Fernanda
Deslizo a palma da minha mão pela minha calça pela terceira vez, as mãos estão úmidas e aquela demora está me deixando cada vez mais apreensiva.
Ofego baixo.arrasto a bolsa em meu colo para mais perto, cruzo minhas pernas e tento relaxar enquanto aguardava o agente federal.
Não é como se eu já não tivesse vindo aqui antes mas a situação de agora é completamente diferente, pretendo mentir, mentir olhando para os olhos de um agente federal.
A porta atrás de mim é aberta, é preciso apenas o ranger da madeira para me fazer saltar do lugar com o susto.
— Desculpe a demora. — Ouço a voz de Emerson soar no cômodo, a porta é aberta e logo ele entra em meu campo de visão. – Acredite, fiquei surpreso quando o meu secretário avisou que você estava me aguardando.
— Acredito que não tanto, já que os homens que ficam em frente ao meu apartamento devem ter te avisado onde eu estava após me seguir. — cruzo minhas pernas tentando assumir uma postura firme, Emerson maneia a cabeça em um gesto contido.
— Se você cooperasse com a gente, isso não seria necessário.
— Eu já te disse que não tenho absolutamente nada a dizer. — Friso o que havia dito nas outras três vezes que fui submetida a estar aqui com ele.
Ele se encosta na poltrona, a mão agarra a uma caneta enquanto me analisava com atenção.
— Foi você que me procurou, Fernanda. Algo você deve querer dizer.
Me ajeito na cadeira, olho para as minhas próprias mãos por um momento e umedeço os lábios para tomar coragem de falar.
— Não quero vocês perseguindo a mim e a minha família. Não sou foragida, não sou nenhuma criminosa.
— Coopera comigo e diga o que sabe que os policiais não serão um problema mais. — Respiro fundo tentando não me irritar com a sua calmaria.
— Eu cooperaria se eu soubesse de algo, mas vocês o tiraram de mim. — Jogo as palavras em cima dele, vejo o exato momento que ele deixa de segurar a caneta e me encara, tentando me decifrar.
Não faço nenhum movimento em falso, não engulo em seco apesar de sentir um incômodo absurdo na garganta. Permaneço quieta sustentando o seu olhar ardiloso. Não consigo prender a saliva que se acumula em minha boca quando ele inclina o dorso, une as sobrancelhas grossas e apoia os antebraços na mesa para me olhar mais de perto.
— Vá ao ponto, Fernanda. — Ordena. Respiro fundo, empurro uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e trinco a mandíbula antes de falar.
— Acabou de fazer três meses que ele foi preso, Emerson, e não teve um único dia que eu não me sentisse vigiada, me sinto em cárcere mesmo após a sua prisão, mesmo depois de ter sido libertada. Eu pedi minha liberdade e tive, mas os seus homens aqui fora me sufocam de uma maneira que eu não consigo nem mesmo ir ao banheiro. — Expeli com dureza. — Então... — Engulo a saliva ajeitando meus ombros. — Estou disposta a fazer qualquer coisa para ter a minha vida de volta, a minha e a da minha família pois até eles estão sob os olhos dos seus homens.
Emerson permanece me fitando com a expressão inexplicável, semicerra os olhos enquanto eu me sentia cada vez mais aflita com o seu olhar. Após um longo minuto em silêncio ele abre uma gaveta da sua mesa, olho por cima, curiosa. Percebo que são imagens quando ele coloca uma por uma estendida em minha frente.
A primeira é uma imagem de Thamires em cima da sua moto em uma avenida movimentada, a segunda imagem é do Nino, ele fixava seu olhar por cima do ombro de uma bela loira, a terceira é ninguém menos que Wendel, sua fotografia é a única que parece ter sido tirada de frente.
— Conhece algum desses, Fernanda? — Pergunta após estender as imagens.
— Sim. — Murmuro sem saber ao certo se deveria dizer isso.
— Conhece de onde?
— Dos bailes que fui levada pelo Tito.
— Pode me dar a localização desses bailes?
— Não, não sei ao certo onde fica porque faz muito tempo que fui. — olho novamente as imagens.
— Hum... — Balbucia coçando o cavanhaque. — Um desses três está comandando a facção aqui fora a pedido do Tito lá de dentro. — Revela. — E os outros estão trabalhando para ele, encobrindo seus rastos para que a polícia não encontre.
— É? – Finjo surpresa.
— Você quer voltar pra a tua vidinha não é? — Umedece os lábios. — Sem ninguém na tua cola? — Concordo. — Me arranja a localização da base onde eles se encontram, eu os prendo e você pode viver a tua vida sem nenhum pm no seu pé.
— Como eu vou fazer isso, Emerson? — Indago, como se não soubesse onde aquilo tudo ia levar. — Tito tá preso e eu nem faço questão onde esses...— Gesticulo sobre as imagens. – Estão.
— Você não é a mulher do Tito? Vai lá fazer uma visita pra o cara e me trás as informações. — Pede, reprimo meus lábios tentando não denunciar a minha real reação diante das suas palavras.
Estava dividida. Não sabia explicar a sensação que invade o meu peito ao saber que consegui contornar a situação e fazer com que me colocassem lá dentro.
[...]
Solto a respiração incomodada. Algumas horas mais tarde eu já estava em casa, caminho de um lado para o outro, pensando em como falaria para os meus pais que teria que largar tudo aqui e ir para Rondônia. O celular em minhas mãos vibra em um determinado momento, olho para o aparelho e vejo o número privado.
— Alô? — Indago mesmo sabendo quem era.
— Eai? – Thamires diz do outro lado da linha.
— Deixei meus documentos com ele, aparentemente eles precisam reconhecer em cartório nossa união estável, só assim eu... – Sou interrompida.
— Você ta ligada que não é visita íntima né? – Franzo o senho.
— Mas o Emerson disse...
– Tito é líder de facção, não tem direito a essas coisas não. A Helena até tá tentando uma visita pra vocês, mas enquanto isso vocês vão se encontrar no pátio.
Respiro fundo, aflita.
[...]
Tito
Encosto as costas na cadeira de metal e fito minhas mãos algemadas apoiadas no meu colo. Helena olha nos meus olhos pela janela de grades que nos divide, permanece em total silêncio até o momento em que os policiais nos deixam a sós.
– O recado foi aceito. – Diz se referindo a vinda da Fernanda aqui.
Nego com a cabeça e respiro fundo.
— Tu sabe o que eu acho disso.
— É uma ótima oportunidade pra você... — É, eu sei, mas colocaria em risco a vida dela. — Os caras vão ajuda... – Diz em um tom de voz de voz contido, limpa a garganta e ajeita a postura.
— E o Wendell? — Ela suspira, olha bem para o meu rosto.
— Tem gente em cima dele, como você pediu.
— Não tira ele do cargo, não posso julgar o maluco sem provas. — Ela concorda, torno a me aproximar. — Mas se for confirmado, se eu tiver certeza que esse truta tá ramelando nas ideias eu mando...
— Guilherme. — Chia baixo olhando para a porta, onde provavelmente tem um policial.
Mordo a língua pra não falar mais nada. Não posso sair na emoção acusando o maluco sem provas, Thamires deu o papo ao falar que ele tava dando uns sumiços estranhos e que quem teve que fazer o trampo dele esses dias foi ela. Fiquei meio assim com a cara, Wendel foi um dos primeiros que colou comigo nesse mundo, não tenho nem cabeça pra pensar no que eu faria com ele caso ele tiver de traição.
[...]
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AO ACASO 2
RomanceApós um início conturbado, Fernanda e Tito finalmente se deram a chance que mereciam. Mas após finalmente se acertarem, um vacilo causa uma reviravolta no relacionamento de ambos dentro da favela. O amor vencerá?