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DULCE MARIA SAVIÑON

É engraçado, até meio irônico, como um simples descuido pode mudar toda a sua vida.

Aquele cochilo de um segundo ao volante que provoca um acidente de trânsito fatal. Um pulo mal calculado na piscina que traz consequências irreversíveis. A panela de arroz que você esquece no fogo porque está atrasada para um compromisso importante e acaba causando um incêndio de grandes proporções.

Às vezes, nem é nada tão dramático assim.

No meu caso, por exemplo, o que virou tudo de cabeça para baixo foi ter esquecido a carteira, com todos os documentos importantes, em casa. Só me dei conta de que ela não estava na bolsa quando cheguei no trabalho e fui pegar o cartão de crédito para pegar o Uber.

Eu poderia ter feito um Pix ou usado o cartão virtual cadastrado no celular para resolver o problema, mas precisava apresentar meus documentos para participar da audiência que começaria às dez da manhã. Por isso, implorei ao motorista para retornar, prometendo dar a ele uma gorjeta generosa por encarar o trânsito da Barra da Tijuca no horário de pico por uma corrida tão barata.

Se eu tivesse mais atenta aos sinais, teria notado o olhar alarmado do seu Antônio, o porteiro da vez, quando atravessei o hall de entrada do prédio correndo.

Teria estranhado o perfume desconhecido dentro do apartamento.

Teria percebido que o par de sapato jogado no corredor não pertencia a Paco.

Teria ouvido o barulho suspeito vindo do nosso quarto.

Mas não prestei atenção em nada disso.

Só queria pegar a carteira e sair o mais rápido possível para tentar chegar no escritório antes do meu chefe, um escroto da pior espécie que adora constranger os funcionários em público por qualquer motivo.

Um atraso é um bom motivo para ele.

Nunca, jamais, nem em um milhão de anos, imaginei encontrar uma cena tão surreal ao abrir a porta do quarto.

Meu noivo, que deveria estar iniciando o seu plantão no hospital, de quatro na cama, se masturbando enquanto é enrabado por um cara que parece ter saído diretamente de um campeonato de fisiculturismo.

Na nossa cama.

Na cama que dividimos há dois anos.

Na mesma cama em que eu estava dormindo menos de duas horas atrás.

Ofego, horrorizada, deixando a bolsa cair. Só então eles percebem que não estão mais sozinhos e interrompem a transa.

Paco arregala os olhos e se levanta em um único movimento. O marombeiro demora um pouco mais para reagir e se virar de costas pra mim. É tempo suficiente para o meu olhar recair no pênis ereto.

Completamente nu.

Sem. A. Porcaria. De. Uma. Camisinha.

O imbecil do Paco estava fodendo sem proteção. Pelo visto, não basta ser um filho da puta traidor. Além de chifres na minha cabeça, ele também tem colocado a minha saúde em risco.

– Dulce, eu posso explicar ... – diz, usando o travesseiro para se cobrir.

A frase ridícula me arranca uma risada histérica.

– Estou curiosa para te ouvir, Paco – confessa, me esforçando para manter a voz firme. – Apesar de não conseguir imaginar qualquer justificativa plausível para o que acabei de ver.

Acordo de desafetosOnde histórias criam vida. Descubra agora