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DULCE MARIA SAVIÑON


A semana passou voando.

As coisas que estavam no apartamento de Paco, no Rio, finalmente chegaram. As duas malas de vinte e três quilos e a caixa grande estão amontoadas em um canto da sala, ao lado da mesa de escritório, ocupando um espaço que já é pequeno. Não tem muito o que fazer com elas até Poncho voltar e liberar uma parte do guarda-roupa para mim.

Sendo realista, mesmo se tivesse como organizá-las, eu não teria disposição. Precisei trabalhar de dez a doze horas por dia para dar conta das encomendas de ilustrações que não paravam de chegar.

É incrível o poder de influência das redes sociais. Uma marcação no Instagram de um autor popular foi suficiente para me trazer centenas de seguidores e dezenas de trabalhos.

Estou com o mês inteiro preenchido e, ao mesmo tempo em que isso me deixa exultante, é desafiador gerir tudo sozinha. Maite me ajuda muito como pode, mas ela já tem as próprias obrigações e não quero atrapalhá-la, então evito recorrer à minha cunhada toda vez que o desespero bate.

Sei que é temporário e que vai melhorar assim que eu estiver adaptada, só preciso aguentar um pouco mais.

Apesar dos desafios e do cansaço físico, estou feliz.

Fazer algo que amo e ainda ser paga por isso é uma das melhores sensações que já experimentei. Todos os dias me pergunto por que demorei tanto para tomar a decisão de investir no meu sonho.

Alongo o pescoço, quase finalizando mais um rascunho, quando o chuveiro é desligado e, minutos depois, Christopher sai do banheiro com a toalha enrolada na cintura, o peitoral musculoso à mostra, os cabelos úmidos penteados para trás.

Perco a concentração diante de tamanha perfeição e giro a cadeira para admirá-la da cabeça aos pés.

Nunca vou me acostumar com o nível de beleza desse homem.

Lindo e gostoso.

E, por enquanto, só meu.

– Já não passou da hora de encerrar o expediente? – pergunta, se aproximando para tirar o iPad da minha mãe, bloquear a tela e colocar sobre a mesa.

– Eu estava quase terminando – protesto, tentando recuperar o objeto.

– Não, senhora. – Ele segura o meu pulso e me vira em um movimento rápido, se agachando à minha frente, com a expressão séria. – Entendo que esteja empolgada com o novo trabalho, mas se continuar nesse ritmo, trabalhando tantas horas seguidas sem pausas, vai se lesionar.

– Ainda não consegui estabelecer uma rotina certinha, mas estou bem.

– Não está – alega, franzindo a testa. – Você tem reclamado de dores no pescoço e te flagrei algumas vezes massageando o pulso direito. Hoje, na academia, teve dificuldades para segurar o halter de dez quilos.

Respiro fundo, derrotada. Às vezes me esqueço do quanto Christopher é observador. Ele nota os mínimos detalhes e, embora eu tenha tentado disfarçar os desconfortos musculares para não ouvir um sermão, obviamente falhei.

– Ok, confesso que essa semana dei uma exagerada, mas, em minha defesa, é difícil recusar trabalhos e perder dinheiro.

Sou puxada alguns centímetros para frente, e ele se encaixa no meio das minhas pernas, com a cara de poucos amigos.

– O que adianta se exceder para ganhar dinheiro e depois ter que gastar tudo com remédios e tratamentos de saúde?

– Você tem uma resposta para tudo, né? – Levo as mãos ao seu rosto e aperto as bochechas até seus lábios formarem um biquinho fofo. – Prometo que vou desacelerar. Ainda estou um pouco atrapalhada, mas não quero desenvolver uma lesão no pulso que me impeça de continuar desenhando, até porque pretendo fazer isso para o resto da vida.

Acordo de desafetosOnde histórias criam vida. Descubra agora