*POV SN*
Os últimos dias têm sido uma montanha-russa emocional. Desde o momento em que beijei a Gabi, nada mais parecia ser o mesmo. Eu sabia que estávamos cruzando uma linha que poderia trazer consequências, tanto para mim quanto para ela. Estar com ela é tão certo, tão natural, mas ao mesmo tempo, a responsabilidade profissional pesa sobre meus ombros.
No início, tentei ignorar essa sensação de que algo estava errado, de que talvez estivéssemos caminhando para uma situação da qual não teríamos como voltar. Mas, quanto mais os dias passam, mais fica claro que continuar a tratar Gabi como minha paciente não é mais viável. O conflito entre o que sinto e meu dever como médica está consumindo cada parte de mim.
Passei noites em claro pensando sobre isso. Repassando cada detalhe. O código de ética, os riscos... e, mais importante, o impacto que isso poderia ter na recuperação dela. Gabi precisa de foco total para voltar ao seu nível máximo, e eu... não sei se posso mais dar isso a ela. O que estamos vivendo é intenso demais, e o medo de prejudicá-la cresce a cada sessão.
Hoje, cheguei à única conclusão possível: vou transferir o tratamento de Gabi para outro médico. Preciso colocar a saúde dela em primeiro lugar, mesmo que isso me machuque. Mesmo que eu não saiba como ela vai reagir.
Estou sentada no meu consultório, encarando a ficha dela em minhas mãos. A ficha que representa tanto profissionalismo quanto emoções que tentei reprimir. Respiro fundo e pego o telefone. Tento disfarçar o nervosismo enquanto discuto a transferência com meu colega, Dr. Vinícius, alguém em quem confio plenamente para dar continuidade ao trabalho que começamos juntas.
“Sim, Dr. Vinícius. Ela é uma atleta incrível, e tenho certeza de que vai se recuperar completamente sob os seus cuidados.” Tento manter a voz firme, mesmo que meu coração esteja apertado. “Eu explico tudo a ela na próxima sessão.”
Desligo o telefone e, por um momento, tudo parece parar. A decisão está tomada. Agora, só resta contar a Gabi.
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Na manhã seguinte, estou mais ansiosa do que nunca. Vou encontrar Gabi na fisioterapia, como sempre, mas dessa vez será diferente. Eu tenho que dizer a ela que não posso mais ser sua médica. Meu coração está pesado, mas sei que essa é a decisão certa, por mais difícil que seja.
Quando chego à clínica, Gabi já está lá, sorridente, animada. Ela sempre tem essa energia vibrante que me atinge em cheio. Só que hoje, ao ver o brilho nos olhos dela, minha coragem vacila. Como vou dizer isso?
“Bom dia, [SN],” ela diz, com aquele sorriso que sempre faz meu coração acelerar. “Pronta para mais uma sessão?”
Eu sorrio de volta, mas é um sorriso tenso, forçado. “Bom dia, Gabi. Podemos conversar antes de começarmos?”
Ela me olha com curiosidade, mas sem suspeitar de nada. “Claro, o que foi?”
Tento respirar fundo, mantendo o controle. “Eu tomei uma decisão sobre o seu tratamento.”
Vejo a expressão dela mudar sutilmente, o sorriso vacilando. “Que decisão?”
“Gabi, eu vou passar o seu tratamento para outro médico.” As palavras saem mais rápido do que eu gostaria. Sinto o impacto imediato no olhar dela.
“Você... o quê?” Ela me encara, incrédula. “Por quê? O que está acontecendo?”
Sinto um nó na garganta, mas preciso ser honesta. “O que aconteceu entre nós... não dá mais para continuar com as coisas do jeito que estão. Eu não posso ser sua médica e estar envolvida emocionalmente com você. Isso compromete a minha capacidade de focar na sua recuperação, Gabi.”
Ela me olha, e o silêncio que segue é quase insuportável. O choque no rosto dela dói mais do que eu imaginava. Gabi dá um passo à frente, buscando uma explicação melhor. “Você está me dizendo que vai me deixar por causa de um código de ética?”
Eu balanço a cabeça, tentando explicar. “Não é só por causa do código. É por você. Você precisa de um tratamento sem distrações, sem envolvimentos que possam comprometer o seu progresso. Eu me importo demais com você para deixar que isso te prejudique.”
Ela parece processar minhas palavras por um momento, seus olhos passando de confusão para frustração. “Então você acha que eu vou me distrair? Que eu não vou conseguir me concentrar na minha recuperação porque estamos... envolvidas?”
“Não é isso,” eu digo rapidamente, tentando aliviar a tensão. “Eu estou me distraindo. E isso, por si só, já é um problema. Eu não consigo ser objetiva com você como médica. E você precisa disso para voltar às quadras.”
Gabi cruza os braços, seu rosto demonstrando a mistura de sentimentos que a agita. “Você acha que não podemos separar as coisas? Eu confio em você. Você é a melhor no que faz. Eu não quero outro médico.”
As palavras dela me atingem com força, mas eu já tomei minha decisão. Tento falar o mais gentilmente possível, mesmo que isso me destrua por dentro. “Eu também confio em você, Gabi. E é por isso que estou fazendo isso. Para garantir que você tenha o melhor tratamento possível.”
Ela não diz nada por alguns segundos, apenas me observa com um olhar que mistura tristeza e decepção. “E quanto a nós?”
Essa é a pergunta que eu temia ouvir. Eu sabia que chegaria esse momento, e meu coração se aperta ainda mais. “Eu... não sei,” respondo honestamente, sem forças para esconder o que sinto. “Mas agora, a sua recuperação tem que ser prioridade.”
Ela solta um suspiro pesado e dá um passo para trás, como se estivesse processando tudo. “Eu entendo. Mas isso não significa que vou aceitar isso facilmente.”
“Eu sei que é difícil,” digo, tentando manter a calma, mas minha voz falha ligeiramente. “Mas espero que, com o tempo, você veja que foi a melhor decisão.”
Gabi fica em silêncio por um tempo, os olhos fixos no chão, antes de finalmente me encarar. “Se é o que você acha que é melhor, então eu vou respeitar. Mas isso não muda o que eu sinto.”
Meu coração acelera, mas eu só consigo assentir em silêncio. Dr. Vinícius está pronto para continuar o tratamento de Gabi, e eu sei que ela está em boas mãos. Mas essa decisão, por mais correta que seja, deixa uma sensação amarga no meu peito.
Quando saio da clínica, sinto o peso da escolha que fiz, mas ao mesmo tempo, uma pequena parte de mim acredita que fiz o que precisava ser feito. Gabi merece o melhor tratamento e, no momento, eu não posso ser a pessoa que garante isso a ela.
Só espero que ela entenda, um dia, que tudo o que fiz foi pensando no bem dela — mesmo que isso tenha significado abrir mão de algo que, por mais doloroso que seja, é maior do que nós duas.
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Cᴏʀᴀçãᴏ ᴇᴍ ᴊᴏɢᴏ
RomanceGabi Guimarães, uma das maiores promessas do vôlei brasileiro, enfrenta o maior desafio de sua carreira ao sofrer uma lesão que ameaça sua participação nas Olimpíadas. Determinada a voltar às quadras, ela busca a ajuda de Sn, uma renomada médica esp...