Capítulo - 2

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A primeira noite é sempre a mais difícil.

Para um homem como Will Graham, que sabia ter feito algo terrível, mas não se lembrava do ato em si, aquela primeira noite foi nada menos que uma tortura. Em circunstâncias diferentes, ele poderia ter chegado perto da loucura. Mas Will Graham já havia feito aquela dança há muitos meses. A loucura não trazia nenhum conforto para ele.

Ele se levantou com a primeira luz fraca do lado de fora de sua janela. Tinha sido uma longa noite olhando para o beliche de cima e ouvindo qualquer som que indicasse que Lecter havia sucumbido ao sono. Um ronco suave, um rangido das molas da cama quando ele rolou. Mas não houve nada. Nem um pio.

Era possível, claro, que o homem da cela vizinha fosse apenas um dorminhoco imóvel e silencioso. Porém, instintivamente, Will sabia que Lecter estava acordado e que também estivera o ouvindo.

O bloco de celas começou a despertar. Will mijou e escovou os dentes, parando para olhar seu triste reflexo no pequeno e desgastado espelho de barbear acima da pia. Ele passou a mão pelo queixo, sentindo o primeiro vestígio de barba por fazer na palma da mão. Seu advogado havia insistido para que ele estivesse barbeado no tribunal, apesar de todo o bem que isso lhe fizera, e ele agora tinha plena consciência de como isso o fazia parecer jovem, de como isso o fazia parecer infantil, vulnerável, pensou ele, com um estremecimento. A barba por fazer não poderia vir com rapidez suficiente.

A lâmpada presa no teto acendeu meia hora depois, enquanto Will fazia flexões no chão de sua cela. Ele se levantou e vestiu pela primeira vez as calças azuis ásperas e a camisa azul acinzentada com um número costurado no peito que constitui a maior parte de seu traje nos anos seguintes. Enquanto apertava os botões, ele parou por um momento para ouvir novamente os sons da cela ao lado. Silêncio. Ou Lecter não se mexeu desde a noite anterior, ou poderia fazê-lo com um silêncio assustador quando quisesse.

Às seis, as fechaduras foram arrombadas e as portas das celas abertas. Do outro lado das fileiras, os presos saíam de suas celas para a contagem matinal. Will seguiu o exemplo, lançando um olhar furtivo para Lecter enquanto o fazia. O homem estava perfeitamente ereto, com o colarinho abotoado, o cabelo penteado, as mãos cruzadas atrás das costas. Se não fosse pelo uniforme da prisão, ele poderia ter sido confundido com um homem indo para o escritório.

Crawford demorou vários minutos, após os quais os internos foram conduzidos ao refeitório para o café da manhã. Will entrou na fila e manteve a cabeça baixa, ciente de vários pares de olhos predatórios avaliando-o enquanto ele passava. Ele aceitou sua bandeja de comida e sentou-se a uma longa mesa que estava, naquele momento, desocupada. Assim que pousou a bandeja, viu Lecter aproximar-se. Seu coração parecia ficar preso na garganta.

A prisão é um espaço finito, sussurrou uma voz em sua cabeça. Por quanto tempo você realmente esperava evitá-lo? Se ele quiser encontrar você, ele o fará.

Lecter nem sequer olhou para ele. Ele sentou-se mais abaixo na mesa, onde logo depois se juntaram a outros dois presidiários. Will soltou o fôlego lentamente.

Ele estava apenas brincando com você,  pensou.  Assim como todo mundo.

Ele não é como todo mundo.

Mas ele está entediado. Ele está aqui...o quê?... deve fazer pelo menos uma década. Ele estava brincando com você para se divertir, nada mais sério do que isso.

Exceto que ele sabe que você era policial. Isso é muito sério.

Will percebeu que ainda segurava a bandeja com força suficiente para deixar os nós dos dedos brancos. Ele desenrolou os dedos lentamente e pegou o garfo. Mas sua mente não estava na comida.

REDENÇÃO (HANNIGRAM)Onde histórias criam vida. Descubra agora