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Naty,

Nos sentamos em um sofá, -eu e a Ester - e minha mãe se senta no outro, ao lado da moça, da mãe daquele cara estranho. Eu não sei porquê meu pai nos trouxe aqui, eu não queria vir, não tenho interesse algum em conhecer esse homem e nenhuma dessas pessoas. Estou odiando estar aqui nessa favela. Tem, acho que, uma semana e pouco que estamos aqui e eu, até então, não tinha visto esse tal Bk, por mim nem veria. Sei lá...não é com ele meu problema, e sim, com esse lugar, com essa situação, e, principalmente, com meu pai.

As pessoas dizem que pensamentos negativos atraem coisas negativas, mas ultimamente não consigo pensar nada de bom, só consigo chorar e sentir raiva. Meu pai sempre foi um grande pai, sempre me dei muito bem com ele, apesar de seu gênio forte e de algumas vezes ter presenciado algumas brigas feias dele com minha mãe. Até ai tudo bem, porque nunca vi nada demais, nada além, sempre ouvia os gritos deles, mas eles sempre evitaram brigar na nossa frente. Porém, um dia, ouvi tipo o barulho de uns tapas vindo do quarto deles (sempre todas as brigas aconteciam no quarto deles). Então comecei a bater na porta e não obtive resposta, mas meu pai saiu furioso em seguida e entrou no carro dele, sumiu no mundo. Eu devia ter uns 17 naquela época, foi a primeira vez que ouvi qualquer coisa além dos gritos. Eu entrei correndo no quarto e minha mãe estava no chão, chorando, com o rosto vermelho. Eu levei um baque naquele momento e não sabia o que fazer. Eu estava com a Ester no quarto dela, porque sempre que ocorriam as brigas eu corria pra lá, pra tapar os ouvidos dela, ou pra por um desenho no meu celular pra ela assistir com fones de ouvido. Não queria que minha irmã ouvisse aquilo. Mas na hora do susto, sai correndo e não me lembrei dela.

Ali estava ela, atrás de mim com o celular nas mãos, a carinha assustada, os fones de ouvido caídos no ombro. Estávamos nós duas olhando nossa mãe chorando no chão, com os fios de cabelos grudados no rosto, e nossa única reação foi nos juntar a ela e a abraçar. Choramos as três juntas e, depois que minha mãe inventou uma mentira pra Tetê (é assim que chamo a Ester), levei ela pro quarto e fiquei lá, até ela dormir.

Mas eu queria entender o que tinha acontecido. Não era normal aquilo, os gritos, as brigas, isso era rotineiro, mas os tapas...Eu estava apavorada, não queria acreditar que meu pai pudesse ter feito o que eu achava que ele fez.

Busquei uma água na cozinha e abri a porta do quarto da minha mãe. Ela já tinha se deitado na cama, mas continuava chorando. Quando lhe dei a água e me sentei ao seu lado, ela se sentou também, e acho que ela sabia que precisava ter uma conversa franca comigo. Eu já tinha idade para entender e queria explicações.

Mas foi muito pior do que eu pensava quando ela me contou que sofria agressões pequenas do meu pai direto. Eram puxões de cabelo, beliscões, apertos no braço, enforcadas, mas naquele dia a coisa tinha sido ainda pior. Ele realmente a encheu de tapas e socos, o rosto dela estava vermelho, inchado, onde o cabelo estava tampando, depois que ela tirou deu pra ver o sangue; sangue no canto da boca, no supercílios.

Eu pedi que ela me explicasse melhor, porque eu não conseguia entender como um pai tão amoroso, um cara tão bom como eu pensava que meu pai era, pudesse ter feito aquilo. Quando ela me contou tudo, tudo mesmo, disse por fim que aquela era a gota d'água e que iria denunciar ele. Eu na verdade, não estava raciocinando, minha ficha não caia porque eu amava e amo ainda meu pai. Mas, na minha ignorância, mesmo sendo tão leiga nesse assunto,  sabia que ela não poderia aceitar aquilo e a apoiei. Meu pai não voltou naquela noite, na manhã seguinte eu fui pro curso e a Ester pra escolinha. Quando chegamos em casa na hora do almoço, meus pais anunciaram a separação. Eu chorei, a Tete chorou, minha mãe  e até meu pai.

Ele fez um discurso pedindo perdão, afirmando que estava arrependido, mas que considerava ser melhor se afastar para que aquilo não viesse a se repetir, porque nas palavras dele, ele estava fora de si. Então eles se separaram, fiquei um tempo meio estranha com ele. A Tete não, porque ela não tinha capacidade de entender a gravidade daquilo ainda, ela é só uma criança, mas eu entendia e isso foi muito duro de engolir.

Love na Rocinha 2 (DEGUSTAÇÃO) Onde histórias criam vida. Descubra agora