Capítulo - 3

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O prognóstico do Dr. Lecter fora preciso. A dor durou por dias após o ataque, mas o sangramento parou depois de dois. Ele ainda mancou por um tempo e segurou as costelas doloridas enquanto caminhava. Mas se as cicatrizes fossem mais profundas do que isso, ele guardou para si.

Ele não abordou Lecter sobre a oferta, e Lecter continuou cuidando de seus negócios como se nunca tivessem se falado. Will teve a impressão de que estava esperando por alguma coisa, e a paciência não parecia ser um atributo contra o qual ele lutava. Na verdade, Will tinha a sensação de que Lecter estava esperando há muito, muito tempo.

Horas se passaram e depois dias, semanas. A vida institucional prosseguiu com indiferença. Will viu os guardas observando-o um pouco mais de perto do que os outros, e não achou isso nem reconfortante nem assustador. Elas não interviriam se os Irmãos tomassem outra atitude, ele tinha certeza disso, mas a vigilância deles sugeria uma agenda que ele não conseguia compreender. O capataz da lavanderia trabalhava com ele com a mesma intensidade de sempre, embora fosse evidente que ele estava sofrendo, e o repreendia quando ele se movia devagar demais. Ele dormia como um morto à noite; nem mesmo os pesadelos conseguiram acordá-lo. Gradualmente, Will se retraiu, mal falando ou fazendo contato visual com uma alma, e esperando em vão que o pior já tivesse passado.

Mas Lecter estava certo sobre outra coisa. Apenas duas semanas depois do primeiro ataque, os Irmãos vieram procurá-lo novamente.

E então novamente.

E novamente.

E em pouco tempo ele perdeu a conta.

Ele lutou sempre, apesar de Dolarhyde ser muito maior e mais forte do que ele, apesar de lhe terem batido mais do que teriam feito se ele não o tivesse feito. Algumas vezes, isso o levou à enfermaria. Dedos quebrados. Uma concussão grave. Duas costelas fraturadas. Para eles não era nada de mais, embora o médico sempre soubesse. Todo mundo sabia.

Às vezes ele conseguia combatê-los por tempo suficiente para fugir. Às vezes não. De vez em quando, ele aparecia no quintal com hematomas recentes no rosto e no pescoço. Uma marca de mordida recente sangrando em sua roupa.

Foi assim que aconteceu por um tempo. Essa era a rotina de Will.

Aqueles primeiros três meses foram os piores para ele. E se as coisas tivessem continuado assim, o lugar poderia ter levado a melhor sobre ele. Mas quando o inverno frio deu lugar a uma primavera úmida e fria, algo mudou. Tudo começou com um cigarro e uma partida de xadrez.

Era segunda-feira, embora os dias da semana não importassem muito dentro daquelas paredes, onde meses inteiros podiam passar sem que nada mudasse. O céu estava escuro, uma chuva nebulosa caía. Mas o tempo no quintal era tempo fora da cela e não devia ser desperdiçado. Os detentos circulavam, conversando. Os guardas observavam do alto, com as mãos apoiadas nos rifles.

Will estava sozinho, como quase sempre acontecia naqueles primeiros dias, sentado à sombra do prédio da administração, de costas para a parede, olhando para o nada em particular com seu único olho bom. O outro estava inchado e fechado. Seu rosto era uma aquarela de hematomas, roxos profundos e marrons velhos e desbotados. Dois dedos de sua mão direita foram imobilizados e enfaixados.

Ele estava perdido em pensamentos que não eram saborosos. Ele não percebeu o outro homem se aproximando até estar bem ao seu lado.

“Importa-se se eu sentar?”

Will inclinou a cabeça e olhou cansado para o homem. Era um dos amigos de Lecter o magrelo de cabelo escuro que precisava de um pente. O homem parecia nervoso, desconfortável.

Will voltou a olhar para o quintal e não disse nada.

Zeller esperou um pouco até que Will lhe dissesse para sumir, mas Will não disse nada, então se agachou na terra ao lado dele, os cotovelos apoiados nos joelhos, os pulsos pendurados entre eles. Will não se mexeu nem deu qualquer indicação de que tinha companhia. Ficaram assim por alguns minutos, nenhum deles com pressa de quebrar o silêncio. Na prisão, o tempo passa de maneira diferente do que fora dela. Ele diminui e flui; mas na maioria das vezes, simplesmente estagna.

REDENÇÃO (HANNIGRAM)Onde histórias criam vida. Descubra agora