puta. Ele era soldado do antigo dono da Roça, o Paviu.

Ele passou um rádio pro meu tio, avisando que tava comigo, que queria encontrar meu tio em algum canto. Eu já era embaçado desde de sempre, mandei ele se foder e que poderia me matar, mas que deixasse meu tio em paz. Ele só ria, o desgraçado só ria. Puta ódio tenho desse maluco.

Love na Rocinha 2 (DEGUSTAÇÃO) Onde histórias criam vida. Descubra agora