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DULCE MARIA SAVIÑON

Não sei se estou mais chocado com a traição do Paco ou com o fato de você e Christopher estarem dividindo o mesmo teto.

Ajeito o ângulo do celular, encarando o meu melhor amigo através da tela. Depois de três dias trocando mensagens de texto, finalmente conseguimos organizar nossos horários para uma chamada de vídeo.

– Sério, Poncho? – Reviro os olhos. – Está mesmo equiparando eu ter pegado o meu noivo na cama com outro homem e eu estar ficando, temporariamente, no mesmo lugar que o seu irmão?

– Ei, não me olhe assim, não é tão absurdo. Desde que você decidiu, do nada, que Christopher é um ser humano horrível, ver vocês morando juntos era a última coisa que eu esperava.

Veja bem, não foi do nada.

Toda menina tem um primeiro crush. Normalmente, é um coleguinha da escola, um ator infantil ou o cantor de uma boy band. No meu caso, foi o garoto mais velho da família que havia acabado de se mudar para a casa em frente à nossa.

Assim que meus olhos pousaram nele, fiquei encantada pelo rapaz que parecia uma versão melhorada de um colírio da capricho. Christopher sempre foi lindo e a cor dos seus olhos, uma mistura de castanho com mel, era hipnotizante.

Na época, o fato de ele ter dezessete anos e eu, dez, era irrelevante para mim. Sabia que não seria criança para sempre. Na minha cabeça, bastava Christopher me esperar crescer e completar a maioridade para a gente namorar, noivar e, após alguns anos, se casar.

Fazia todo sentido para a Dulce Maria no auge da ingenuidade.

Poncho e eu nos tornamos grandes amigos, vivíamos na casa um do outro, e eu aproveitava aqueles momentos para admirar Christopher à distância, catalogando cada mínimo detalhe sobre ele e anotando tudo no meu diário.

O meu caderno de desenho, que eu escondia a sete chaves, tinha mais de cem esboços dele.

Lamentável, eu sei.

Acredite, eu sei.

Chorei muito quando ele se mudou para Campinas para cursar Arquitetura e Urbanismo na UNICAMP. Aguardava com ansiedade os finais de semana, a cada quinze dias, que ele ia passar com a família.

Christopher sempre levava um chocolate para mim e Poncho, e meu coração quase explodia de felicidade.

A paixonite secreta durou anos. Enquanto as minhas amigas estavam dando os primeiros beijos e tendo os primeiros namorados, eu continuava planejando um futuro com alguém que nunca havia dado indícios de que me via como nada além da melhor amiga do seu irmão.

Então a tragédia aconteceu.

Sério, sinto dor física só de pensar naquele dia.

Decidi que ser patética dentro da minha própria cabeça não era o bastante e fui atrás da humilhação.

Estava com dezesseis anos, quase dezessete, indo para o último ano do ensino médio, e Christopher cursava o último semestre da faculdade. Parecia o momento ideal de confessar os meus sentimentos e pedir a ele para me esperar.

Sim, eu realmente achei que tinha uma chance.

Nem preciso falar que foi um completo desastre.

Christopher me olhou como se eu tivesse acabado de fugir de um hospital psiquiátrico e me deu um belo fora. Não um fora qualquer. Ele foi super grosseiro e disse, com todas as letras, que eu não passava de uma criança boba que não sabia nada sobre a vida e que nunca aconteceria nada entre a gente. Para fechar o caixão, revelou que estava namorando e pretendia construir um futuro com ela.

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