(1) No começo...

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— Está ótimo.

Eu arrumava cuidadosamente os lírios brancos em um vaso grande de porcelana. Estava tão distraída com aquelas belas flores que nem sequer notei a presença de duas garotas que haviam entrado na loja. Quando me virei, elas disseram um "Oi" tímido ao mesmo tempo. A mais alta chamava-se Carla Miranda, possuía um invejável cabelo negro, sua pele era morena e os belos olhos verdes destacavam-se em seu rosto. Eu a conhecia pois havia estudado com ela há alguns anos. A outra, se não me falhava a memória, era Helena Portinari, tinha cabelos longos e louros, e intensos olhos azuis. Não sabia dizer qual delas era a mais bonita.

— Você o viu na lanchonete, Helena? —Perguntou Carla.

Então, eu era boa de memória.

— Vi. Bem, ele é bonito, mas... Olhe! — Ela sorriu. — Tulipas roxas. Sua mãe não gosta de tulipas?

— Sim, gosta... mas, você ia dizer alguma coisa...

— Ah... — Ela limpou a garganta. — Ele nem se compara a Jack.

Jack? Quem mais não se compara a Jack?

— Pare de falar sobre Jack. — Carla pareceu irritada. — Você não percebe? Esse cara é um moleque e ninguém está à altura dele.

— Ele disse que gosta de mim, Carla. E eu acredito nele. — Helena falou o mais baixo possível.

— "Gosto do seu corpo"... estava nas entrelinhas. — Carla revirou os olhos.

Essa foi só mais uma das conversas entre amigas que eu ouvia o dia inteiro durante o trabalho. Bem, na maioria das vezes, o assunto era "garotos", típico de adolescentes. Mas esse não era o problema, e sim que em cinquenta por cento dessas conversas, o garoto em questão era Jack Monteiro.

Curiosamente, meu antigo melhor amigo.

— Precisam de ajuda? — Interrompi, temendo que aquela conversa passasse ainda mais dos limites.

— Sim... — Carla deu um risinho. — Poderia montar um buquê com seis tulipas roxas e... três rosas brancas para mim?

— Claro!

— Obrigada. — Ela sorriu. — É para minha mãe, ela faz quarenta e sete anos hoje, e se não fosse Helena, não saberia o que dar a ela.

Apenas sorri. Não tinha certeza de que se tentasse dizer alguma coisa, faria sentido. Havia dois anos que minha mãe morrera num acidente, e Lisa, minha irmã também. Ao ouvir Carla dizer aquilo, senti uma pontada de inveja, já que eu nunca mais poderia dar qualquer coisa à minha mãe.

— Qualquer pessoa adoraria ganhar rosas... — Falei por fim. — Mas, livros também são uma ótima opção para presentes...

— Ela não gosta de ler.

— Ah... entendi.

Helena sorriu para mim. Mas, ela parecia meio constrangida, talvez porque soubesse que eu havia ouvido toda a conversa delas. E, além disso, soubesse que aquela floricultura, a "Flores de Monteiro", pertencia a Jack.

Mostrei o buquê já pronto a elas, ele com seis tulipas roxas perfeitas e três rosas brancas quase abertas, amarrado com fitas finas e um laço azul cobalto.

— Ficou lindo! Obrigada.

Após as duas admirarem um pouco o buquê, e Carla pagar-me pelo trabalho feito, elas saíram da loja, ainda cochichando. Virei-me novamente para os lírios postos sobre o balcão de vidro. Eles praticamente gritavam "Jack, Jack..."

Passei vinte minutos em completo silêncio, apenas observando o escasso movimento da rua. Quanto mais entardecia, mais frio o ar parecia. E o céu, cada vez mais nublado.

Feche os olhos, Anjo (livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora