*POV GABI*
Já faz alguns dias que aquelas palavras ecoam na minha mente, sem descanso. “Eu não posso ser mais do que isso.”
Toda vez que fecho os olhos, me lembro do jeito que Sn disse aquilo, com aquela voz baixa e o olhar distante, como se estivesse segurando o mundo inteiro sobre os ombros. Ela tentou soar firme, mas eu sabia que estava lutando contra algo que não conseguia controlar. Assim como eu.
Mas, por mais que tentasse, eu não conseguia aceitar essa distância forçada. Nós duas sabíamos que o que estava crescendo entre nós era mais forte do que qualquer barreira profissional. Eu sentia, ela sentia. E tentar ignorar só estava nos machucando mais.
Hoje, enquanto me arrumo para mais uma sessão, sinto um peso no peito que eu não consigo afastar. Cada vez que vejo Sn, parece que estamos nos movendo mais e mais rápido em direção a algo inevitável. Algo que nem ela, com toda a sua força de vontade, seria capaz de parar.
Coloco minha roupa de treino, prendo o cabelo e me olho no espelho por um instante. Estou cansada, não só fisicamente. Essa recuperação tem sido uma batalha em tantos níveis que às vezes me pergunto se vou sair dela a mesma pessoa. Talvez seja isso que ela queria dizer. Talvez eu realmente não volte a ser a Gabi de antes.
Mas, no fundo, sei que há uma parte de mim que não quer voltar a ser quem eu era. Não depois de tudo isso.
Pego minha bolsa e saio, tentando ignorar a ansiedade que borbulha no meu estômago. O caminho até a clínica é o de sempre, mas cada passo me aproxima de uma conversa que eu sei que preciso ter, e que pode mudar tudo. Eu já cansei de fugir do que sinto. Agora é questão de enfrentar isso, custe o que custar.
Assim que chego à clínica, sou recebida com os sorrisos de sempre das recepcionistas. Elas me conhecem bem a essa altura, e vejo uma delas se levantar para me chamar, mas eu apenas sorrio e faço um gesto de que já sei para onde ir. Subo até a sala onde sempre faço as sessões, e, antes de entrar, respiro fundo, tentando preparar meu coração para o que está por vir.
Quando abro a porta, lá está ela. Sn, concentrada em organizar alguns papéis, sem perceber que eu já entrei. Por um momento, fico parada ali, apenas observando. O cabelo dela preso em um coque meio desalinhado, o rosto sério, mas suave ao mesmo tempo, e aqueles olhos... Os olhos que, sem que ela perceba, me mostram tudo o que ela tenta esconder.
“Oi, Gabi. Vamos começar?” Ela levanta a cabeça e me encara, sua expressão voltando para o profissionalismo que eu sei que é uma armadura para esconder o que realmente está acontecendo dentro dela.
Eu respiro fundo. Eu sei que preciso ser direta. Não posso continuar fingindo que estou aqui só para mais uma sessão.
“Sn, a gente precisa conversar,” digo, interrompendo a rotina antes que ela possa começar com as instruções dos exercícios.
Ela franze a testa, claramente surpresa com o meu tom. “Conversar sobre o quê?” Ela tenta manter a compostura, mas vejo seus ombros ficarem tensos.
“Sobre nós,” respondo, sem rodeios. Sinto meu coração acelerar, mas sei que não posso voltar atrás agora. “Eu sei que você está tentando manter as coisas profissionais. Eu entendo. Mas a verdade é que... não dá mais para ignorar o que está acontecendo aqui.”
Ela fica em silêncio por um instante, e a tensão na sala parece aumentar a cada segundo. Finalmente, ela suspira, largando os papéis que estava segurando e me encarando com uma expressão séria, mas também cheia de uma vulnerabilidade que raramente vejo nela.
“Gabi, eu já te disse. Isso não pode acontecer. Eu sou sua médica. É minha responsabilidade te ajudar a recuperar seu corpo, sua carreira, não complicar sua vida com... com sentimentos que não deveriam estar aqui.”
“Mas eles estão,” retruco, sem hesitar. “Você sabe disso tanto quanto eu.”
Ela passa a mão pelo rosto, claramente lutando para manter o controle da situação. “Eu não posso, Gabi. Não posso deixar isso acontecer. Você tem sua carreira pela frente, tem uma recuperação a fazer. Eu estou aqui para te ajudar com isso, não para...”
“Eu sei que você se importa,” eu a interrompo, minha voz mais firme do que eu esperava. “E não adianta fingir que o que está acontecendo entre nós não existe.”
Ela balança a cabeça, como se estivesse tentando encontrar uma maneira de me fazer entender o que nem ela parece saber explicar. “Você não entende, Gabi. Se a gente cruzar essa linha... você pode se machucar mais ainda. Isso não é só sobre mim ou sobre você. É sobre o que é certo.”
“E o que é certo pra mim?” pergunto, dando um passo à frente. “Ficar fingindo que eu não sinto nada? Continuar com essas sessões como se você fosse só minha médica, quando a gente sabe que tem mais do que isso aqui?”
Sn me olha, seus olhos brilhando com a emoção que ela tanto tenta esconder. Por um segundo, parece que ela vai ceder, que vai admitir o que está sentindo. Mas então, como sempre, ela recua.
“Eu estou fazendo isso por você, Gabi. Eu não posso deixar que meus sentimentos... interfiram na sua recuperação.”
“E se o que eu mais preciso para me recuperar for ser honesta com o que sinto?” Eu pergunto, minha voz mais suave agora. “Talvez você esteja tentando me proteger, mas eu não preciso que você me proteja de mim mesma. O que eu preciso é saber que você está aqui, de verdade, e não apenas como minha médica.”
Ela parece perdida por um momento, sem saber o que responder. O silêncio entre nós cresce, pesado, enquanto ela luta internamente com suas emoções.
Finalmente, ela fala, a voz mais baixa. “Eu sinto muito, Gabi. Mas não posso. Por mais que eu queira... não posso deixar isso acontecer.”
As palavras dela me atingem como uma onda de gelo. Eu sabia que não seria fácil, mas ouvir isso diretamente dela dói de um jeito que eu não esperava. Mesmo assim, eu não posso desistir agora. Não depois de tudo.
“Você está me pedindo para ignorar o que eu sinto? Porque se está... eu não sei se consigo fazer isso.”
Ela fecha os olhos, como se estivesse buscando forças. “Não estou pedindo para você ignorar. Só estou pedindo... para a gente focar no que importa agora. Sua recuperação. É isso que precisamos fazer. O resto... o resto pode esperar.”
Eu queria argumentar, dizer que não posso esperar, que isso está consumindo cada parte de mim. Mas algo na voz dela me faz parar. Talvez ela esteja certa. Talvez eu precise focar na minha recuperação, deixar que as coisas sigam seu curso. Mas, ao mesmo tempo, eu sei que isso não vai sumir. O que sentimos não vai simplesmente desaparecer porque decidimos não falar sobre isso.
Então, faço a única coisa que posso. Respiro fundo, e concordo, mesmo que meu coração esteja em pedaços. “Tá bom. A gente foca na recuperação.”
Ela me olha, surpresa pela minha aceitação. Mas o que ela não sabe é que isso não é o fim. Apenas uma pausa.
“Obrigada, Gabi,” ela sussurra, claramente aliviada, mas ainda com aquela dor no olhar.
“Mas só saiba de uma coisa, Sn...” digo, antes que ela possa começar a sessão. “Isso não vai sumir. E, um dia, a gente vai ter que lidar com isso.”
Ela não responde, mas o silêncio que segue diz tudo.
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Cᴏʀᴀçãᴏ ᴇᴍ ᴊᴏɢᴏ
RomanceGabi Guimarães, uma das maiores promessas do vôlei brasileiro, enfrenta o maior desafio de sua carreira ao sofrer uma lesão que ameaça sua participação nas Olimpíadas. Determinada a voltar às quadras, ela busca a ajuda de Sn, uma renomada médica esp...