10 -Todo amor do mundo

66 2 0
                                    

Yanka,

Estar novamente no PPG é ao mesmo tempo bom e também muito ruim. É bom estar novamente em casa, em um lugar que tenho como lar (Levando em conta que mesmo morando um bom tempo na Europa, nasci e me criei aqui), mas também é muito difícil estar em meio a um turbilhão de lembranças. Foi tudo muito rápido desde que meu pai morreu, as coisas sucederam uma atrás da outra, e isso me assusta um pouco. O tempo está voando, mas mesmo assim parece que foi ontem que ele me deu aquele último beijo na testa. Agora, irei retomar de onde parei e de onde nunca deveria ter saído; meu lugar é aqui.

Resolvi vir dirigindo e, nem o Marreco, nem a Barbie, nada esteve nos meus pensamentos durante o trajeto, somente meu pai dominou as minhas lembranças. Acho que quero meio que, fugir um pouco dessa nova realidade e me reconectar com a minha essência que é minha família, minha favela, minhas amigas, meu pai. É como se, enquanto subo esse morro, pudesse senti-lo junto a mim. Eu o sinto sempre, as vezes me pergunto se é loucura, mas também sei bem lá no fundo que não. Sei que quando morremos não acaba, que a vida continua, e, mesmo distante da minha espiritualidade um pouco nos últimos tempos, continuo sentindo a energia do meu pai. Oro todas as noites por ele, o amo muito, muito mesmo. Quero muito que ele saiba disso, onde quer que esteja.

Quando passo pela pichação no muro e vejo o nome dele lá, de todo tamanho para quem quiser ver, mostrando o orgulho que a comunidade tem dele, abro um sorriso. Não é bem que ser traficante seja motivo de orgulho e que seja a coisa mais linda da vida, porque não é, quem é do movimento muitas vezes não sente orgulho disso, na maioria das vezes os familiares da pessoa até sentem vergonha de contar que são parentes de um bandido. Mas no caso do meu pai o orgulho da comunidade não é pelo Baiano- O traficante, é pelo cara que ele sempre foi como pessoa. Sempre do bem, da paz, sempre disposto a ajudar a qualquer um e a todos. Sempre buscando as melhores soluções para os moradores, evitando decisões que pudessem pôr a integridade deles em risco, sempre sendo justo e o mais importante, humilde. Acho que não tinha um morador que meu pai não conhecia e que não gostasse dele. Sempre era convidado a almoçar na casa de um e de outro, tomar um café... eu amo ele por isso. Por ter me deixado um legado tão lindo. Quer dizer, olhando pela visão de poder dar suporte aos moradores, porque também não acho uma grande vantagem bater no peito e dizer: Sou herdeira do tráfico. Tenho noção das coisas.

Vivi e Jéssica estão caladas desde que saímos da Rocinha, não tem muito o que dizer também. O negócio agora, é erguer a cabeça e tocar o barco. Não estou abalada, na verdade nem sinto nada em relação ao acontecido, até minha raiva já passou. Sinto na verdade, muito orgulho de mim mesma, foi uma experiência que serviu de aprendizado e, agora posso dizer com louvor que aprendi a me valorizar como mereço. As palavras da minha mãe me veem na cabeça; eu sorrio discretamente sem deixar as meninas notarem— Elas parecem distraídas. Vivi no celular, no banco da frente; e a Jessica com o fone de ouvido, pelo que posso ver ao conferir no retrovisor, quase dormindo. Volto a pensar que minha mãe sabia, (mãe conhece) que eu iria precisar aprender da maneira mais difícil que não ficamos onde não cabemos. Não devemos nos diminuir para caber em lugar algum, e a Barbie Girl veio para me mostrar que sempre tem alguém que te ama em toda sua grandeza, sem que seja necessário se retalhar. Espero que possamos nos reencontrar, comigo já muito mais bem resolvida e pronta para ser a minha melhor versão, a mais autentica Yanka, pra ela.

—Meninas, vão ficar em casa comigo ou vão pra casa de vocês? — Pensar em ficar sozinha é desanimador, mas não posso obrigar elas a ficarem grudadas comigo o tempo todo. Elas têm suas vidas, a Vivi tem o filhinho dela, a Jéssica tem suas coisas; não dá para ficarem a minha disposição.

Elas perguntam se quero que fiquem e, apesar de querer muito, digo que não precisa, que vou ficar bem. Falo que vou ligar pra Madrinha vir e me fazer companhia e, elas então, concordam. Após deixar cada uma em sua casa, chego a minha. A casa grande e vazia que me aguarda e me aterroriza. Será que vou conseguir entrar, olhar aquela varanda e me manter calma diante das recordações que ela contém? Só tentando para saber!

Love na Rocinha 2 (DEGUSTAÇÃO) Onde histórias criam vida. Descubra agora