Capítulo 03

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— Falar para preparar sangue sempre resulta em ter que lidar com sangue — resmungou a Dra. Melada com a frustração evidente em sua voz, enquanto observava a ambulância levar duas pessoas feridas. Uma delas era a refém, tia do criminoso, e a outra era o próprio agressor, que havia sido atingido por uma bala de 11 milímetros disparada por Mintara, perfurando sua cavidade abdominal.

Melada estava segura, mas a situação havia sido crítica. Sem a experiência de campo que ela possuía, Mintara não teria conseguido lidar com a tensão, nem com a proximidade de uma bala que poderia ter atravessado o corpo esguio de Melada. A hesitação do criminoso, sua excitação e as mãos trêmulas revelaram o quanto ele estava apavorado e confuso, ainda sob o efeito das drogas. Quando Melada se aproximou, ele disparou em um ato desesperado, felizmente, ela se esquivou a tempo.

— Nos encontramos depois de anos e você quase me mata — disse Mel, tentando brincar com a situação, mas a seriedade no rosto de Prae não permitiu que ela sorrisse. Fixou o olhar na ex–namorada, que estava sentada no banco do passageiro, descansando e recuperando o fôlego — Por que está me olhando assim?

— Acho que talvez tenha cometido um erro — Mintara diz após uma breve pausa. Ao cruzar olhares com Mel, a compreensão entre as duas foi instantânea. Mesmo sabendo que o trabalho era perigoso, Melada era a única pessoa em quem Mintara confiava, alguém em quem ela sabia que podia contar em situações críticas.

Além disso, havia a confiança em um nível mais pessoal. Mintara havia cometido um grande erro ao se afastar de Melada, apesar de terem trabalhado juntas e namorado por quase cinco anos. Após um abrupto término, ela desapareceu, Prae não atendia chamadas, nem respondia mensagens. Cerca de uma semana depois, Mintara soube que Melada havia apresentado sua demissão e desaparecido da vida dela também.

Ela ouviu a ex suspirar antes de ajustar os óculos no nariz: — Eu já te disse para pensar bem antes de agir. Achei que, após todos esses anos, você teria amadurecido

— De qualquer forma, você sempre me vê como uma criança — respondeu Prae com um sorriso amargo — Vamos, vou te levar até em casa

— Eu ainda tenho que voltar para o departamento — disse Melada, relutante.

— Então, vamos ao departamento procurar algo para comer, e depois te levo até sua casa

— Prae, você não pode fazer isso — Melada disse com firmeza — Você precisa me dar tempo para decidir. Olha, é a primeira vez que te vejo em três anos e, duas horas depois, estou sendo atingida por uma bala. Eu estive fora desse trabalho há algum tempo, talvez não seja mais para mim

— Eu nunca esqueci o que você disse — respondeu Mintara, fazendo Mel levantar uma sobrancelha.

— Sobre o quê?

— Se você tiver a chance de evitar que uma situação se transforme em tragédia, você deve fazê-lo — Mintara disse — Chegar ao local da captura de reféns é sempre melhor do que entrar em uma cena de crime. Pelo menos, as vítimas ainda estão respirando

As palavras de Mintara fizeram Melada suspirar profundamente. Ela estava absolutamente certa. Aquela era uma lição que Melada havia ensinado quando ainda trabalhavam juntas. Naquela época, Mel também era treinadora técnica da equipe.

— Mesmo que eu tenha sido uma péssima namorada, eu fui uma excelente aluna — acrescentou Mintara, com um sorriso no canto dos lábios.

— Eu não vou discordar disso

— Qual deles... a namorada ruim ou a boa aluna?

— Talvez ambos — respondeu Mel com um leve e triste sorriso no canto da boca — Bem, agente Mintara, acho que preciso ir agora — Após dizer isso, ela se levantou e deu um tapinha encorajador no ombro de Prae — Dê tempo a si mesmo — ela disse antes de se dirigir à rua.

Desta vez, Mintara não tentou detê-la, apenas observou a ex-namorada se afastar até desaparecer de vista. Ela também precisava dar tempo a si mesma para refletir. — Eu ainda uso o mesmo número, okay?

Após aquele encontro, Prae não recebeu mais nenhum contato de Mel. Duas semanas se passaram desde que Melada havia desaparecido do local do incidente, e Mintara ficou apenas observando a ex-namorada desaparecer de vista. Ela mesmo não teve coragem de entrar em contato, pois não tinha certeza do que queria retomar. Tentava se convencer de que era por causa do trabalho, mas uma parte mais profunda de seu coração gritava o contrário.

Nos últimos três anos, Mintara pensou muito em Mel. Muitas vezes, quis ligar ou enviar uma mensagem, mas sempre desistia. A vergonha de enfrentar Melada era grande, principalmente por saber que havia cometido muitos erros. A falta de justificativa para o que fez era clara.

Quando a vida entrou em crise, Melada foi a primeira pessoa em quem Mintara pensou, mesmo querendo esquecê-la. Mel costumava avisar para que ela não subestimasse as situações. Naquela época, Prae estava ansiosa para provar suas habilidades e muitas vezes ignorava ordens para agir impulsivamente. Felizmente, Melada estava sempre lá para corrigir os problemas, e não deixar ninguém na equipe se ferir

Sem a Dra. Melada, Mintara achou que poderia dar conta sozinha, mas cometeu erros que resultaram na morte de um membro promissor da equipe. Ver o corpo sem vida de um subordinado em uma poça de sangue, atingido por uma bala de nove milímetros, foi devastador. Mesmo com o criminoso armado a poucos metros, Mintara ficou paralisada, incapaz de agir. Outro membro da equipe teve que intervir para evitar uma tragédia ainda maior.

As palavras de Melada ecoaram em sua mente: "Não subestime a situação, não superestime a si mesmo. A mente das pessoas está sempre mudando. A teoria não se aplica a todas as situações. Não se esqueça de que todas as teorias são escritas após os eventos."

Quem está com a arma na mão pode transformar até mesmo uma vítima em um criminoso. A vida do refém é a mais importante, mas não devemos negligenciar a vida do agressor. Às vezes, ele pode ter sido uma vítima antes de se tornar um criminoso.

Como Melada costumava dizer, Prae ainda era jovem demais. Após três anos, ela finalmente compreendeu. Melada não definia "jovem" pela idade, mas sim pela experiência.

Mintara não a culpava por não estar pronta para voltar. Mesmo ao procurar encontrá-la, já esperava que a Dra. Melada não concordaria em retomar o trabalho. Como Mel sempre dizia, talvez esse trabalho não fosse mais adequado para ela.

Quando o caminho da vida muda, os ideais também podem mudar. É uma pena que, nesta cidade, talvez não haja ninguém com mais experiência em crises de reféns do que a Dra. Melada. Poucos conseguem passar no exame para entrar em uma instituição tão renomada, criada para lidar com crises. Melada é uma das poucas especialistas nesse campo, com vasta experiência, apesar de sua aparência tranquila e seu desprezo por armas.

Mintara, após mais de sete anos de experiência, ainda se sentia inferior em comparação a Melada, que era conhecida por sua calma e precisão, se destacando em situações de alta pressão. Embora suas habilidades com armas fossem limitadas e sua pontaria extremamente duvidosa, sua competência em estratégias e negociações era inigualável, assim como as habilidades de trabalhar bem em situações de tensão extrema.

Mintara sentia a sombra de Melada mesmo após a separação. Pensava nela ao limpar a arma, lembrando-se da pessoa que a havia comprado. Mesmo depois de se separarem, ela só conseguia suspirar ao pensar em Mel. O relógio marcava cinco e meia da manhã, e Mintara precisava se preparar para o trabalho novamente. Após enfrentar o tráfego congestionado, chegou ao escritório e ao abrir a porta descobriu que alguém já estava esperando por ela.

Jogo de amor e negociaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora