- Rodolffo a vida é curta. - assim comecei a lhe falar. - Um dia estamos felizes e bem, no outro só Deus sabe. E não te digo isso por que todo mundo diz, eu tenho experiência de vida para te dizer essas palavras.
- Juliette... Eu sei que a nossa vida é um sopro. Sou médico e posso lhe dizer que somos nada nessa terra.
- Mas eu posso lhe dizer que a dois anos atrás eu era outra pessoa. Eu tinha tudo e num domingo a noite, de volta para casa, perdi tudo.
Rodolffo me ouvia e me olhava atento.
- Eu tinha meus 26 anos, casada com o único homem que me envolvi emocionalmente, mãe de um menino de 3 anos e grávida de cinco meses, quando uma carreta acertou o nosso carro em cheio e matou meu marido na hora. O impacto foi tanto que ele foi amassado e o nosso filho também. Mas eu não tive a mesma sorte.
- Não diga isso, pelo o amor de Deus. Então a cicatriz que a Elisa falou...
- É das duas cesarianas que fui submetida. Meu bebê de cinco meses foi retirado vivo porém não resistiu. Eu tive um coágulo no cérebro e fiquei em coma, mas consegui me curar totalmente dos problemas do corpo, mas meu íntimo nunca mais voltou a ser o quê era.
- Eu sinto muito. Que Deus te renove as forças diariamente.
- Elisa tem renovado minhas forças, mas vê a forma que a tratam me arrasa de novo. Ela não merece Rodolffo, ainda é uma bebê. Quer colo, amor e carinho. Ela só tem a ti, já que a mãe não está aqui e dona Ivone não a suporta.
- Minha mãe é uma mulher seca. Muito objetiva, tem pouca paciência.
- Mas é preciso ter paciência. Ela é tão carinhosa.
- Elisa é fruto de uma aventura Juliette. - ele suspirou profundamente. - Eu tenho hoje meus 33 anos e quando conheci a mãe da Elisa, uma cretina chamada Camila, tinha apenas 29. Mas eu era um cara legal para a minha idade, tinha muito foco, já tinha concluído a pós em cirurgia geral e estava operando e além disso, tinha defendido meu mestrado, sendo aprovado com louvor. Era uma sexta-feira e eu que nunca saia me permitir ir numa boate famosa aqui na cidade.
Eu o ouvia atentamente.
- Acredite se quiser, mas eu nunca tive uma namorada. - ele deu uma risada nervosa. - Eu sei que é ridículo, mas sou péssimo em paquera. Meus estudos eram sempre mais importantes e meus pais pegavam no meu pé, mas também nunca surgiu alguém que eu quisesse namorar e nunca liguei com isso. Mas ao colocar os olhos em Camila um encanto instantâneo me abateu. Ela era linda, alegre, livre e isso é muito o meu oposto. Ficamos naquela noite e rolou tudo de primeira.
- Foi nessa noite que fizeram a Elisa?
- Não. Foi em outro encontro, acredito eu que tenha sido o terceiro. Fui ingênuo e sonhador na mesma medida, errei em ter transado sem camisinha, mas no fundo eu queria experimentar a sensação, porém minha escolha foi ruim. Não digo isso pela Elisa, mas por todo o resto. Camila era uma bela mulher, mas não era só minha. Descobri depois do anúncio da gravidez de Elisa, que ela era garota de programa e meu mundo caiu.
- Queria casar com ela?
- Quando o anúncio da gravidez veio, eu queria demais. Para mim nada ia impedir que eu construísse a minha família. Mas mesmo me vendo totalmente desestabilizado, ela terminou de me explodir. Talvez foi sua tentativa de me prender, mas foi tão baixo que não suporto até hoje.
- Não diga que ela disse que a Elisa era de outro?
- Não mesmo.
Rodolffo pensou um pouco para continuar.
- Ela me mostrou alguns exames de sangue e neles tinham um, em específico, que me deixou com vontade de matar aquela mulher.
- Meu Deus...
- Juliette eu tenho o vírus da AIDS. - abri a boca e arregalei os olhos alarmada.
- Mas como pode ser cirurgião nessas condições?
- Eu tomei coquetéis e sou indetectável, mas isso não significa que eu sou um homem com a saúde plena como antes.
- E a Elisa?
- A Elisa é saudável. Não tem o vírus e nasceu de parto cesariana. Eu cuidei de tudo para que aquela mulher tivesse uma gravidez confortável, que ela tomasse os remédios, mas assim que pôde caminhar abandonou a filha sem olhar para trás. Nunca mais tive notícias e não as quero. Camila é um pesadelo que eu nunca mais quero ter.
Eu estava totalmente chocada. Não tinha nem palavras.
- Agora vai me entender um pouco. Eu tenho defeitos como pai, mas o meu trabalho e a Elisa são a única vida que eu tenho.
Rodolffo tinha os olhos marejados.
- Não tenho coragem de seguir adiante. Não tenho vida social. E mesmo que eu possa encontrar uma parceria soro positivo, talvez ainda não dê certo. Já uma mulher sem o vírus, também nem pensar.
- Mas existe a camisinha e se não é detectável o vírus em você, simplesmente o vírus não se transmite.
- Não confio totalmente na camisinha e se a minha imunidade baixar eu posso sim transmitir.
- Não deve ser fácil e ainda mais quando se é médico, e sabe de todos os riscos. Mas não duvida que a Elisa é sua, não é?
- Ela é minha e não precisei de DNA para isso. A mãe de Elisa é loira, de olhos claros e ela saiu parecida comigo, temos um sinal de família em comum e em nada ela se parece com a mãe.
- Não mesmo. Elisa é maravilhosa.
- Juliette eu só queria a minha vida de volta. Claro que com a Elisa nela, mas eu me sinto sozinho, nunca vou ter a família que eu sonhei.
- Eu também me sinto assim, mas ao menos pude ter uma família. Mesmo que hoje eu não tenha nada, um dia tive tudo, mas infelizmente as coisas não são como queremos Rodolffo.
Me levantei da poltrona e Rodolffo ficou de frente a mim.
- Posso te dá um abraço? - ele me perguntou e eu não recusei.
Recebi seu abraço e foi o mais apertado que eu já pude experimentar. Ao fim, nos olhamos e eu senti uma ansiedade com aquilo. Me despedi e sai do seu quarto.
...
Vi Juliette sair do meu quarto e engoli no seco a vontade de morar no seu abraço. Nós dois temos histórias tão doloridas e cheia de situações que fugiram ao nosso controle.
Tantos caminhos que pareciam certos e se tornaram tortuosos. Mas ainda estamos vivos, o calor ainda habita os nossos corpos, e o desejo ainda habita o meu.
Era inegável que eu sentia alguma coisa por ela. Talvez fosse atração física, mas eu não podia sentir isso por que o meu medo me paralisava e também por que ela não se mostrava disposta a um recomeço.
Depois de me recompor fui ver minha pequena bela adormecida e depois busquei Juliette que estava na cozinha.
- A viagem está de pé. O carro está pronto e eu vou buscar. Pode arrumar a sua mala e a da Elisa. Esse fim de semana será de alegria. - disse antes de sair para buscar o automóvel.
...
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Os Caminhos (In)certos
FanfictionO quê reserva o destino para duas pessoas machucadas?