"Choroso e servil invólucro de remédio
em pó para inválidos, o conformismo
chega ao que é removido."
-Walt Whitman (Folhas de Relva)-Se você se concentrar melhor vai sentir! Ela está chutando! - A voz de Eleanor soa muito alto do outro lado da casa e eu faço uma careta.
-Pare de se mexer! - Meu cunhado pede e a risada dos dois ressoam pelos corredores.
Viro no sofá da sala, sentindo um grande peso em meus ombros. Era reconfortante estar em casa, sentir cheiro de casa. Levanto e calço as pantufas rosadas, arrastando meu corpo até as janelas do canto da sala. Vejo os Conteras na casa do outro lado da rua, conversando enquanto Teresa beberica algo numa xícara. Eles não conseguem me ver pois estou os vendo por entre uns arbustos secos no jardim da frente. Era estranho respirar o ar de Old Hill. Era estranho estar aqui. Todas as memórias dessa cidade, as coisas que vivi.
Lembro de quando estar aqui era apenas entediante, quando a vida que eu sempre esperei viver estivesse logo à frente, em meu futuro planejado desde o nascimento. Ao olhar para frente, para os dias que virão, não tenho certeza alguma, e isso faz meu estômago revirar.
Quando viro, minha mãe está na porta do corredor, me olhando. Seu rosto não expressão nada, os olhos bem abertos e maquiados mesmo que ela esteja em casa.
-Podemos conversar agora? - Ela pergunta, uma voz carinhosa que chega até meus dedos, me fazendo marejar os olhos.
Assinto e sigo até o sofá. Ela senta e eu ponho a cabeça em seu colo, como costumávamos fazer. Seus dedos finos pela magreza que a doença costumava lhe trazer fazem círculos em meu cabelo. Deixo que ela me acolha, que me veja vulnerável e fraca, pois é como estou me sentindo. Encaro meu gato ainda curioso sobre todos os locais e cheiros novos na casa de meus pais, ele sobe para o parapeito da janela e balança o rabo encarando a neve lá fora.
-Eu fiquei feliz quando vi você loira outra vez. É tão bom me ver em você. - Seu comentário soa como elogio, e eu dou um sorriso triste. - O que aconteceu, filha?
Fecho meus olhos. Cheguei aqui no meio da madrugada, um dia antes do previsto, com muitas malas e uma cara de quem havia passado horas de voo chorando. Ninguém ousou falar nada. Minha irmã já estava aqui e todos tomamos um café da manhã em silêncio, na véspera de natal. Todo o caos não me deixou conversar com Eleanor, nem com ninguém. Minha família respeitou minhas horas introspectivas.
-Não gostou que eu vim mais cedo? - Inclino meu rosto para a olhar.
-Não desvie do assunto, Mon. Você sabe que amamos ter você aqui, mas não dessa forma. O que aconteceu em Londres?
-Não posso mais voltar lá. - Digo, voltando a encarar o tapete pesado que fica no chão do cômodo.
-Isso tem relação com a ligação de quando você voltou de Paris? Com Oliver?
Parecia que tudo havia acontecido há muitos anos atrás, como uma memória distante. Sento no sofá e cruzo as pernas.
-Mãe, porque quis ser médica?
Ela franze os olhos de cor igual aos meus, como se estivesse irritada por eu mudar de assunto, mas se põe a pensar, encostando o queixo afilado na mão que está nas costas do sofá.
-Meu pai era médico, e minha madrasta costumava ter uma vida muito regrada sobre costumes sociais. Eu queria o melhor dos dois, então virei médica e esposa, uma que serve a comunidade.
Foco meus olhos no colar prateado que emoldura seu pescoço.
-Você ficou triste que eu não quis seguir seus passos?
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Meu Londrino Sonho Americano
RomanceLogo após a virada do século, Londres é o palco de uma nova jornada para Monique, uma arquiteta de 31 anos com uma vida de privilégios e um passado complicado. Após um término doloroso de um relacionamento longo, Monique está determinada a recomeçar...